Em um movimento para reestruturar o setor de filantropia e investimento social privado (ISP) no Brasil, a Iniciativa PIPA lançou o Guia das Periferias para Doadores, um material para doadores, empresas e instituições, encorajando uma revisão crítica das práticas filantrópicas, suas operações e impactos.
Um dos principais objetivos da iniciativa é incentivar uma mudança na distribuição de recursos, garantindo que cheguem às comunidades periféricas, mais afetadas pela desigualdade e pela falta de investimentos. Outro objetivo é incentivar as organizações doadoras a refletirem sobre a pluralidade de suas equipes, integrando e valorizando experiências e perspectivas diversas que podem enriquecer o entendimento e a abordagem do trabalho que desenvolvem.
“Não é de hoje que a PIPA tem se atentado às realidades e a escuta ativa nos territórios periféricos. E, nossa atuação vem evidenciando o pouquíssimo investimento que têm chegado às organizações, coletivos e movimentos de periferias. Reforçamos que existe um longo caminho de descobertas e inovações para o setor, mas só conseguiremos avançar quando o campo perceber que só haverá o que chamamos de Filantropia estratégica no Brasil quando transformarmos os pilares que sustentam a doação no país. Esperamos que nosso Guia possa auxiliar na transformação do setor e oferecer possíveis caminhos e soluções para os doadores possam ampliar seu impacto, efetividade e pluralidade em suas atuações, no campo da filantropia e do ISP”, afirma a coordenadora de pesquisa da PIPA, Nildamara Torres.
O material também é útil para profissionais da captação de recursos, especialmente de organizações periféricas, que podem compartilhar o guia com potenciais doadores e trabalhar muitas das informações e dos dados apresentados em suas estratégias para dialogar efetivamente com grandes doadores e fundações.
“Nosso guia é voltado para doadores, mas pode e deve ser apropriado pelas organizações de periferias como ferramenta de diálogo com seus possíveis investidores. Os doadores precisam de comprometer-se a revisar suas metodologias e escopos de atuação, desburocratizando os métodos de financiamento e aprofundando as relações de confiança com coletivos, organizações e movimentos favelados e periféricos, fazendo com que os recursos cheguem até a ponta. E isso não pode ser motivo para possíveis conflitos e sim uma forma de materializar e potencializar, na prática, o que na teoria já vem sendo um cenário aberto para mudanças”, defende Nildamara.
Para a pesquisadora, para promover uma filantropia eficaz no Brasil, é essencial colocar no centro das estratégias as periferias, especialmente as pessoas negras, mulheres e LGBTQIAPN+. “Acreditamos que só vamos entender de fato o impacto e as mudanças quando os recursos estiverem chegando nas periferias e as realidades estiverem mudando. Isso será possível perceber quando estivermos vendo os doadores investirem nas periferias, mas não de uma forma assistencialista e sim entendendo que isso é estratégico. Além disso, acreditamos que enquanto não houver mais pessoas de periferias ocupando os espaços de tomada de decisões, principalmente espaços responsáveis pelo aporte de recursos, não será possível alcançar mudanças verdadeiramente sistêmicas. É urgente que o campo entenda que as periferias têm as respostas”.
Desenvolvido a partir de um amplo mapeamento das instituições doadoras e das práticas de filantropia existentes, o guia utiliza uma metodologia que combina análise quantitativa e qualitativa. Foram revisados websites de organizações doadoras, e uma série de entrevistas e grupos focais foram conduzidos para captar a diversidade de experiências e expectativas das comunidades periféricas. Além disso, o guia incorpora dados que ilustram as desigualdades na distribuição de recursos e nas práticas de doação, oferecendo um olhar crítico sobre as áreas que necessitam de maior atenção e apoio.
Dentre as 50 organizações que foram fontes da pesquisa, o maior número de doações destina-se para direitos humanos, cultura da paz e democracia (23,5%); meio ambiente e sustentabilidade (17,3%); educação (17,3%); inclusão produtiva, empreendedorismo e geração de renda (10,2%).
Sobre a distribuição geográfica de doadores e organizações, enquanto a região Sudeste concentra a maior parte dos investimentos filantrópicos, as regiões Norte e Nordeste, que juntas correspondem a 54% das organizações mapeadas, recebem menos investimentos apesar de terem uma presença significativa de iniciativas locais.
O descompasso sugere uma desconexão entre as prioridades do Investimento Social Privado (ISP), concentradas no Sudeste, e as necessidades das minorias políticas nas regiões menos atendidas.
Uma das grandes contribuições do Guia das Periferias para Doadores é elencar três principais eixos temáticos e recomendações para que a democratização dos recursos seja uma realidade.
A promoção da pluralidade nas equipes e nos conselhos garante que uma variedade de perspectivas seja considerada na tomada de decisões. Isso inclui a integração de membros de diferentes raças, gêneros e origens socioeconômicas, especialmente daqueles das periferias, que possuem conhecimentos valiosos sobre suas comunidades.
“Não acreditamos que a democratização de recurso para as periferias seja uma agenda ainda, estamos sim tendo alguns avanços, isso se tornou um assunto e uma pauta importante, mas não uma agenda programática do setor. Para que isso comece a mudar, é estratégico ter pluralidade em suas equipes para que estejamos coletivamente pensando em mudanças e em formas de potencializar a atuação daqueles que vêm resistindo na ponta”, afirma Nildamara. “Não estamos propondo uma inversão de papéis em que pessoas que ocupam estes espaços deixariam seus cargos para “dar lugar” a pluralidade, e sim, estamos propondo um diálogo em parceria, é uma disputa pela coletividade e não por outras formas de “exclusão”. Nossa intenção é sempre reduzir as barreiras entre quem doa e quem precisa de investimento e não criar outras ainda mais problemáticas”, completa.
Recomendações práticas incluem:
As organizações doadoras são incentivadas a serem abertas sobre como e onde os recursos são alocados. Isso permite que os captadores de recursos e as comunidades beneficiadas entendam melhor as intenções dos doadores e como podem acessar esses recursos.
Recomendações práticas incluem:
O guia ressalta a importância do fortalecimento institucional das organizações de base periféricas. Ao fornecer recursos não apenas para projetos específicos, mas também para o desenvolvimento organizacional, os doadores podem ajudar essas entidades a se tornarem mais sustentáveis e impactantes a longo prazo.
Recomendações práticas incluem:
A Iniciativa Piva lembra que para uma transformação social efetiva no Brasil, é preciso que o financiamento das organizações das periferias seja uma prioridade dentro do ecossistema de doação. Isso envolve monitorar e avaliar como os recursos estão sendo alocados e avançando em relação às demandas sociais.
Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas