Nesta semana foi lançado um novo estudo sobre as práticas de escuta das organizações financiadoras de projetos sociais no Brasil, analisando de forma qualitativa como essas entidades interagem com as comunidades e as pessoas diretamente impactadas pelos serviços filantrópicos.
Intitulado “Como organizações financiadoras de projetos sociais no Brasil escutam: uma análise qualitativa”, o estudo foi baseado em entrevistas com 12 organizações finalizadoras, incluindo empresas, institutos, fundações e fundos filantrópicos independentes e empresariais, e é fruto do trabalho de pesquisa de Luísa Bonin, comunicadora social que vivem Berlim, na Alemanha, onde trabalhou como pesquisadora convidada na Mecenata Foundation Berlim em 2022, com o apoio da Alexander von Humboldt Foundation.
A pesquisa revela que as organizações financiadoras priorizam a escuta para aumentar seu impacto e compreender melhor os problemas sociais. A fase de formulação da estratégia é o momento mais concentrado para as práticas de escuta, indicando uma ênfase na compreensão das necessidades e prioridades das comunidades atendidas. Além disso, as organizações sociais apoiadas e as pessoas diretamente impactadas pelos serviços filantrópicos são as mais ouvidas, destacando a importância de envolver os beneficiários finais no processo de tomada de decisão.
Feedback
No entanto, apesar da importância atribuída à escuta, apenas 33% das organizações entrevistadas disponibilizam espaço institucionalizado para receber feedback. Isso levanta preocupações sobre a qualidade e transparência das práticas de escuta, especialmente na fase de informar de volta, em que muitas organizações enfrentam dificuldades em comunicar os resultados e limitações das ações tomadas.
“A metodologia de feedback na filantropia afirma que a fase de informar de volta (“report back”) é uma parte essencial do processo de escuta, também conhecida como a fase de “fechamento do ciclo”. Comunicar-se com e informar de volta àqueles que deram suas vozes não significa necessariamente que as organizações financiadoras precisam comunicar apenas os aspectos positivos das medidas tomadas após a escuta”, indica o estudo. “Segundo a metodologia, a organização ainda deve fechar o ciclo, ao comunicar as limitações e compartilhando o que é e o que não é possível fazer a partir da escuta e entendimento desses dados. Segundo a metodologia, esse fechamento de ciclo realizado com o processo de informar de volta cultiva confiança nas relações, e as pessoas que ofereceram feedback sabem que suas vozes foram ouvidas”, continua.
Desequilíbrio de poder
Discussões internas sobre o desequilíbrio de poder nas relações surgem como uma questão subjacente, revelando uma dinâmica muitas vezes não explicitada. Dos entrevistados, 25% afirmaram ter essas conversas abertamente, enquanto 58% admitiram abordá-las, mas de forma não tão franca. Algumas organizações destacaram a dificuldade de discutir o desequilíbrio de poder com a diretoria ou conselho, evidenciando uma lacuna na comunicação interna.
Quanto às ações para mitigar esse desequilíbrio, 58% das organizações afirmaram possuir estratégias específicas, embora 17% tenham identificado tais medidas apenas após exemplos fornecidos pela autora do estudo
Habilidades necessárias para a prática de escuta
O estudo também destacou as habilidades fundamentais necessárias para a prática de escuta ativa. A “Mentalidade de crescimento” e a “Comunicação” foram habilidades mais frequentemente mencionadas, evidenciando a importância de um ambiente propício ao aprendizado e à troca de ideias.
Contudo, os desafios enfrentados nesse processo revelaram diversas camadas, desde restrições práticas até questões mais profundas e arraigadas. Nos níveis mais profundos, destacam-se questões como a pressão por resultados quantitativos, que pode minar conversas qualitativas, além de questões estruturais como clientelismo, falta de profissionalização e divergências no entendimento do tempo necessário para resultados efetivos.
Desafios e recomendações
O estudo também destacou algumas descobertas e recomendações importantes para melhorar as práticas de escuta das organizações financiadoras. Por exemplo, foi observado que a escuta intensifica-se principalmente durante as fases de formulação de estratégia, implementação e avaliação dos projetos. Recomenda-se, portanto, priorizar ainda mais a escuta durante a implementação, garantindo que as informações coletadas sejam consideradas para possíveis alterações no decorrer do projeto, e não apenas ao seu término.
Outra recomendação é criar espaços institucionalizados seguros para feedback, permitindo que as organizações expressem livremente suas experiências, ao mesmo tempo em que são implementadas medidas para mitigar os desequilíbrios de poder que podem existir nessa relação.
Recomenda-se também a implementação de treinamentos em grupo e individuais para aprimorar as habilidades da equipe, incluindo comunicação, autoconsciência e mentalidade de crescimento.
Profissionais da captação de recursos podem usar os achados da pesquisa para trabalhar a escuta e a transparência nas interações com potenciais financiadores, além de cultivar relacionamentos autênticos e de longo prazo com as organizações financiadoras. Também é possível ajustar as estratégias de engajamento. Isso pode envolver a utilização de técnicas de escuta mais aprofundadas para entender melhor as necessidades e perspectivas dos potenciais financiadores.
Para acessar a publicação “Como organizações financiadoras de projetos sociais no Brasil escutam: uma análise”, clique aqui.
Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas