A colaboração entre empresas e organizações da sociedade civil pode ser muito promissora, mas as instituições precisam ficar muito atentas para não saírem perdendo nesse relacionamento. O alerta é de Vanessa Teramoto, coordenadora de desenvolvimento, retenção e relacionamento com doadores no Comitê Internacional da Cruz Vermelha e conselheira na Habitat para a Humanidade Brasil. Se, por um lado, as organizações são naturalmente engajadas em causas humanitárias; por outro, as empresas buscam oportunidades que lhes tragam benefícios tangíveis.
“As empresas têm um modus operandi de relações capitalistas, mesmo que isso seja pautado pela área de responsabilidade social e pela sustentabilidade. O que importa para a empresa é a rentabilidade, o grande ponto de atenção nessas relações é que as organizações não se tornem uma facilitadora da vida das empresas voltando toda sua expertise de trabalho social para solucionar problemas que as companhias criam. Esse é um ponto bastante crítico porque torna as organizações frágeis. As instituições precisam ter muita clareza sobre quem são e sua razão de ser para fazer essa interface”, analisa Vanessa.
Doações, voluntariado corporativo, projetos realizados em parceria, marketing relacionado à causa e prestação de serviços são algumas possibilidades de relacionamento entre OSC e o universo corporativo. Há vantagens tanto para as organizações como para as empresas. O Terceiro Setor possui conhecimentos em áreas normalmente desconhecidas pelo setor corporativo, como desenvolvimento social e questões ambientais. Já as empresas são cada vez mais pressionadas a adotar medidas sustentáveis e de responsabilidade social, mas nem sempre sabem como fazer isso.
As habilidades e recursos do Terceiro Setor e das empresas são complementares. Enquanto as organizações se beneficiam com o aumento da visibilidade, das ferramentas técnicas, da captação de recursos e do seu impacto, as empresas ganham experiência no setor social, se destacam das concorrentes, fortalecem sua imagem e despertam mais empatia dos consumidores, além de melhorem indicadores socioambientais como da Agenda ESG e terem isenção fiscal.
O primeiro passo para tornar essa relação bem-sucedida é a preparação dos captadores de recursos, que precisam ter ciência da potência da organização e montar uma estratégia de captação focada em possíveis parceiros empresariais. Nem todos irão se interessar pelo trabalho da organização, por isso, é necessário pesquisar muito bem a missão das empresas, seus valores e iniciativas sociais anteriores para que a atuação das entidades esteja alinhada com todos esses aspectos.
“As organizações precisam ter uma política muito clara de com quem vão se relacionar, ter uma política de parcerias é importante. Por exemplo: seria incoerente uma ONG que trabalha na Amazônia se relacionar com uma empresa que trabalha com energias fósseis”, afirma Joanna Calazans, gerente de novas estratégias na Aldeias Infantis SOS.
Segundo Joanna, nem sempre os captadores de recursos possuem habilidades para prospectar empresas e expor os benefícios de uma parceria com o setor de impacto.
“Uma pessoa que trabalha com empresas precisa ter objetividade e capacidade de síntese, uma sensibilidade social e estar muito engajada, não pode ser prolixa. Na maioria das vezes você precisa saber fazer um pitch de cinco minutos, ter habilidade de negociação e saber o limite de até onde a organização vai e o que está disposta a entregar, uma visão empreendedora porque muitas organizações fazem coisas muito bacanas, mas as equipes não veem oportunidades de negócios naquilo. O captador tem que ter a capacidade de transformar o que a organização faz em serviços e projetos e mostrar algo de valor para aquele possível parceiro”, acrescenta.
Vanessa aconselha que a estratégia de captação não busque recursos da área de responsabilidade social das corporações, que são rapidamente impactadas por reduções de investimento: “As grandes empresas já têm esse recurso financeiro bastante fechado, não acho que a organização tem que se adaptar a esses contornos já estabelecidos pela área de responsabilidade social. É um risco muito alto, imediatamente podem vir recursos financeiros, mas gerar implicações muito delicadas pras organizações. O captador deve ter uma proposta de apresentação muito clara e saber ao que a organização não se adapta, ter argumentos para as negativas e de convencimento para receber o recurso”.
Destacar os benefícios do relacionamento com o Terceiro Setor é primordial para conquistar o universo corporativo. Esse passo envolve desde mostrar o alinhamento das entidades sociais com a iniciativa privada e como a parceria pode trazer retorno financeiro à utilização de indicadores referentes aos resultados do trabalho de impacto social.
Vanessa destaca que é extremamente importante ter indicadores relacionados ao mundo corporativo para sustentar a argumentação. Uma possibilidade é correlacionar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) com as atividades das ONGs, trazendo sinergia entre os objetivos do setor e da iniciativa privada.
Outra dica é buscar soluções abrangentes para setores específicos a fim de que a organização atinja mais corporações. Um caso que pode ser enquadrado nessa categoria é o selo Empresa Amiga da Criança, criado em 1995 pela Fundação Abrinq para estimular o comprometimento do setor empresarial com a prevenção e o combate à mão de obra infantil e com ações de responsabilidade social focadas na infância e adolescência.
Inspirada pelo selo concedido pela Fundação Abrinq, Vanessa trabalhou para ampliar o impacto do Programa Na mão certa, da Childhood Brasil, cujo principal objetivo é promover uma união de esforços para acabar com a exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias do país. A iniciativa congrega empresas e entidades empresariais no Pacto Empresarial Contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes nas Rodovias Brasileiras e disponibiliza materiais educativos para o enfrentamento da questão.
Por meio de um esforço conjunto da Childhood Brasil, que investiu em realização de conferências com empresas, estudos, discussões e materiais educativos para que o setor compreendesse o problema e estruturação de serviços e produtos oferecidos pela organização, o programa obteve mais recursos privados.
Um dos principais erros que as organizações podem cometer é só procurar empresas quando precisam suprir alguma necessidade. Tratar parceiros dessa forma é inadequado, as empresas são formadas por pessoas e é necessário criar uma estratégia de relacionamento contínua e genuína, que ultrapasse o fator transacional.
A transparência e a prestação de contas alimentam essa relação, as organizações devem atualizar as corporações sempre, com informações sobre a utilização de recursos, andamento e resultados dos projetos.
Outra questão que prejudica muito as organizações é tentar se adequar a todas as necessidades das corporações e esquecer prioridades internas, o que gera um custo muito alto, pois desvia a instituição de seu propósito.
“Às vezes, as organizações acabam abrindo mão do que são por demanda das empresas, muitas têm medo de se colocar quando a empresa demanda algo fora do seu escopo ou que não é possível. Temos que dizer não para não nos comprometermos com algo que não está alinhado ao nosso propósito e a nossa causa. Não dá para ceder à pressão e não estabelecer limites”, aponta Joanna.
Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas