As organizações da sociedade civil frequentemente enfrentam desafios na captação de recursos, sempre buscando novas fontes de financiamento para sustentar suas atividades. Por isso, vale a pena não apenas buscar novas oportunidades, como também otimizar as já existentes, como os benefícios fiscais disponíveis para organizações sociais.
Muitas vezes, as organizações podem não estar plenamente cientes dos benefícios fiscais aos quais têm direito, como isenções ou imunidades que podem reduzir significativamente suas cargas tributárias e até reaver tributos pagos indevidamente em anos anteriores através de processos administrativos ou judiciais. De forma simplificada, a isenção ocorre quando o Estado opta por não cobrar impostos devido ao reconhecimento do trabalho social desenvolvido. Já a imunidade é um benefício mais amplo, em que, por definição legal, o Estado é proibido de cobrar certos tipos de impostos e/ou contribuições das organizações.
Embora tecnicamente mais relacionada à contabilidade e ao cumprimento de obrigações fiscais, esta área oferece uma oportunidade para profissionais de captação de recursos. Ao entender e integrar questões fiscais na estratégia de captação, é possível maximizar os recursos disponíveis para projetos e desenvolvimento institucional.
Durante o FIFE 2024, que aconteceu entre os dias 23 e 26 de abril, o diretor executivo da ABCR, Fernando Nogueira, mediou uma roda de conversa sobre este tema com a participação de Renata Lima, advogada e contadora sócia do Escritório Lima & Reis Sociedade de Advogados, especializado em Terceiro Setor; Claudia Gregi, analista financeira da Salix Tributária, que presta serviço de assessoria e restituição tributária para organizações sociais; e Ricardo Monello, contador, advogado e fundador da Audisa, focada em auditoria e consultoria para Terceiro Setor.
Cada palestrante destacou que as economias geradas pelas imunidades e isenções devem ser vistas como recursos internos já captados, ou seja, mais que benefícios fiscais, devem ser vistos dentro da estratégia de captação de recursos.
Fernando lembrou do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), um imposto sobre heranças e doações que, em alguns estados, pode chegar a taxas de até 8%. A ABCR lutou, junto a outras entidades, pela isenção deste imposto para as OSCs, argumentando que taxar doações desestimula a filantropia, uma prática que deveria ser incentivada pelo Estado brasileiro. “Não se taxa a filantropia, não se taxa o bem, a gente acredita, ao contrário, o Brasil deveria incentivar muito mais a doação.”
Recentemente, avanços significativos foram alcançados com a reforma tributária aprovada no Congresso. A nova legislação prevê a eliminação do ITCMD para organizações civis, um movimento que a ABCR entende como uma vitória para o setor. Contudo, a aplicação efetiva dessa mudança depende ainda de regulamentação.
Renata Lima apontou para impostos comumente pagos de forma indevida por organizações do terceiro setor, como o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), destacando a importância do conhecimento fiscal para evitar tais perdas. Ela reforçou a necessidade de exercer o direito constitucional de questionar essas cobranças diretamente via judiciário, sem necessidade de passar primeiro pelas vias administrativas.
A Lei complementar nº 187 de dezembro de 2021, que trata da certificação das entidades beneficentes e regula os procedimentos referentes à imunidade de contribuições à seguridade social (prevista pelo artigo 195, parágrafo 7º da Constituição Federal) foi outro ponto de sua apresentação. Renata alertou que a lei possui pontos de inconstitucionalidade que ainda precisam ser debatidos, mas reconheceu a importância da Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social (CEBAS) na estruturação legal das OSCs.
Renata também discutiu a complexidade da contabilidade para organizações do terceiro setor, sublinhando que uma contabilidade especializada é importante para atender às exigências do CEBAS e para a promoção efetiva das atividades das organizações. “Se você não tiver uma contabilidade especializada em terceiro setor, não queira reivindicar a CEBAS,” aconselhou Renata, ressaltando a importância de uma abordagem proativa e informada para a gestão fiscal no terceiro setor.
Claudia Gregi destacou a importância do reconhecimento dos benefícios fiscais não apenas como direitos, mas como ferramentas práticas de financiamento para as instituições. “Esses benefícios são direito de vocês, que estão prestando o serviço que o poder público deveria estar prestando. Vocês não estão fazendo nenhum favor, vocês são parte importante de todo o processo de políticas públicas”.
Ela explicou que as entidades filantrópicas podem se beneficiar de isenções fiscais no PIS (Programa de Integração Social) e no INSS patronal, ambas incidentes sobre a folha de pagamento. Essas isenções reduzem os encargos tributários, possibilitando a realocação de mais recursos para atividades sociais. Além disso, se houver pagamentos indevidos desses tributos no passado, as entidades podem pleitear a restituição desses valores Contudo, para aproveitar esses benefícios, é necessário atender a determinados requisitos legais, como ter a CEBAS. Ela encorajou as organizações a verem a certificação não como um custo, mas como um investimento.
Para Ricardo Monello, a primeira grande estratégia de captação de recursos para OSCs deve ser a economia gerada pela não incidência de tributos. “A primeira grande captação é não gastar”, afirmou ele, ressaltando que a economia de impostos deve ser vista como uma forma direta de geração de receitas.
Ele também disse que muitas OSCs não estão cientes de seu próprio enquadramento tributário, o que pode limitar sua capacidade de aproveitar esses benefícios. “A primeira lição de casa é saber se a sua entidade está no campo da imunidade ou no campo da isenção,” afirmou Monello. Esse conhecimento impacta diretamente a gestão financeira.
Ricardo mencionou a importância da contabilidade e da governança tributária adequadas. Ele insistiu que as OSCs devem manter uma gestão contábil precisa para atender às exigências fiscais e demonstrar a aplicação correta dos recursos, o que é essencial para manter os benefícios fiscais. “Seja entidade imune ou seja entidade isenta, nós precisamos ter um posicionamento contábil melhor para as nossas instituições,” afirmou.
Finalizando sua participação, Monello reforçou a necessidade de educação continuada e treinamento para as OSCs, enfatizando que a complexidade do regime tributário brasileiro exige uma atualização constante e um entendimento profundo das mudanças legislativas que podem afetar diretamente o setor. Ele deixou claro que a sustentabilidade das OSCs passa necessariamente por uma gestão tributária eficiente e por uma compreensão clara dos direitos e das obrigações fiscais das entidades.
Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas