A pesquisa Doação Brasil, lançada pelo IDIS em junho e bastante comentada pelos profissionais do terceiro setor, mais especialmente os captadores de recursos, traz muita informação interessante. O que chama muita atenção é o volume do dinheiro que se doa no Brasil por ano pelo conjunto dos brasileiros. São 13,7 bilhões de Reais. Os números que se trabalhava antes eram entre 5 a 10 bilhões. Portanto esses 13,7 Bi foram uma saborosa surpresa para o setor.
Mas nem só de Reais se trata a pesquisa. Descobrimos algo muito curioso: o brasileiro doa, mas não conta pra ninguém. Não se sente bem, acha que não é pra ficar espalhando. Alguns, mais religiosos, pelo visto seguem a máxima que está em Mateus, 6:3 “Quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita.”
E como ficamos nós, que queríamos ampliar a cultura de doação no Brasil? Descobrimos que metade dos brasileiros doam. Muito mais do que a melhor das expectativas. Estimular de que forma? Para quem, se a cada 2 pessoas, uma já é doadora? Sim, esse é um problema bom, mas é um problema. Ele fica mais agravado se o que vemos é que os não doadores não gostam de gente que comenta sobre suas doações. 82% acham que não se deve falar sobre o doar. Mas o que mais impressiona é que entre os doadores o número é ainda maior: 87% deles acham que não se deve falar sobre as doações que fazem.
O assunto da Pesquisa do Doador Brasileiro será tema por muitos meses, esperamos esmiuçar os dados para entendermos melhor o brasileiro, mas o objetivo deste artigo é debater e propor algumas estratégias que possam ser usadas a partir desse particular contexto: somos doadores, queremos ampliar não só o volume de doações como o número de doadores, mas o nosso público alvo é discreto e provavelmente bem receoso a mudar sua postura sobre doações.
As suposições que faremos aqui são pura especulação. Não estou lidando com a técnica nem com uma ciência. É a mera vontade de termos mais doadores e mais doações. Uma coisa é clara: se somos mais da metade dos brasileiros doadores, é fácil imaginar que bastaria com cada um de nós, doadores, convencermos um não doador e pronto. Dobramos o número de doadores e também aumentamos as doações. Mas sabemos que não é assim, a pesquisa gerou um número tão concreto e suntuoso, que é difícil evitá-lo. Ele se impõe na nossa frente: 87% dos doadores acham que as pessoas devem doar de modo desinteressado, sem esperar nada em troca e sem divulgar.
Se formos observar as motivações dos doadores, quando são respostas espontâneas, a mais frequente é a solidariedade a quem necessita. O que não deixa de ser uma resposta muito nobre, socialmente correta. Já quando estimulado a responder um conjunto de frases pré-definidas, a que mais pontua é Doo porque me faz bem.
Acho que isso mostra que chegamos a uma situação interessante. As pessoas doam, ótimo. Doam para apoiar os mais necessitados. Ótimo. Mas no fundo, em seu íntimo, doam porque isso faz bem a elas. E talvez (não pretendo aqui ser um cientista do assunto, mas simplesmente dialogar com algumas teses), talvez essas duas situações gerem uma dicotomia confusa: doo, mas os outros não podem saber, e doo e isso me dá prazer.
Ou seja, mais uma vez tudo isso soa a religião, ao pecado, ao proibido. Tudo aquilo que se faz escondido, porque não se deve, porque o prazer não é permitido. Ou seja, há uma confusão de mensagens aí, que precisamos esclarecer. Doar não é pecado, oras! Mas está na mente do doador quase como se fosse! Não pode dizer que fez, não pode dizer que sente prazer em fazer, não pode isso, não pode aquilo. Criou-se um conjunto de atitudes que só nos confundiram esses anos.
Se não, vejamos: A própria descoberta de que somos mais da metade dos doadores, um número superior a muitos países desenvolvidos, e que doamos 13,7 bilhões, algo bem acima do que o mais otimista dos profissionais (eu) previam. Tudo isso aconteceu por que? Porque quando falávamos sobre a cultura da doação, ninguém assumia que doava!
Em minhas aulas pelo Brasil, eu sempre colocava um slide sobre cultura de doação e perguntava para as pessoas se achavam que o brasileiro doava muito ou pouco. E com isso discutíamos sobre doar. Na verdade raramente perguntei diretamente pras pessoas se elas doavam, que é o que vou fazer a partir de agora! Tudo leva a crer que estatisticamente falando, teremos em média metade das minhas aulas com doadores e a outra com não doadores.
Mas aí corremos o risco de que vários doadores se negarão a dizer que doam, já que, segundo Mateus, blablabla. E eu terei então que colocá-los em uma encruzilhada: ou vocês mentem de que não doam e com isso terão o fogo do inferno, ou simplesmente digam que doaram e assim estimularão outros a doar.
Ok, não preciso falar sobre o fogo do inferno.
Pois então é isso: Teremos que criar campanhas que façam o doador se sentir bem, que ele possa assumir que doar lhe dá prazer. Isso deve estimular outros não doadores a fazer o mesmo. É isso, temos que fazer o doador sair do armário. Mas isso é o tema do próximo artigo.