No segundo dia do Encontro de Comunicação e Captação de Recursos, promovido pela ABCR em parceria com Instituto Filantropia e Escola Aberta do Terceiro Setor, especialistas discutiram como ONGs podem usar parcerias com influenciadores para ampliar o alcance de suas causas. Durante o painel, Giovanna Fiori, representante da ABCR e fundadora do projeto Deixe Vivo, e Julia Santos, especialista em influência do Greenpeace Brasil, compartilharam as práticas adotadas em suas experiências.
Giovanna abriu o encontro com uma reflexão sobre o papel dos influenciadores no fortalecimento de causas sociais e ambientais. Ela, além de atuar como coordenadora de relacionamento da ABCR, é influenciadora e defensora da doação de órgãos após sua própria experiência como transplantada. “Para mim, a causa tocou o coração de uma forma que vai muito além de números de seguidores. Influenciadores têm esse poder de engajar porque realmente acreditam naquilo que defendem”, afirmou.
Julia compartilhou que o Greenpeace começou a intensificar o trabalho com influenciadores em 2017, após perceber que precisava de uma atuação mais estratégica e constante. O foco inicial era envolver celebridades em eventos específicos e ações de rua, mas, ao longo do tempo, o Greenpeace ampliou a base para incluir perfis diversificados, tanto em popularidade quanto em alcance. “A partir de 2017, entendemos que precisávamos olhar para influenciadores como parceiros reais, com foco em furar bolhas e levar a causa socioambiental para mais pessoas”, explicou.
Hoje, a organização conta com uma equipe dedicada a manter esses relacionamentos e identificar novas oportunidades de engajamento, tanto em nível nacional quanto internacional. “O objetivo é que os influenciadores se tornem defensores da causa e se engajem de forma genuína, atraindo também novos ativistas e apoiadores para o Greenpeace”, disse Julia. Ela explicou que o processo de seleção dos parceiros leva em consideração dois pilares centrais: a diversidade de perfis e o potencial de engajamento do influenciador com a causa socioambiental. Além disso, as parcerias são adaptadas ao perfil do parceiro, que é convidado a participar ativamente da construção do conteúdo. “A gente só faz roteiro fechado se a pessoa pede; a maioria das vezes é uma troca,” acrescentou.
Um dos pontos enfatizados foi o esforço do Greenpeace em diversificar os perfis de influenciadores, incluindo micro e macroinfluenciadores. Segundo Julia, essa mistura ajuda a alcançar diferentes públicos e necessidades da organização. “Cada tipo de influenciador tem sua importância. Microinfluenciadores, com até 100 mil seguidores, têm um engajamento mais profundo, enquanto perfis maiores nos ajudam a atingir um público amplo. É importante ter essa diversidade para maximizar o impacto das campanhas”, destacou.
Giovanna, que possui um perfil com cerca de 13 mil seguidores, ressaltou o valor dos microinfluenciadores: “Hoje entendemos que o que importa é o engajamento. Não são sempre os maiores perfis que trazem os melhores resultados”, disse, apoiando a estratégia da organização de cultivar parcerias diversificadas. Ela acrescentou ainda que, especialmente no Terceiro Setor, o que conta é o envolvimento real do influenciador com a causa, que vai além de uma troca financeira. “Muitas vezes, temos orçamentos limitados, então é essencial que os influenciadores tenham interesse genuíno na causa”, completou.
Julia explicou que, antes de formalizar uma parceria, o Greenpeace define uma estratégia detalhada. “Antes de tirarmos qualquer projeto do papel, analisamos qual audiência queremos alcançar e que ações desejamos estimular”, contou. Esse planejamento inclui a escolha dos melhores formatos de comunicação e uma rigorosa validação de informações para evitar a disseminação de fake news.
O Greenpeace tem também uma “régua de relacionamento” para manter os influenciadores sempre envolvidos, mesmo após a finalização de uma campanha específica. Esse trabalho busca transformar os parceiros em defensores da causa. “Às vezes, a pessoa já entra como defensora e, em outros casos, vai se aproximando aos poucos. A ideia é que o relacionamento com a organização seja contínuo, e não uma ação isolada”, explicou Julia.
Giovanna compartilhou sua própria experiência de seleção criteriosa das campanhas com as quais se associa, apontando que, apesar de haver oportunidades remuneradas, ela sempre escolhe as que se alinham com seus valores. “É importante manter essa integridade, porque, no fim das contas, não adianta aceitar algo só pela remuneração, se não é uma causa com a qual você se identifica. Influenciadores que trabalham assim não trazem um resultado autêntico”, afirmou.
Outro desafio destacado foi a interação com agências de influenciadores e agentes de celebridades. Julia revelou que, muitas vezes, as agências de representação não compreendem as especificidades do trabalho com organizações, dificultando a aproximação. “Às vezes, quero fazer um vídeo com um influenciador, e a agência responde com um pacote fechado de posts a um valor alto, sem entender que é uma ONG, e não uma empresa. Mas, felizmente, algumas agências já entenderam e facilitam essas conexões”, explicou. Essa falta de entendimento ainda se estende aos próprios influenciadores e seus agentes, que muitas vezes subestimam o impacto das parcerias com organizações, especialmente quando são pró-bono.
Para contornar esses desafios, Julia mencionou a importância da transparência e do planejamento antecipado. “Buscamos ser muito claros sobre nossas intenções, inclusive apresentando métricas para medir o sucesso das parcerias e explicando a diferença entre uma colaboração com uma ONG e uma parceria comercial”, destacou.
Ao longo dos anos, o Greenpeace tem explorado diferentes estratégias para maximizar o impacto das parcerias. Isso inclui o lançamento de documentários, ações de rua e parcerias com clubes de futebol para ampliar o alcance de suas campanhas. Além disso, Julia mencionou o trabalho em eventos climáticos extremos, como secas e enchentes, quando mobiliza influenciadores para falar sobre as causas e incentivar doações.
Uma das campanhas que mais chamou a atenção foi a tentativa de lançamento de um jogo chamado “Save Amazonia” no Minecraft, uma adaptação voltada à educação ambiental, que acabou sendo cancelada por questões técnicas com a plataforma de jogos. Mesmo com o contratempo, Julia reforçou a importância de continuar testando e se adaptando: “A prática mostra que, às vezes, as coisas não vão dar certo, mas isso faz parte do processo. É importante seguir em frente e aprender com esses desafios.”
Julia encerrou com conselhos para organizações que desejam adotar práticas similares. Segundo ela, o segredo para construir parcerias duradouras com influenciadores está na autenticidade e na escuta ativa. “A experiência de troca é fundamental. Desde o convite inicial até o desenvolvimento da campanha, escutamos o influenciador e respeitamos seu processo criativo”, afirmou.
Giovanna complementou, incentivando as organizações a buscarem influenciadores que se identifiquem com a causa, mesmo que o alcance inicial pareça menor. “Ao invés de focar em grandes investimentos, procure pessoas que realmente compartilhem dos valores da sua ONG. Com o tempo, esses parceiros vão se tornar defensores autênticos da causa, o que é mais valioso do que qualquer patrocínio temporário”, finalizou.
Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas.