No inicio de fevereiro, logo após a prisão do empresário Eike Batista por pagar U$16 milhões em propina ao ex-governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, recebi via WhatsApp um texto da Dra. Rosa Célia, diretora do Hospital Pró-Criança Cardíaca que elencava os feitos filantrópicos de Eike e dizia surpresa por seus amigos não terem tido a “coragem” de vir a público defende-lo. Eike Batista fez uma doação de R$30 milhões em 2011 para a conclusão do hospital.
Esta estória ficou na minha cabeça e provocou as mais diversas reflexões: sobre ética, a natureza humana, e do ponto de vista profissional, a questão do risco reputacional desta ação. Para esclarecer, risco não da parte do Eike Batista, a quem a sentença virá do judiciário, mas sim da organização da sociedade civil e sua liderança, que teria sua atitude avaliada pelos seus constituintes, pelos seus usuários, pela opinião pública, pelos seus pares, e pelos seus doadores.
Se pensarmos que a grande parte da sustentabilidade financeira das organizações vem de doações, e que estas são feitas com base na confiança e na avaliação de efetividade[1] desta organização considerando sua reputação, acredito que a situação acima descrita poderia representar um risco reputacional. E por isso resolvi escrever esse artigo. O quanto você está atento a isso?
A importância da análise do risco reputacional
A definição de reputação dada pelo Michaelis é: conceito em que uma pessoa ou organização é tida, bom ou mau nome. Fama reconhecida, renome. Podemos dizer então que a reputação de uma organização é como ela é percebida, reconhecida pela sociedade, seus públicos que se relaciona, incluindo o doador.
Ter uma boa reputação é crucial para organizações sem fins lucrativos. Elas dependem de doadores e apoiadores para levar adiante seu trabalho e de ter credibilidade perante a sociedade para defender direitos e sua causa. Para algumas, é seu maior ativo.
Cabe aos dirigentes, principalmente gestores e conselheiros estar atentos o tempo todo a situações que possam trazer danos à reputação da organização. Seja na forma que conduzem o atendimento a beneficiários primando pelo respeito, qualidade e excelência, ou seja na busca por recursos, definindo critérios para estabelecer parcerias confiáveis e a legalidade das doações.
Algumas organizações explicitam em seus “Manuais de Parcerias” ou “Códigos de Ética e Conduta” que não recebem doações de determinados setores da indústrias por serem danosos ou contrários a sua causa. Cito como exemplo as organizações ambientalistas que não fazem parcerias com empresas de mineração; ou organizações que trabalham com crianças, que não recebem patrocínios de empresas do setor de bebidas e fumo. Ou ainda o Greenpeace que não recebe doações de empresas. Isso lhe confere autonomia, exclui o conflito de interesse em suas ações e fortalece seu posicionamento.
Algumas organizações com origem internacional tem procedimentos para avaliar a reputação de potenciais parceiros e rastrear a origem do dinheiro, seguindo regulamentações de combate a “lavagem de dinheiro”. Quando estava no IDIS, lembro-me que por conta da parceria institucional com a fundação inglesa CAF, não pudemos prospectar uma empresa envolvida em um escândalo de corrupção, apoiadora de projetos passados. A CAF se utilizava de sistema “investigativo” que apontava os “red flags” (tradução: bandeira vermelha) como sinal de atenção ao risco reputacional de se associar com tal empresa. Em outra ocasião, tivemos um filantropo que pretendia fazer uma grande doação com recursos de uma off-shore, como a procedência do dinheiro não pode ser verificada, a doação nunca ocorreu. Procedimentos muito rigorosos, que não só atendiam a legislação em vigor na Inglaterra mas que garantiam a reputação da fundação para administrar fundos de terceiros – no ano passado foram de 524 milhões de libras, cerca de 2,148 bilhões de reais.
Outro dia recebi um ligação do diretor presidente de uma fundação que faço parte do Conselho Curador. Ele queria saber minha opinião sobre receber a doação de uma determinada empresa. Em poucos minutos de conversa concordamos que a legalidade permitiria receber a doação, o recursos era legitimo, mas haveria um risco reputacional em fazê-lo, o que fez com que acabasse declinando da oportunidade. Relato este episódio para reforçar a importância de se ter uma estrutura de governança operante e um conselho de qualidade, com visão estratégica e diversidade de conhecimentos. Isso é a base para avaliar os riscos, e não só reputacionais, mas também das atividades da organização.
As barras morais da nossa sociedade: como seremos percebidos?
E aqui é o ponto crítico que me deixou ruminando sobre o episódio que relatei no inicio do texto: reputação é baseada na percepção do outro. E como a nossa sociedade percebe uma atitude como a acima mencionada?
Se por um lado “nunca antes na estória deste país” tivemos um combate tão grande a corrupção, com uma grande compreensão nacional deste problema e seus danos; ainda somos o país do “jeitinho brasileiro”[2] em que a informalidade nas relações e a aceitação em “flexibilizar” as normas sociais e legais ocorrem de forma generalizada e corriqueira.
Estamos em tempo de mudanças, que apesar de angustiantes nos levarão a um país e uma sociedade melhor, mais civilizada. E nós profissionais do terceiro setor precisamos fazer nossa lição de casa. Nossa barra moral tem que ser alta e nossa analise de risco criteriosa. Pense nisso. Na dúvida, fique com sua consciência.