Redes sociais são realmente fundamentais para organizações da sociedade civil? Para a norte-americana Beth Kanter, não há dúvidas. Beth é autora de um bem-sucedido blog sobre o tema e dois best-sellers: Measuring the Networked Nonprofit: Using Data to Change the World (“Medindo a rede sem fins lucrativos: Usando dados para mudar o mundo”, em tradução livre) e The Networked Nonprofit, que por aqui recebeu o nome de “Mídias Sociais Transformadoras” (Editora Évora).
Com 30 anos de experiência no Terceiro Setor, ela foi apontada pela prestigiada revista Fast Company como uma das mais influentes mulheres em tecnologia. Beth palestrou na edição 2017 do Festival da Associação Brasileira de Captadores de Recursos, que aconteceu em São Paulo entre 17 e 19 de maio.
Nesta conversa com a Captamos, a especialista ressalta a importância do planejamento na hora de usar ferramentas de comunicação, defende a necessidade de haver pessoas voltadas especificamente para essa tarefa dentro das organizações e ainda aponta uma tendência para o país: a aposta nos jovens entre 14 e 24, que usam intensamente as novas mídias e se interessam por causas sociais — são eles os futuros doadores que as entidades terão de conquistar.
Confira os principais trechos da entrevista.
Captamos: Qual a importância das mídias sociais para as organizações da sociedade civil?
Beth Kanter: Elas são importantes para alcançar e engajar pessoas. Na última década, assistimos a uma revolução digital. Conexões mais rápidas de internet, uso de celulares e mídias sociais. Viramos uma sociedade digital, e as mídias sociais se tornaram uma maneira importante de se conectar com amigos, família, governos, empresas — e organizações da sociedade civil. Por exemplo, pessoas na maioria dos países podem se conectar com seus líderes políticos e instituições pelas mídias sociais. Cada vez mais, doadores, membros e beneficiários esperam se comunicar com organizações da sociedade civil pelas redes.
C: Quais são as redes sociais em que as organizações da sociedade civil precisam estar presentes?
BC: Esta é uma pergunta difícil de responder, porque existem muitos canais e plataformas diferentes, e as características do público variam para cada uma delas. Os índices de adoção também mudam entre diferentes países. No entanto, o Facebook é a maior plataforma, com mais de 1,23 bilhão de usuários ativos, então, é definitivamente indispensável. Depois, as redes mais populares para as organizações da sociedade civil são o Twitter, o Instagram, o LinkedIn, o Pinterest, o Snapchat e o Youtube. É preciso muito esforço das entidades para que tenham uma presença robusta em cada uma delas. Muitas acabam optando pela rede em que está o público com quem quer falar. Por exemplo, se o objetivo é alcançar pessoas jovens, deve-se investir no Snapchat e no Instagram. Mas se é alcançar profissionais, é preciso focar no LinkedIn.
C:É importante que as entidades tenham pessoas para lidar especificamente com as redes sociais? Que habilidades esses profissionais devem apresentar?
BC: Eu criei um modelo de maturação de uso de mídias sociais chamado Crawl, Walk, Run, Fly (Engatinhar, andar, correr, voar), que mapeia o tempo gasto pela equipe com essas ferramentas e seu tempo de amadurecimento. As organizações da sociedade civil precisam de alguém responsável por suas redes sociais, ainda que, dependendo dos seus recursos, sua maturidade e seus objetivos, não seja alguém dedicado o tempo todo a isso. Muitas vezes, a implementação de mídias é responsabilidade das áreas de marketing, captação ou comunicação, e que devem dedicar entre cinco e seis horas por semana a esse trabalho. Além disso, se as organizações da sociedade civil usarem bem suas equipes e seus conselheiros como “embaixadores da marca” que compartilham os conteúdos da entidade em suas redes sociais, isso pode ser muito eficiente. A pessoa que cuida das redes sociais precisa ter as seguintes habilidades: boa escrita e saber criar conteúdo, ter conhecimentos de design, usar diversas plataformas, entender de engajamento de comunidades e usar ferramentas de análise. Precisa também ser organizada e colaborar com as outras pessoas da equipe.
C: Qual o impacto que as redes sociais têm na captação de recursos? Depois de engajar as pessoas, como transformá-las em doadoras?
BC: A primeira interação com seus doadores nas redes sociais deveria ser um pedido de dinheiro. Captadores deveriam vê-las como um canal para cultivar e engajar pessoas. Também deveriam se empenhar em conseguir que as pessoas engajadas decidam assinar sua newsletter para que possam se comunicar com elas de outras maneiras. As organizações têm de construir um relacionamento por meio do engajamento e de um bom storytelling, compartilhando histórias de impacto. A isso deve seguir um bem pensado “Call to action“, que pode ser feito por e-mail, pessoalmente ou de outra maneira.
C: O que uma organização deve fazer e o que deve evitar nas redes sociais?
BC: A coisa mais importante é ser consistente. Ter um bom plano, com metas claras que definam sua audiência. Faça pesquisa para saber quais mídias sociais sua audiência usa, o que a motiva e o que quer saber sobre a causa da sua organização. É importante criar um calendário mensal que identifique quais conteúdos e ações você criará para inspirar seu público a ser tornar doador. A falta de um plano ou de um calendário editorial pode ser um grande problema e levar a uma presença inconstante. Em um primeiro momento, pode parecer que há a necessidade de usar um tempo extra para fazer esse tipo de planejamento, mas ter um bom método funcionando, na verdade, economiza tempo. Também é importante medir o alcance e o engajamento para entender melhor quais conteúdos estão de fato atraindo seu público. Essa é uma boa ferramenta para ajudar as organizações a criar uma boa estratégia de mídias sociais: http://www.bethkanter.org/social-media-toolkit/
C: O uso das redes sociais pode dar errado? Por quais motivos? O que fazer para evitar isso?
BC: Eu não diria necessariamente “dar errado”. Mas, por causa da conectividade das redes sociais, as pessoas podem rapidamente espalhar informações sobre organizações em suas redes. Isso pode ser bom. Por exemplo, o desafio do balde de gelo — campanha criada com a finalidade de arrecadar recursos para uma entidade que trata do tema esclerose lateral amiotrófica. A ação viralizou no mundo todo, envolveu celebridades e arrecadou mais de U$ 15 milhões. Ou pode ser ruim, se as pessoas estiverem reclamando sobre sua organização ou se ela comete um erro em sua comunicação. Um exemplo é quando uma entidade ou um indivíduo manda uma mensagem, sem querer, pelas redes sociais e não é transparente sobre esse erro e as pessoas começam a comentar. Uma das histórias mais conhecidas nos Estados Unidos é da Cruz Vermelha norte-americana. Um membro da equipe e enviou, por engano, uma mensagem em sua conta sobre beber cerveja. Por sorte, eles souberam lidar com a situação e isso até os ajudou a captar recursos. Nos Estados Unidos, as organizações da sociedade civil estão preocupadas com uma crise de relações públicas, caso o atual presidente (Donald Trump) faça um tweet sobre alguma delas ou sobre alguma causa em particular. Várias instituições criaram planos de crise por causa disso.
C: Como você vê o futuro das redes sociais para as organizações da sociedade civil?
BC: Há cinco tendências que devem ser acompanhadas: os doadores da geração Z, o crowdfunding, os vídeos ao vivo, os aplicativos de mensagens e a realidade virtual. Eu dei uma palestra em Londres para o Institute of Fudraising sobre tendências digitais do futuro que as entidades precisam conhecer. Fiz um infográfico que ajudará as organizações a perceberem o que pode mudar e como elas devem planejar o futuro. Não é preciso sair correndo e investir em todas essas tendências, mas apenas saber que elas existem e entender como podem afetar sua organização. Afinal, conhecimento é poder!
Penso que os captadores de recursos brasileiros precisam entender a próxima geração de doadores. Eles são o futuro. É a chamada geração Z, que tem entre 14 e 24 anos, e que é uma parcela grande da população no Brasil. Essa geração é especialista em mídias sociais, mas também tem interesse em arrecadar recursos para organizações ou causas. Quer fazer isso do jeito dela e tende a usar plataformas de crowdfunding.
Beth Kanter, especialista
em mídias sociais, palestrante e escritora.