No último dia 20 de setembro, foi realizado o webinário “Quem tem medo de influencer? Como os criadores de conteúdo podem estar a favor da mobilização de causas”, organizado pela Sociedade Viva em parceria com a ABCR e o Movimento por uma Cultura de Doação (MCD), com o apoio do Greenpeace Brasil. O evento trouxe especialistas e representantes de organizações da sociedade civil (OSCs) para discutir a crescente relevância dos influenciadores digitais na promoção de causas sociais e ambientais, além de abordar desafios e estratégias para o uso dessas parcerias no fortalecimento de mobilizações e campanhas.
O diretor executivo da ABCR, Fernando Nogueira, iniciou o evento ressaltando a importância de entender como os influenciadores digitais podem contribuir para o fortalecimento das organizações da sociedade civil. “Estamos falando de um meio relativamente novo, mas que tem ganhado espaço. Muitas organizações estão se perguntando como interagir com esse público e essa audiência”, afirmou Nogueira. Ele enfatizou que, embora o uso de influenciadores seja uma novidade, o desafio de mobilizar mais apoiadores e doadores é antigo.
Nogueira também destacou que uma das grandes preocupações da ABCR é encontrar maneiras de garantir a sustentabilidade financeira das OSCs, o que envolve não apenas a captação de recursos financeiros, mas a mobilização de apoiadores. Segundo ele, esse processo passa por dar mais visibilidade às causas e expandir a rede de influência das organizações. “Por isso nos juntamos à Sociedade Viva, com o objetivo de fortalecer o campo das OSCs e melhorar nossa comunicação com a sociedade”, completou.
Cristiane Sampaio, coordenadora executiva da Sociedade Viva, detalhou a campanha ONG Faz Acontecer, lançada em 2023, como uma resposta à desinformação sobre o papel das ONGs no Brasil. Segundo ela, a Sociedade Viva é uma estratégia de comunicação que nasceu de um processo colaborativo com diversas organizações, como Greenpeace Brasil, Ação da Cidadania e Diálogo Brasil, entre outras. O objetivo central é fortalecer a percepção pública sobre o papel das OSCs e combater a falta de entendimento que muitos brasileiros ainda têm sobre o que essas organizações fazem, como atuam e de onde vêm seus recursos.
“Vários estudos, como o realizado pelo Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), apontam que a população brasileira ainda não compreende plenamente o que as ONGs fazem. Muitas vezes, as pessoas colocam em dúvida nosso trabalho por desinformação. A campanha ONG Faz Acontecer foi criada exatamente para dialogar diretamente com a população sobre o impacto positivo que as OSCs têm na vida cotidiana”, explicou Cristiane. A campanha pública, que está disponível no site da Sociedade Viva, inclui vídeos, cards e spots que podem ser usados pelas ONGs para amplificar suas mensagens.
Débora Salles, coordenadora de pesquisa do NetLab, da UFRJ, trouxe uma análise detalhada sobre o papel dos influenciadores em momentos de crise, como as enchentes no Rio Grande do Sul. Débora destacou como a produtora Brasil Paralelo usou a tragédia para promover sua própria narrativa, muitas vezes pautada em desinformação. Ela explicou que o fenômeno da campanha permanente foi fundamental para o sucesso desse tipo de estratégia. “A Brasil Paralelo construiu uma audiência fiel, explorando ferramentas digitais para criar uma narrativa, muitas vezes baseada em desinformação, que desafia evidências científicas e fragiliza consensos”, disse.
A pesquisadora alertou para o uso de influenciadores e campanhas patrocinadas que segmentam o público com base em interesses específicos, o que facilita a disseminação de desinformação. “A Brasil Paralelo não só investe pesadamente em anúncios, como também sabe segmentar muito bem o público. Eles conhecem sua audiência e usam isso para fortalecer suas narrativas, muitas vezes ligadas a temas controversos, como o questionamento de instituições e ONGs”, afirmou. Débora enfatizou que as OSCs precisam aprender a usar essas mesmas ferramentas para ampliar seu alcance e legitimar suas mensagens, especialmente em momentos de crise.
Júlia Santos, analista de relacionamento com influenciadores do Greenpeace Brasil, compartilhou a experiência da organização na construção de parcerias com influenciadores. Ela explicou que o trabalho começou a ganhar força em 2017, quando o Greenpeace organizou viagens e ações de grande impacto envolvendo influenciadores e celebridades, como na campanha Desmatamento Zero. Júlia destacou que o objetivo principal dessas parcerias é ampliar o alcance das campanhas e conquistar novos ativistas e apoiadores. “Queremos levar nossas mensagens para mais pessoas, conquistar novos ativistas para a causa socioambiental e novos apoiadores para a organização”, explicou.
Ela também apontou a importância da diversidade e da inclusão no trabalho com influenciadores. Segundo Júlia, o Greenpeace Brasil busca sempre envolver influenciadores que representem diferentes grupos sociais e que tenham uma conexão genuína com as causas socioambientais. “Temos um olhar muito cuidadoso para a diversidade, sempre trazendo influenciadores periféricos, ribeirinhos e indígenas. A justiça climática passa por trazer as vozes das pessoas mais afetadas para essas parcerias”, afirmou.
Sobre a remuneração, Júlia destacou que, enquanto as celebridades e macro-influenciadores normalmente participam de maneira voluntária, o Greenpeace oferece uma contrapartida financeira para influenciadores menores, especialmente aqueles que dependem da criação de conteúdo como sua principal fonte de renda. “Entendemos que não faz sentido pedir para uma pessoa periférica ou indígena produzir conteúdo sem oferecer algum tipo de compensação financeira”, disse.
Fábio Góes Marinho, coordenador do programa Creators pelo Clima, apresentou uma proposta de formação e aceleração de carreira para influenciadores digitais engajados em causas socioambientais. O projeto, que durou 10 meses e fez parte da campanha Amazônia de Pé, teve como objetivo formar uma “maioria climática” e capacitar influenciadores para ampliar o alcance de suas mensagens. “Nós queríamos criar oportunidades para influenciadores que já estavam engajados com a pauta socioambiental, mas que precisavam de mais ferramentas e conhecimento para aumentar seu impacto”, explicou Fábio.
Ao longo do programa, os participantes receberam uma bolsa-auxílio, participaram de visitas a plataformas digitais e tiveram aulas com especialistas de mercado. Segundo Fábio, o projeto foi fundamental para dar voz a influenciadores que muitas vezes não têm os recursos necessários para produzir conteúdo de qualidade. “Nosso objetivo era impulsionar nomes de referência na pauta socioambiental, e o resultado foi extremamente positivo. Conseguimos aumentar significativamente o alcance desses influenciadores e fortalecer suas redes de engajamento”, afirmou.
Mariana Carvalho e Renato Menezes, pesquisadores da FGV, trouxeram dados baseados em um monitoramento feito durante as enchentes no Rio Grande do Sul. O estudo revelou a proeminência dos influenciadores e da sociedade civil no debate público, em detrimento da atuação do governo. Segundo Renato, a pesquisa mostrou que, em momentos de crise, influenciadores conseguem capturar a atenção do público de forma mais eficiente do que as ações institucionais. “A tragédia climática foi uma janela de oportunidade para que influenciadores e celebridades se tornassem os principais porta-vozes, muitas vezes em ações de solidariedade que rivalizavam com o governo”, disse.
Mariana destacou que esse fenômeno representa tanto uma oportunidade quanto um desafio para as OSCs. “Por um lado, vemos que existe uma disposição do público em doar e se engajar, mas, por outro lado, as organizações precisam aprender a capturar essa atenção de forma mais eficaz”, afirmou. Ela ressaltou a necessidade de as OSCs desenvolverem estratégias digitais mais robustas para competir nesse espaço cada vez mais dominado por influenciadores.
As apresentações reforçaram a necessidade de as OSCs se adaptarem às dinâmicas digitais, aproveitando as ferramentas que as plataformas oferecem para criar narrativas impactantes e engajar o público de maneira eficiente. A íntegra está disponível no canal da ABCR no YouTube.
Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas.