Na sequência da série de entrevistas em celebração aos 25 anos da ABCR, entrevistamos Marcia Woods, presidente da associação entre 2018 e 2024. Com uma trajetória marcada por desafios e conquistas, Marcia falou sobre sua relação com a organização desde os primeiros anos, as mudanças estruturais promovidas em sua gestão e suas expectativas para o futuro da associação.
“Minha história com a ABCR é bem lá dos primórdios, nos início dos anos 2000. Eu lembro de participar de reuniões na casa da Célia Cruz, conversando sobre a própria formação da ABCR. […] Era um momento bastante importante de entender o que era a prática da captação de recursos, a prática ética, o fortalecimento das organizações”. Sua participação cresceu ao longo dos anos, culminando no convite para facilitar o planejamento estratégico da ABCR em 2015, momento de transição em que a entidade passou a contar com uma diretoria executiva contratada. “Isso fez toda a diferença, sair de uma associação totalmente voluntária para uma com uma pessoa dedicada a isso”.
Questionada sobre o que a levou a assumir a presidência, Marcia destacou uma conjunção de fatores pessoais e institucionais. “A crença na organização estava desde o começo, sendo parte da concepção lá atrás, quando teve as primeiras reuniões na casa da Célia Cruz. […] O aceite veio de forma circunstancial. Era um momento em que eu tinha mais disponibilidade e entendia que podia contribuir com o desafio atual que estava posto na ABCR, que era apoiar essa estruturação, essa profissionalização”. Marcia ressaltou que sua gestão priorizou questões como governança, revisão do portfólio programático e fortalecimento financeiro da associação. “Eu tinha capacidade para, de fato, ajudar a organização a se fortalecer, a se desenvolver e a se tornar reconhecida e relevante nacionalmente”.
Ao assumir, Marcia encontrou uma organização fragilizada financeiramente. “A ABCR estava numa situação bastante crítica. Não tinha recurso em caixa, estava bastante descapitalizada. Tinha acabado um grande projeto e não havia uma estratégia de saída adequada”. Diante desse cenário, medidas drásticas foram necessárias. “A primeira coisa que fizemos foi uma reunião do conselho de planejamento, onde reduzimos o portfólio de projetos. Também terceirizamos serviços e programas, como o Festival ABCR, para aliviar a carga operacional. Essas mudanças foram importantes para deixar a ABCR mais leve e focada”.
Durante a gestão de Marcia, a ABCR passou por um período de grandes transformações, consolidando seu papel como uma voz importante na captação de recursos e no fortalecimento do terceiro setor no Brasil. Ela destacou duas conquistas como pilares de sua liderança: o reconhecimento da profissão de captador de recursos pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) e a criação do Monitor de Doações durante a pandemia.
Sobre o CBO, Marcia enfatizou que se tratava de uma demanda histórica da categoria. “O reconhecimento da profissão foi uma conquista muito importante. É algo que fortalece a identidade dos captadores e ajuda a profissionalizar ainda mais o setor. Isso só foi possível por meio de um programa estruturado de advocacy, que ABCR iniciou em nossa gestão”.
Outra conquista marcante foi a eliminação do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) incluída no pacote de medidas da reforma tributária. “Esse resultado veio de um esforço conjunto com outras organizações, como a Aliança para o Fortalecimento da Sociedade Civil, durante a janela de oportunidade da reforma tributária. Foi um grande passo para fomentar a cultura de doação no Brasil, reduzindo barreiras que dificultavam a sustentabilidade financeira das OSCs”.
Marcia também destacou a criação do Monitor de Doações, desenvolvido durante a pandemia de COVID-19. “O monitor foi o único registro que conseguimos capturar sobre a solidariedade do brasileiro em um momento de crise tão única. Ele não apenas revelou a generosidade da sociedade, mas também colocou a ABCR na pauta nacional. O impacto foi enorme: o monitor trouxe visibilidade ao trabalho da ABCR e gerou reflexões sobre o papel da doação no desenvolvimento do país”.
Marcia também falou sobre um dos momentos mais desafiadores e marcantes de sua gestão: a transição entre os diretores executivos. “Fazer a transição de diretoria executiva entre o João Paulo Vergueiro e o Fernando Nogueira foi um processo complexo, mas extremamente importante para garantir a continuidade do trabalho e o fortalecimento institucional da ABCR. Essa transição tão bem sucedida só foi possível porque houve diálogo, respeito e uma visão clara sobre o papel estratégico da liderança executiva na organização”. Ela destacou que essa transição foi um exemplo de como uma boa governança pode ser construída com base na confiança e na colaboração entre os diferentes atores da associação.
Deixando a presidência, Marcia enxerga a ABCR em uma posição de destaque. “Agora, a ABCR tem reconhecimento, uma matriz de financiamento sólida, equipe e histórico. Ela está pronta para dar o próximo passo, explorar inovações e produzir mais conhecimento sobre a prática da captação no Brasil”. Ela acredita que as futuras gestões podem aproveitar o legado construído para avançar em novos temas. “Espero que a ABCR consiga atender à sua base diversa e traga inovações para engajar ainda mais seus associados. Há muito espaço para crescimento”.
Ao refletir sobre sua gestão e os seis anos à frente da ABCR, Marcia deixa seu um agradecimento à equipe executiva da ABCR, ao conselho e a todos os associados. “A associação só existe porque as pessoas e organizações acreditam na força do coletivo e no associativismo como ferramenta de transformação. A confiança que os associados depositaram em nós, ao longo de dois mandatos, foi essencial para que pudéssemos implementar mudanças estruturais e avançar na causa da captação de recursos no Brasil. Mesmo diante de críticas pontuais, a confiança e o reconhecimento sempre estiveram presentes, e isso fez toda a diferença”.
Por fim, ela destacou a importância do apoio dos fundadores e das pessoas que construíram a ABCR desde o início, mencionando com carinho sua conexão com os primórdios da associação. “É emocionante lembrar das primeiras reuniões na casa da Célia Cruz e perceber como esse trabalho pioneiro foi o alicerce de tudo o que a ABCR conquistou até hoje. Ter sido parte dessa história e poder contribuir para seu fortalecimento é algo pelo qual sou muito grata”.
Veja aqui as outras entrevistas feitas para a série ABCR 25 anos