No imaginário popular, a palavra inovação costuma ser associada a grandes tecnologias, a custos onerosos, a ideias revolucionárias e distantes da realidade. Entretanto, seu conceito nada mais é do que a introdução de novos elementos ou o aprimoramento de processos existentes. Para inovar, basta sair do lugar comum e isso não precisa ser necessariamente difícil.
Na realidade, a inovação é mais simples do que as pessoas imaginam e é muito bem-vinda no Terceiro Setor, especialmente quando o assunto é a captação de recursos. Conhecida como uma das áreas mais sensíveis das organizações da sociedade civil, a captação exige profissionalismo, capacitação contínua e boas ideias, principalmente para trazer mais segurança financeira para as organizações e poupá-las da dependência de poucas fontes de recursos.
A criatividade passa a ser uma palavra-chave dentro desse cenário. “Precisamos desvincular essa visão de inovação como algo extraordinário, novo, tecnológico e que requer muitos investimentos. Precisamos ter um olhar que pense em como podemos fazer de uma forma diferente algo que executamos no dia a dia do mesmo modo e há muito tempo. Assim, conseguimos visualizar os problemas sob outra perspectiva, colocando essa lente. Esse trabalho é quase como uma forma de viver, acionar essa perspectiva permite que as pessoas visualizem oportunidades que não eram vistas antes. Se continuarmos trazendo as mesmas soluções para os mesmos problemas, temos os mesmos resultados”, observa Natália Gonzales, cofundadora do Nuclear.HUB e idealizadora do Social Lab, plataforma que oferece cursos, dicas e mentorias para profissionais do Terceiro Setor.
Natália explica que, antes de as organizações pensarem em inovar, devem refletir sobre o contexto dentro do qual estão inseridas e quais são seus objetivos. Em primeiro lugar é preciso ter consciência sobre suas práticas e desafios e realizar um planejamento para atingir as metas previamente definidas: “Tem uma frase que diz: ‘Sem direção, não há evolução’. O primeiro passo é saber de onde você parte e para onde vai. Se isso não está definido e não há práticas, métricas sobre onde estou e um planejamento do futuro, torna-se uma procura de fórmulas mágicas. Sem esse entendimento, a organização vai ter dificuldade de inovar. Vejo como um passo zero ter clareza sobre onde a organização está quanto a processos, indicadores e práticas desenhadas e elaborar um planejamento de onde quero chegar”.
A praticidade e as novidades trazidas pelos recursos tecnológicos mais presentes no dia a dia, como celulares e computadores, são ferramentas bastante úteis para a inovação, mas, engana-se quem pensa que a maior dificuldade das organizações é a falta de acesso a essas ferramentas. Natália ressalta que, no dia a dia, o que sobressai é a resistência da gestão das entidades em mudar atividades rotineiras. “Qualquer mudança no dia a dia exige uma aprendizagem que é mais custosa no início, mas os benefícios são muito proveitosos após a inovação. Não adianta ter a ferramenta perfeita e não ter nenhuma perspectiva de utilizá-la”, diz.
Segundo Natália, elaborar campanhas de captação mais criativas demandam investimento em aprendizagem contínua e o cultivo do repertório cultural. A capacitação constante é importante para qualquer organização e diz respeito ao estudo como um todo, que pode incluir desde a realização de cursos tradicionais até a leitura de livros relacionados ao setor de impacto social.
Já o repertório cultural refere-se ao acúmulo de diferentes saberes que auxiliam muito no processo criativo. Algumas ações relacionadas ao repertório cultural são assistir a filmes e séries, ler notícias, frequentar museus, ir ao teatro, dialogar com outras pessoas. Beber em diferentes fontes é fundamental para aumentar a bagagem sociocultural dos profissionais que trabalham com inovação, pois permite o surgimento de novos ângulos e referências. “Quando falamos em inovação, a criatividade pressupõe um repertório amplo e diverso para pensar em coisas novas. Temos que ter um modo de vida aberto a novos aprendizados. É preciso pensar em outras fontes e espaços para estar nesse movimento”, observa Natália.
Acompanhar novidades e boas práticas pode ajudar na inspiração e criar mais possibilidades de insights para a captação. Uma organização que atua nas causas da infância e da adolescência deve ter um olhar aprofundado para isso e acompanhar outras organizações, mas sem deixar de observar práticas de outros mercados. Desse modo, os responsáveis pelas campanhas de captação podem fazer os ajustes necessários para inserir outros exemplos na sua realidade.
Dois aspectos que podem impulsionar muito a inovação na captação são a diversidade e o trabalho colaborativo. Dialogar com várias pessoas que atuam na organização e estimulá-las a compartilhar suas ideias pode ser muito mais produtivo para sair da mesmice quando comparado a uma ou duas pessoas sentadas em frente ao computador.
Uma maneira de fazer isso é criar dinâmicas com um grupo de 15 ou 20 pessoas dentro da organização, coletar as ideias compartilhadas e filtrá-las conforme o que é possível de ser colocado em prática. “Priorizamos ideias para que elas virem projetos. Não precisamos pensar somente no fim, mas pensar no processo de como chegar a isso, envolvendo diferentes pessoas, como voluntários e beneficiários da campanha”, destaca Natália.
Em 2022, o Reimagining Fundraising, um desafio global de inovação em captação de recursos, despertou a atenção do setor. Sua proposta era incentivar startups, agências, ONGs, acadêmicos e captadores a apresentarem soluções para cinco desafios que envolvem a captação de recursos: envolver novos públicos, como jovens da Geração Z e pessoas interessadas em jogos virtuais, criar novos produtos de captação de recursos para construir relacionamentos de longo prazo com os apoiadores, criar novos canais e ferramentas para aumentar a relevância ao interagir com apoiadores, recrutar e reter novos talentos de captação de recursos e criar novas maneiras de captar recursos.
A iniciativa reuniu 12 organizações internacionais: UNICEF, WWF, ACNUR, Aldeas Infantiles SOS, Médicos Sin Fronteras, World Vision, Amnistía Internacional, CICR, Four Paws, OXFAM, Care y Plan Internacional. Os vencedores receberam financiamento para colocar suas soluções em prática junto a uma ONG parceira e se tornaram Fellows no Innovation Hub.
Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas