A ABCR encaminhou, em novembro, carta a centenas de patrocinadores de todo o país esclarecendo um ponto importante sobre as leis de incentivo fiscal: empresas que prestam serviços aos patrocinadores devem ser remuneradas por eles, e não com recursos incentivados.
Essa comunicação se fez necessária porque chegaram à ABCR denúncias que organizações da sociedade civil, e outras instituições, estavam se vendo obrigadas a pagar despesas de empresas contratadas pelos patrocinadores com recursos previstos para a captação de recursos.
Isso se deve em razão de uma prática anti-ética no mercado de empresas oferecerem serviços gratuitos de prospecção de projetos incentivados para patrocinadores, dizendo que serão remuneradas pelos patrocinados. De acordo com o previsto na Lei de Incentivo à Cultura, além de anti-ética, essa prática configura-se como vantagem financeira indevida e é, portanto, também ilegal.
Como resultado, o prejuízo é direto para quem atua dentro da lei com captação de recursos para projetos incentivados, prestando serviços para as próprias organizações da sociedade civil.
Confira a seguir a íntegra da carta enviada pela a ABCR a patrocinadores e financiadores de todo o país. Dúvidas podem ser esclarecidas no e-mail falecom@captadores.org.br. A carta pode ser reproduzida livremente, desde que citada a fonte.
ABCR – Associação Brasileira de Captadores de Recursos
Carta de Esclarecimento
Tema: Patrocínios e doações via Leis de Incentivo
Público-Alvo: Empresas patrocinadoras e doadoras
A ABCR – Associação Brasileira de Captadores de Recursos é uma organização sem fins lucrativos composta por captadores, mobilizadores de recursos e organizações da sociedade civil e que tem como principal objetivo estabelecer uma ampla rede nacional, fortalecendo a prática da captação de recursos e propiciando condições para o intercâmbio técnico, a troca de experiências e o desenvolvimento comum da profissão.
Criada em 1999, a ABCR tem como missão promover, desenvolver e qualificar a atividade de captação de recursos. Entre suas principais metas, destacam-se a de trabalhar para assegurar a credibilidade e representatividade da profissão, apoiar, indiretamente, organizações sociais e culturais na importante tarefa de construir uma sociedade mais justa, e buscar um ambiente favorável para que a doação e captação de recursos aconteçam de forma exitosa.
E é nessa perspectiva, embasada por seu Código de Ética e Padrões da Prática Profissional do Captador de Recursos, que visamos, por meio desse documento, esclarecer e orientar empresas investidoras sociais sobre o papel do profissional de captação de recursos quando se trata de doações e patrocínios realizados por meio de leis federais de incentivo fiscal.
O profissional de captação de recursos pode trabalhar como empregado da organização proponente dos projetos incentivados, de forma autônoma ou por meio de empresas de consultoria no tema. Em todos os casos, ele presta serviço ao proponente e é remunerado por ele. Essa remuneração ao captador de recursos pode ser definida tendo como parâmetro um percentual de sucesso da captação, como está previsto na maior parte das leis de incentivo, como Lei Federal de Incentivo a Cultura, Lei de Incentivo ao Esporte, PRONON e PRONAS-PCD. Já os Fundos do idoso e da Criança e Adolescente, podem permitir ou não essa remuneração, a critério dos conselhos municipais e estaduais.
Mas o que todas as leis têm em comum é que esse valor é previsto como remuneração pelo serviço prestado de captação de recursos ao proponente. E é sobre isso que a ABCR quer se manifestar hoje.
Uma prática que não converge com o Código de Ética e Padrões da Prática Profissional do Captador de Recursos, que pode ser visto em nosso site, e nem com as leis em vigor, tem se tornado cada vez mais comum no mercado de patrocínios e doações incentivadas.
Estamos falando da trata da contratação, por parte da empresa patrocinadora ou doadora, de um serviço de busca ativa de projetos a serem incentivados. Na maioria das vezes inclui também o processamento de documentos e dados necessários para que se faça um contrato, bem como uma supervisão das entregas do projeto durante sua execução.
Essa é uma prestação de serviço legítima, que contribui para que cada vez mais projetos sejam executados, e afeta positivamente a sustentabilidade das organizações, uma vez que ajuda investidores a encontrarem projetos e organizações que compartilhem de seus valores. No entanto, é uma prestação de serviços feita ao patrocinador e só pode ser remunerada pelo mesmo.
O oposto a isso, a remuneração da empresa que presta serviço ao patrocinador, com recursos do proponente, dá-se o nome de vantagem financeira indevida. Muitas leis sobre o uso de recursos públicos tratam da vantagem financeira indevida, mas talvez nenhuma outra tão claramente para o nosso propósito quanto a Lei Federal de Incentivo à Cultura:
Lei 8.313/1991
Artigo 23º
(…)
A única exceção a essa regra foi estabelecida no Decreto 5.761/2006, em seu Artigo 31º, quando permitiu a destinação de 10% dos produtos gerados pelos projetos para os patrocinadores. As instruções normativas têm gerido os limites de vantagens relativos à visibilidade de marca do patrocinador, outra vantagem possível.
Dessa forma, se o patrocinador recebe alguma outra vantagem em função desse patrocínio, e se essa vantagem tem como origem recurso público, temos aí uma clara vantagem financeira indevida.
A prática de mercado a qual a ABCR se refere e repudia, se dá quando uma empresa é contratada para prestar serviços ao patrocinador/doador (como a seleção e acompanhamento de projetos incentivados, entre outros), e essa empresa recebe sua remuneração, integral ou parcial, do proponente do projeto, com recursos da rubrica orçamentária destinada a captação de recursos, ou com qualquer outra rubrica orçamentária destinada a serviços específicos prestados ao proponente por meio do projeto. Nesse caso, observa-se que um serviço prestado ao patrocinador está sendo pago pelo proponente.
Essa prática tem prejudicado diretamente organizações culturais e sociais, bem como os profissionais de captação de recursos contratados por elas. As coloca, uma vez que aceitem a condição, em uma situação de ilegalidade pela qual poderão ser punidas. Mas coloca também a empresa patrocinadora em delicada situação de risco:
A Lei 8.313, em seu Art. 30, reforçado pelo Decreto 5.761, no Art. 7. § 7º e Art 31, prevê a aplicação de penalidades se descumpridas as normas vigentes:
Lei 8.381
Art. 30. As infrações aos dispositivos deste capítulo, sem prejuízo das sanções penais cabíveis, sujeitarão o doador ou patrocinador ao pagamento do valor atualizado do Imposto sobre a Renda devido em relação a cada exercício financeiro, além das penalidades e demais acréscimos previstos na legislação que rege a espécie (grifo nosso).
O capítulo a que se refere o Art. 30 da Lei 8.313, intitulado “CAPÍTULO IV – Do Incentivo a Projetos Culturais, prevê em seu Art. 23, já citado, que “constitui infração à lei, “o recebimento pelo patrocinador de qualquer vantagem financeira ou material em decorrência do patrocínio que efetuar”, tema recentemente regulamentado pela IN 02/2019.
Ainda, é importante esclarecer: um profissional de captação de recursos que atua com incentivos fiscais busca recursos para projetos e organizações, sendo contratado pelo proponente para trabalhar em seu benefício e priorizando os seus interesses. Seu compromisso é buscar soluções econômicas para viabilizar os projetos, agindo com ética e transparência. É um papel fundamental, reconhecido como profissão de prestígio em inúmeros países.
Quaisquer serviços diferentes desse, e que tenha a empresa investidora como interessada e beneficiária; ou se a empresa investidora se torna CLIENTE desse profissional, então não é captação de recursos. E pagar por tais serviços com recursos incentivados dos projetos é vantagem financeira indevida.
Deixamos aqui algumas considerações:
Lei 8.313
Art. 38. Na hipótese de dolo, fraude ou simulação, inclusive no caso de desvio de objeto, será aplicada, ao doador e ao beneficiário, multa correspondente a duas vezes o valor da vantagem recebida indevidamente.
Nossa recomendação às empresas doadoras e patrocinadoras, que têm feito esse importante investimento usando as leis de incentivo fiscais, é que se certifiquem de remunerar integralmente as empresas ou profissionais autônomos para os quais requisitarem a busca de projetos ou serviços administrativos ligados ao patrocínio/doação. E respeitem a escolha do proponente quanto ao profissional captador de recursos com o qual ele escolheu trabalhar, o considerando como representante legítimo da organização. Assim, estará garantindo que, além de apoiar o projeto da organização que quer beneficiar, garanta a legalidade desse investimento em todos os aspectos.
Da nossa parte, colocamo-nos a disposição para esclarecer mais sobre o tema, naquilo que se fizer necessário.
Cordialmente,
São Paulo, 14 de novembro de 2019.
João Paulo Vergueiro
Diretor Executivo
Associação Brasileira de Captadores de Recursos