Captar recursos é prática recente na realidade de organizações da América Latina, afirma representante do Greenpeace
Após trabalhar por mais de uma década com captação de recursos em países da América Latina, o chileno Pedro Espinoza chegou ao Greenpeace Brasil, onde atua há cerca de um ano e meio. O cenário que encontrou por aqui não foi tão diferente daquele que viu em lugares como Argentina, Chile e México. Ele explica que o mercado latino-americano de captação de recursos é novo. E a razão é a mesma em todos os casos: o refluxo dos financiamentos internacionais nas últimas duas décadas, que obrigou organizações da sociedade civil (OSCs) a buscarem nas doações individuais uma fonte de sustentabilidade.Em conversa com a Captamos, Espinoza falou sobre a situação do terceiro setor, as diferenças e semelhanças entre os países por onde passou e revelou algumas das estratégias de captação desenvolvidas pelo Greenpeace — que deve sua sobrevivência a milhares de doadores individuais.
Confira os principais trechos da entrevista.
Captamos: Quais as semelhanças que você encontrou nos países onde trabalhou?
Pedro Espinoza: O mercado latino-americano de captação de recursos é novo. As OSCs, até 20 anos atrás, praticamente não precisavam captar, porque os países eram subdesenvolvidos e recebiam financiamento estrangeiro. Na medida em que começam a se desenvolver economicamente, a ajuda, principalmente vinda da Europa e dos Estados Unidos, diminui. Há 20 anos, a palavra fundraising [captação de recursos] começou a aparecer na Argentina, no Chile e no Brasil. É algo bem recente as organizações terem de captar recursos. Ainda estão aprendendo e tentando. A maioria está crescendo com doadores locais, pois entende que eles são a base de sua sustentabilidade. E estão indo bem, apesar das crises econômicas que têm afetado a América Latina e, sobretudo, o Brasil.
C: Quando começou a ocorrer o refluxo do financiamento internacional e a surgir a necessidade de captar, havia profissionais preparados para a tarefa?
PE: Eram poucos. As organizações começam a olhar para outros lugares em busca de exemplos. As pessoas que trabalhavam nas ONGs passam a aplicar esses conhecimentos dentro de seus países. É algo que também não estava na universidade, não existia uma carreira de captador profissional. A maioria que conheço na área é economista, ligada à publicidade, ao marketing. São profissionais que aplicam, no mercado das ONGs, os conhecimentos usados para vender qualquer tipo de produto ou serviço. Mas, como falei, é algo que se aprende, que se conhece trabalhando no setor. É o meu caso. Sou engenheiro comercial, uma carreira que existe só no Chile e que é uma mistura de economia, marketing e publicidade. Passei muitos anos trabalhando em organizações sociais. No Greenpeace, comecei no Chile, há quatro anos, e depois fui transferido para o México. Eu me mudei para o Brasil há um ano e meio.
C: E quais diferenças você encontrou?
PE: A diferença é que há alguns países mais desenvolvidos, como a Argentina, onde o Greenpeace tem 170 mil doadores recorrentes. Por lá, o reconhecimento da marca é muito forte, todo mundo sabe o que a gente faz. Por isso, realizar campanhas públicas e de arrecadação é bem mais fácil do que quando você tem de se explicar. No Chile, é um mercado bem menor, com 17 milhões de habitantes, a maioria em Santiago, e conseguimos transmitir o que a organização faz. No México, é um pouco mais devagar. O Greenpeace lá tem mais ou menos a mesma quantidade de doadores recorrentes que no Brasil. Aqui, temos 62 mil pessoas que, ao menos uma vez nos últimos doze meses, doaram e com quem podemos contar para que sigam doando no futuro.C: Qual a dificuldade de captação no México?
PE: Apesar de tentarmos posicionar a marca do Greenpeace como um ator para solucionar os principais problemas ambientais no México, não conseguimos ainda despertar um interesse verdadeiro das pessoas. Elas conhecem, gostam, mas não se comprometem.
C: Mas isso é uma questão cultural do México?
PE: É mais cultural. Além disso, lá existe um nível de corrupção impressionante. No Brasil, com a crise financeira, conseguimos crescer mais de 40% entre 2015 e 2016. Nossa principal fonte de captação continua sendo o contato direto, mas está aumentando muito a arrecadação pela internet, com cerca de mil filiações por mês, e também estamos crescendo muito pelo telemarketing.
C: A cultura de doação pouco desenvolvida é uma questão da América Latina?
PE: Depende do país. No Chile, por exemplo, a
Comunidad Organizaciones Solidarias —uma espécie de Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) com mais de mil organizações
— fez, em 2008, uma campanha pública para incentivar a cultura de doação. A ideia era despertar a felicidade das pessoas pelo simples ato de doar. A campanha funcionou. Na Argentina, também vemos esse fenômeno. Aqui, observo que há cada vez mais organizações pedindo e de maneira bastante boa. Com orgulho, digo que o Greenpeace é referência no Brasil em captação, mas há várias que estão se desenvolvendo. Isso gera empatia nas pessoas, que começam a entender que existem causas diversas e que elas precisam de doações para gerarem mudanças.
C: Há diferença na hora de pensar campanhas em países continentais, como o Brasil, e em nações com territórios menores?
PE: Nós tentamos fazer com que as campanhas de mobilização tenham grande impacto na população. Para isso, é preciso sair dos limites políticos de cada país. No Chile, por exemplo, fizemos uma campanha para defender os glaciares contra a mineração. Pensamos em como despertar o interesse do mundo. É preciso uma campanha no mundo todo para uma resposta forte. Conseguimos que o governo fizesse uma lei de glaciares. No Brasil, também tentamos campanhas globais. Fizemos uma para que o governo brasileiro não autorizasse a construção da hidroelétrica no rio Tapajós. E ganhamos, pois realizamos uma pressão global, todo mundo soube da questão, e o governo cancelou o projeto.
C: Você citou que, apesar da crise, tiveram aumento na base de doadores. Como conseguiram isso?
PE: Basicamente, uma mistura de coisas. A gente também está sofrendo os efeitos da crise. Apesar de a base crescer, perdemos pessoas a uma taxa maior do que o normal no Brasil e até em outros países
— e aqui as taxas de retenção já são baixas. Tentamos técnicas de recaptura de doadores. Além disso, procuramos reativar doadores, pois as crises são cíclicas. Estamos trabalhando muito forte para chegar a 150 mil doadores até o final de 2019.
C: Como é o perfil do público doador em outros países e no Brasil?
PE: Há uma relação direta entre a idade e o ticket médio. As pessoas com mais idade doam mais, têm ticket médio maior e são mais fiéis — isso em vários países. Ao contrário, as com menos idade, que ainda estão começando a vida profissional, querem doar, mas não têm capacidade de arcar com os custos. Na hora de pedir, pode focar num público mais velho. Dependendo da causa, o gênero também é um fator decisivo. O Greenpeace, no mundo todo, tem mais doadoras. Também dividimos o público em perfis e pensamos estratégias para cada um deles. Os millennials, por exemplo, que nasceram entre 1980 e 1990, usam muito a tecnologia, compartilham muito informações, são muito conscientes. Não são tão bons doadores, mas fazem com que a campanha seja transmitida para muita gente. Aqueles com menos de 25 anos, a geração Y, não têm recursos, não adianta pedir. O que você pode pedir é que sejam voluntários. Eles são muito comprometidos. Tempo é o que têm para doar. E há as mulheres maiores de 35 anos, que provavelmente têm filhos, trabalham, e que são nosso público-alvo para pedir doações. Nossa base de doadores no Brasil tem uma média de idade de 39 anos, com ticket médio de R$ 40.
C: Vocês pensam campanhas segmentadas para diversos públicos?
PE: Tentamos. Com o Facebook, é possível segmentar o público e fazer disparos de publicidade para pessoas que tenham perfil para se identificar com sua causa. Mas essa é uma grande segmentação. Dentro dos diferentes grupos, dá para segmentar mais ainda. Fizemos um teste uma vez para chegar às pessoas abertamente evangélicas. Nossas publicações na mídia digital diziam: “Ajude a salvar a criação Dele”. E deram resultado.
Assista ao vídeo e veja a principal dica do Pedro sobre captação de recursos no contexto atual do Brasil:

Pedro Espinoza,
Fundraising Director do Greepeace