ONG do Rio Grande do Norte abre as portas de sua sede para se aproximar de doadores e arrecada R$ 5 mi ao ano
Fora do eixo Rio-São Paulo, onde se concentram algumas das maiores organizações da sociedade civil do país, a Casa Durval Paiva apostou na transparência e na interação com a sociedade para construir uma base com 20 mil doadores e que arrecada R$ 5 milhões por ano. A ONG, que acolhe crianças e adolescentes em tratamento de câncer, entendeu que era importante abrir as portas de sua sede, em Natal, no Rio Grande do Norte, para estabelecer, em tempos de descrédito nas instituições, uma relação de confiança com quem se dispõe a colaborar com a causa.
Fundador da Casa Durval Paiva, Rilder Campos destaca, em entrevista ao site da Captamos, a importância de apresentar um “discurso consistente e de mostrar resultados”. Fala ainda sobre como o telemarketing ajudou a profissionalizar a organização e conta o que a ONG fez para não deixar “a peteca cair” diante da crise econômica no Rio Grande do Norte.
Confira trechos da entrevista.
Captamos: Como surgiu a Casa Durval Paiva?
Rilder Campos: Sou o fundador. Meu filho teve câncer e fui tratá-lo na Filadélfia, nos Estados Unidos, onde ficamos na primeira casa Ronald McDonald do mundo. Meu sogro foi nos visitar e conversamos sobre fazer algo parecido em Natal. Quando voltamos, em janeiro de 1995, ele já tinha comprado um imóvel que deu origem à instituição. Aí, começamos a desenvolver o trabalho. A casa foi se organizando, cresceu muito. Já passaram por lá quase 1.500 crianças. Não temos recursos de governo nem de prefeitura. Nosso financiamento vem das quase 20 mil pessoas físicas que doam todo mês e também de parcerias com empresas. Temos um movimento de R$ 5 milhões por ano. A casa é da sociedade para a sociedade. Também é extremamente transparente, dá visibilidade a suas ações. Vivemos no Brasil um momento de descrédito. É importante interagir com a sociedade para mostrar que a missão delegada a você foi cumprida. Procuramos fazer isso, estar ali sempre se mostrando e mostrando que o que foi doado teve começo, meio e fim. A casa tem muita credibilidade no estado, o que é bom e preocupante, pois quando se chega num patamar desse, é preciso fazer um esforço enorme para se manter. É uma causa que não se esgota hoje nem amanhã. Ela demanda tempo, então, é necessário contar com uma parceria contínua, próxima, que conheça e compreenda a instituição.
C: Como vocês chegaram ao número de 20 mil doadores num país com problemas de cultura de doação?
RC: Com ações de visibilidade, de transparência e de resolutividade. Tenho uma preocupação muito grande hoje. Fizemos o #diadedoar em Natal. Íamos lançar a campanha sozinhos, mas chamamos outras instituições. O objetivo neste ano não foi a doação, mas o conceito da doação, do financiamento por meio dela. Se não fizermos isso, vamos cair numa vala comum. Não se acredita em mais ninguém, no Executivo, no Judiciário e no Legislativo. Você vai também nessa. É um tsunami. Então, é preciso se diferenciar. Qual era o conceito? Venha nos conhecer, venha nos ver. Na hora em que você tem o que mostrar, chama para sua casa. Quando não tem, inventa uma desculpa. Nós estamos mostrando o que fazemos, mas precisamos de mais para nos mantermos. Conseguimos um universo razoável de doadores. Era para haver mais. Nós fazemos uma prestação de serviços muito alongada, cuidamos da criança, da família. Você anda pela casa e não ouve falar de câncer. Lá é para celebrar a vida. Isso repercute na sociedade. Como eu faço para mostrar? Toda terceira quarta-feira do mês é dia do doador. Chamamos as pessoas para virem à casa. Algumas vezes, vêm três. Em outras, 130.
Na última quarta-feira do mês, fazemos um almoço, para o qual chamamos empresários, gerentes de banco, simpatizantes. Mostramos vídeos da casa, depois, eles vão para o almoço. Também chamamos a imprensa. Isso muda muita coisa. Às vezes, o jornalista conhece à distância, escreve, replica notas, mas, no dia em que conhece pessoalmente, escreve de coração. Vai fazer uma matéria legal, uma entrevista diferente.
Tem um grupo local que é o maior supermercado daqui, o Nordestão. As sacolas do estabelecimento fazem campanha para nós. Eles já colocaram 48 milhões de sacolas na rua desde o início da parceria, há cerca de 10 anos. Esse é um parceiro que nos dá uma visibilidade enorme. Nossa casa é uma ferramenta que consolida o processo de financiamento.
C: Como era a estrutura de vocês quando começaram?
RC: No começo, não havia funcionário. Então, tivemos a necessidade de uma gerente. Em função das demandas, houve a profissionalização. Um ano e meio após da inauguração, abrimos um telemarketing. É ele que nos mantém. Arrecadamos em torno de R$ 5 milhões por ano com essa ferramenta. Foi de onde derivou toda a nossa profissionalização. Em nosso marketing institucional há nove pessoas trabalhando, cuidando da marca, da comunicação externa, da prospecção de projetos. É uma estrutura de empresa.
C: Como perceberam que o telemarketing era o caminho para vocês?
RC: Fui a um evento em Aracajú (SE) e vi que estavam fazendo isso numa organização da Bahia. Falei com o presidente da instituição e ele me deu as coordenadas. Contratei uma empresa para implantar o serviço e nos dar consultoria. Eu também tinha uma empresa de informática e desenvolvi um sistema para isso. Com o fim do primeiro ciclo do contrato, não quis mais a consultoria. Pagávamos um percentual e, então, nós mesmos passamos a fazer, sem custo para a instituição. Aprendemos a fazer.
C: Como é o relacionamento com essa base de doadores?
RC: Esse ano foi atípico, por causa da crise no Rio Grande do Norte. Os salários na prefeitura e no governo estadual estão com dois meses de atraso. É um estado com muitos funcionários públicos. A base cresceu pouco. Isso dificulta. Tivemos de criar um mecanismo para não deixar a peteca cair. Apostamos mais ainda no relacionamento com o doador, na interação com ele. O sistema manda e-mail para ele no dia do aniversário. No final do ano, manda uma mensagem dizendo quanto doou nos últimos 12 meses. Colocamos foco na transparência. No nosso site, há balanço contábil mensal. Mandamos uma newsletter para 90 mil pessoas todo mês. Fazemos um clipping da semana, uma prestação de contas, apresentamos depoimentos de parceiros. O objetivo é levar informação para as pessoas. A sociedade vê isso com bons olhos.
C: Na administração dessa base, qual a importância de ter um software para ajudar?
RC: A importância é enorme. O software nos dá toda a lógica do doador. Além disso, tem uma ferramenta, que chamamos de portal, e que eu desenvolvi. É responsiva, pode ser acessada pelo celular. Se eu estiver no interior da Amazônia, vejo on-line quanto recebi, como recebi, o que eu tenho para receber. São relatórios que eu vejo no celular. Para o gestor, é fantástico. Nem sempre os gestores conseguem estar toda hora na instituição. Precisa de uma ferramenta que lhe mostre como estão as coisas. A nossa permite uma avaliação estratégica da operação.
C: No Brasil, as organizações mais estruturadas estão no eixo Rio-São Paulo. Como você avalia seus pares na região Nordeste?
RC: Há algumas ilhas de excelência. Mas também há muitas organizações atrasadas. Rio Grande do Norte é um estado pobre. O empresário daqui já mudou muito, mas, há 22 anos, quando comecei, levava um projeto para ele, que dizia que eu era maluco. Levei muita pancada.
Outra coisa: em regra geral, chegamos sem pedir nada. É um diferencial. Tem muita gente que já chega numa grande empresa dizendo que “quer tanto”. Isso assusta. É preciso ter um discurso consistente, mostrar resultado. Vai doar por quê? Por ser bonzinho? Ter olhos azuis? Hoje, todo mundo quer contrapartida. O Mc Donalds faz o Mc Dia Feliz por que é bonzinho? Não é por isso. Ele faz porque é uma baita causa, dá visibilidade e é um grande negócio.