Em tempos de Lava Jato, queremos mais transparência. Isso é um fato. Aí estão os doadores de campanha, caixa 2, doações não contabilizadas e todo o novo repertório político-carcerário que nos habituamos a acompanhar no notíciário.
Mas vamos falar de outros doadores hoje? Os bons! Porque sim, existem os bons. Aliás, a sujeira que está sendo desvendada acaba fazendo sombra no real valor do ato de doar. Difícil falar de uma cultura de doação em tempos tão sombrios na política partidária. Mas falemos, mesmo assim. Por insistência, teimosia, pra que se possa falar de coisas boas, como é o ato de doar.
No ano passado uma pesquisa inédita, realizada pelo IDIS e Gallup, esquadrinhou o perfil do doador brasileiro. Aquele que doa para causas, para ONGs, para associações comunitárias. Muitos dados surgiram daí e já escrevi alguns artigos a respeito. Entre os dados que mais me supreenderam está a cifra: 13,6 bilhões de reais são doados anualmente no Brasil por pessoas como eu ou você. Algumas vezes mais do que todas as empresas juntas doam. Pessoas comuns, somadas, estão mudando o país em pequenos atos, pequenas doses.
Outro dado surpreendente é que mais da metade dos brasileiros doa regularmente. Ou seja, não é só aquele impulso de doar, gerado por um Teleton ou Criança Esperança. Nem por aquele pedido choroso da criança na televisão, no site ou na voz da moça do telemarketing. A pessoa doa consciente, todo mês. Quase 100 milhões de brasileiros. Olhe ao redor agora. Se você está em um lugar público (eu estou neste momento em um aeroporto), metade dos que você vê doa para alguma causa. Incrível não?
E você deve estar se perguntando, como eu me perguntei assim que vi os resultados: Mas como assim? Quer dizer que brasileiro doa? Doa mais que as empresas? Doa regularmente? Sim, sim e sim. Mas não sabíamos. Porque o doador brasileiro é discreto. Talvez por uma culpa cristã, uma vergonha de falar sobre o ato. Aquilo de Matheus na bíblia. Que uma mão não saiba o que a outra fez ou algo assim. Outra explicação provável é vergonha mesmo. Não ter coragem de assumir publicamente que apoia aquela casa que cuida de crianças com câncer e que ligam todo mês pra fazer novo pedido.
A pesquisa trouxe um dado que me chamou muito a atenção: Quando perguntado sobre porque doa, o doador podendo escolher várias opções, coloca também que doa porque isso faz bem a ele, doador. Esse mesmo doador diz, em outra questão, que não se deve divulgar a doação. Ou seja: ele sente prazer mas não acha que deve dizer a ninguém. Tipo masturbação. Tipo assumir homosexualidade.
Sai do armário, doador! Se é bom, se sente prazer, qual o problema de dizer pros outros? É um egoísmo? Só você pode sentir esse prazer? Ou é um prazer pecador? Como pode ser, se se trata de fazer o bem, doador? Sai do armário! Ajude-nos a conseguir mais doadores, precisamos de milhões e milhões de doadores pra curar o mundo, pra acabar com a pobreza, pra investir em soluções sociais. Orgulhe-se, doador! Assuma seu ato, você é nosso herói, queremos te aplaudir, reconhecer seu ato e multiplicá-lo!
Porque você publica no face quando comprou uma coisa numa loja mas não comenta que doou pro Aldeias Infantis? Você gosta de mostrar teu lado consumista mas tem vergonha de mostrar seu lado cidadão e solidário? Sai do armário, doador!
Porque você pede pra que amigos doem agasalhos mas não fala pra ninguem que hoje doou sangue logo cedo? Isso de pedir pode, mas se orgulhar do que fez não pode? Sai do armário! Fala pra todo mundo que doou sangue, que isso te faz bem, estimule seus amigos a fazer o mesmo, espalhe o exemplo, crie uma mensagem virtuosa!
Ah, mas você não é doador? Você é aquela metade de brasileiros que não doa regularmente? Ok, não se sinta culpado, você não recebeu estímulos suficientes, por culpa dos seus amigos e familiares, todos ainda dentro do armário, envergonhados de fazer o bem. Chame-os pra fora, converse com eles. Diga que são pessoas normais, que não precisam se envergonhar, já alcançaram a metade do país. E aproveite, potencial doador, e pergunte como fazer pra doar, pra quem doar, o que te recomendam.
Ao sairem do armário, os doadores passarão a comentar com os amigos pra qual organização doam, há quanto tempo fazem isso, o que sabem, o que falta saber. Deixará de ser um assunto tabú, passará a ser conversa de bar. Uns contando aos outros o que conhecem sobre organizações no bairro. Alguns começarão a visitá-las, outros passarão a falar mais a respeito no Facebook. Tudo muito virtuoso.
Sai do armário, doador. A gente te ama.
Marcelo Estraviz, escritor, empreendedor, palestrante, ativista. Fundador e ex-presidente da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) e da associação de ex-alunos do Colégio Miguel de Cervantes; conselheiro do Greenpeace, do Instituto Filantropia, do Cidade Democrática e do Engajamundo. Autor dos livros “Captação de diferentes recursos para organizações da sociedade civil” e “Um dia de captador“. Acaba de lançar o livro “Pause“, sobre suas experiências com períodos sabáticos. É Empreendedor Cívico da RAPS, Rede de Ação Política pela Sustentabilidade e Presidente do Instituto Doar