De acordo com a definição do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), governança corporativa é “o sistema pelo qual empresas e organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios e conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas”. Embora seja bastante associada ao universo corporativo, a governança também está presente no Terceiro Setor, pois as entidades sociais precisam se estruturar internamente para obter e gerenciar recursos e, assim, executar seu trabalho. Por isso, há uma correlação direta entre governança e captação de recursos.
Boas práticas de governança envolvem um planejamento condizente com a realidade da organização. “Gosto de pensar em uma governança possível porque boa parte do que a gente vê são questões conceituais, mas, muitas vezes, são conceitos pensados para organizações grandes. Organizações pequenas estão muito voltadas a pensar em como pagar o aluguel do próximo mês e em como arcar com a folha de pagamento. Estão dedicadas ao operacional e a fazer o que tem que ser feito quase de forma obrigatória. Muitas vezes, não sobra tempo para pensar em questões estratégicas.
A primeira coisa que é importante pensar, em termos de governança e sua implicação na captação de recursos, é de qual organização estamos falando. É preciso ter noção do contexto da organização. Quando falamos de governança, temos que pensar em como ela será descrita no estatuto social. No estatuto social, a governança se materializa”, observa a advogada e empreendedora social Bianca Monteiro.
Para realizar uma estrutura de governança real, responsável e que auxilie a captação de recursos de forma estratégica, é preciso ter clareza sobre a instituição e quem são as pessoas que podem atuar concretamente na sua estrutura. Isso é feito quando se olha para o presente, mas também se vislumbra o futuro.
“Diante do cenário do que ocorreu nos últimos dois anos, certamente esse ano foi muito desafiador para a maior parte das organizações e muitas estão tendo que se readequar. Quando damos um passo para trás na captação, é importante pensar em governança porque a captação só irá acontecer com uma organização estruturada internamente que irá reverberar externamente. Muitas vezes, é um equívoco achar que o problema é dinheiro. As organizações demandam fontes de recursos para a manutenção dessas finalidades, sempre serão necessárias pessoas com papel de governo, de comando e direção para fazer com que tudo aconteça. Pensar nessas pessoas de maneira estratégica faz diferença no curto, médio e longo prazo”, salienta Bianca.
1 – Faça um Diagnóstico do estatuto social
Representar visualmente o estatuto social de uma instituição, seja através de um organograma ou de outro meio, possibilita a identificação das pessoas responsáveis pelos cargos apontados no documento. Pode ser algo simples; o objetivo é visualizar o que está descrito no documento. A partir do momento em que há uma estrutura, as pessoas responsáveis pelo comando da ONG irão direcionar a captação. Se o estatuto prevê 15 pessoas na organização, mas, na prática, há apenas uma, significa que o planejamento não funciona.
O estatuto não é um documento para ser engavetado, mas de natureza jurídica-administrativa. “Precisamos aceitar a realidade para transformá-la, não dá para trabalharmos com suposições baseadas em sonhos. Transformamos os sonhos em metas com um plano de ação para nos levar do ponto A para o ponto B”, acrescenta Bianca. Se as pessoas são essenciais para a governança, mas não estão mobilizadas ou a organização não soube conduzir esse relacionamento, deve ser feita uma readequação do estatuto.
Dessa maneira, as competências técnicas e comportamentais necessárias dos colaboradores serão compatíveis ao cargo. Em alguns casos, dá para elaborar planos de desenvolvimento individuais para que o colaborador neutralize pontos fracos e potencialize os pontos fortes. O estatuto pode ser perfeito, mas não é viável se as pessoas responsáveis pela governança não tiverem compatibilidade com os perfis exigidos por cada função. Por exemplo: uma função que demanda a representação oficial da instituição e participação em reuniões não pode ser delegada a uma pessoa com dificuldade de oratória ou sem poder de síntese.
2 – Preste atenção nos conselhos
Os conselhos da organização precisam funcionar e, caso não sejam satisfatórios, deve-se pensar em como melhorá-los. Ter um conselho fiscal não é obrigatório, mas é interessante para as instituições. É preciso elaborá-lo com profissionalismo e colocar pessoas com conhecimento na área para antecipar e solucionar problemas em vez de familiares e pessoas amadoras.
3 – Cultive a cultura organizacional
Um processo de estruturação ou reestruturação de uma organização inspira outras pessoas que se sentem motivadas a seguir o mesmo exemplo. Não é possível exigir que a equipe seja de determinada forma se a governança age de modo diferente. Deve-se criar uma cultura interna que irá reverberar externamente para ajudar a captar recursos.
4 – Faça um plano de remuneração
Por mais que o Terceiro Setor tenha empecilhos no quesito financeiro, há a necessidade de fazer um planejamento de remuneração para todos os envolvidos na instituição. “Esse aspecto é difícil porque ainda estamos superando o paradigma da filantropia, da caridade e do sentido assistencialista. Antes, havia pessoas que dedicavam parte do seu tempo de forma gratuita e tinham outras profissões. Isso ainda acontece, mas, cada vez mais, há pessoas que vivem do trabalho dentro das organizações. Elas são remuneradas por sua dedicação exclusiva àquela causa. Essa é uma transição histórica, as pessoas estão entendendo que uma parte do que doam é para pagar os profissionais na atividade. A partir do momento em que faço um desenho de uma governança, é preciso entender o vínculo que as pessoas têm com a organização, a forma de contratação e suas funções. Isso vai impactar na captação de recursos”, explica Bianca.
5 – Invista na formação e renovação de colaboradores
Não é incomum que as organizações sejam de origem familiar ou surjam a partir de sonhos e tenham equipes reduzidas, mas elas também devem pensar em formação e renovação interna. Há muitos casos de pessoas que não entendem as responsabilidades envolvidas nesse processo e despreparo para a renovação nos quadros. É preciso pensar na formação de novos quadros de profissionais para a renovação e para a substituição de pessoas caso seja necessário.
As dicas da Bianca foram compartilhadas durante o Encontro de Comunicação e Captação de Recursos 2022, realizado pela ABCR com a Escola Aberta do Terceiro Setor e a Rede Filantropia. Se você perdeu, mas quer ver o conteúdo desta e outras palestras na íntegra, ainda pode fazer VIP e ter acesso às gravações.
Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas