No cenário digital brasileiro, o ano de 2023 foi marcado por um debate majoritariamente desfavorável às organizações sociais. É o que aponta uma pesquisa realizada pela Escola de Comunicação, Mídia e Informação (FGV). Analisando o período de 1º de janeiro a 2 de outubro de 2023, a investigação se estendeu por diversas plataformas: Facebook, YouTube, Instagram, WhatsApp, Telegram e X (antigo Twitter).
A pesquisa revela que, no X (antigo Twitter), 63% das postagens analisadas sobre o tema apresentaram um teor negativo. As críticas variaram desde denúncias de corrupção até associações indevidas entre o governo, organizações e países estrangeiros.
De acordo com o estudo, o sentimento negativo é externalizado por meio de expressões depreciativas e do uso de adjetivações pejorativas, dentre elas: (i) “ONG de fachada”, utilizada tanto no singular quanto no plural, de forma geral e de forma específica; (ii) “Ongs imperialistas”; (iii) “ongs de prateleiras”; (iv) “ong obscura”; (v) “cavalos de Tróia”; (vi) “estado paralelo”; (vii) inescrupulosas; (viii) picaretas; (ix) manipuladoras, além do neologismo (xx) “ongueiros” utilizado como adjetivo e como substantivo para caracterizar e/ou denominar, com aspecto semântico negativo, aqueles que defendem a existência e/ou a permanência de ONGs.
A investigação também focou no debate específico sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONGs. Neste contexto, as postagens negativas se intensificaram. Links com maior circulação no Facebook corroboram essa percepção, indicando uma atmosfera de desconfiança contra organizações ambientalistas e indígenas.
No contexto do debate sobre a CPI das ONGs, parlamentares vinculados à extrema-direita tiveram um amplo protagonismo. A narrativa de que as ONGs pertenceriam a um esquema político-financeiro foi recorrente.
O sentimento positivo em relação às organizações (9%) é impulsionado por iniciativas como cursos profissionalizantes, oportunidades de emprego e lazer, campanhas de arrecadação para causas específicas, especialmente aquelas relacionadas a animais.
O uso da hashtag genérica #ONG em postagens sobre denúncias de crimes ambientais e oportunidades também é considerado positivo. Algumas publicações defendem que as organizações não devem ser generalizadas pela CPI. O encontro do presidente Lula com o vocalista da banda Coldplay e representantes da ONG Global Citizen também gerou sentimentos positivos.
O sentimento neutro (28%) é caracterizado por menções às organizações e à CPI das ONGs sem tomada de posição polarizada. Publicações de canais de imprensa e compartilhamentos de internautas repassando notícias sem expressar opiniões pessoais contribuem para esse sentimento neutro. O foco está nas informações factualmente apresentadas, especialmente relacionadas aos desdobramentos da CPI das ONGs no Brasil.
Principais termos sobre ONGs no X – Período: de 1º de janeiro a 2 de outubro de 2023
No Facebook, a discussão apresentou uma complexidade distinta, destacando-se pela propagação de narrativas políticas e pelo questionamento institucional. A plataforma serviu como um espaço onde diferentes grupos políticos expressaram suas opiniões, contribuindo para um debate mais amplo.
Grupos de defesa dos direitos humanos e organizações ambientais utilizaram o Facebook para compartilhar informações sobre suas atividades, buscando contrapor as narrativas negativas. Por outro lado, grupos alinhados à extrema-direita focaram em questionar a legitimidade dessas organizações, muitas vezes associando-as a agendas globalistas e supostos interesses estrangeiros.
Os links com maior circulação no Facebook indicaram uma predominância de veículos de mídia hiperpartidária de direita, como Jornal da Cidade Online, Jovem Pan News, Gazeta do Povo e Revista Oeste. O eixo argumentativo central desses veículos focava na suposta relação escusa do governo atual com ONGs nacionais e estrangeiras na Amazônia, retratando-as como um “estado paralelo” que teria recebido recursos não aplicados aos devidos fins.
No cenário do YouTube, o debate sobre as organizações mostrou uma diversidade de opiniões, diferentemente de outras plataformas digitais onde a polarização foi mais evidente. O conteúdo disponível no YouTube abordou desde questões relacionadas à transparência financeira das ONGs até o papel dessas organizações em áreas sensíveis, como territórios indígenas e a Amazônia.
O equilíbrio no YouTube é notável, mas a narrativa de que organizações, especialmente as evangélicas, seriam corruptas, foi difundida, associada a alegados desvios de verbas do governo anterior.
No WhatsApp, a polarização do debate se manteve, e as mensagens mais compartilhadas foram marcadas por ataques diretos à reputação e à legitimidade das atividades das organizações. O teor politizado do debate, sobretudo direcionado a instituições atuantes na pauta ambiental, ficou evidente em alegações sobre vínculos políticos com o governo brasileiro e supostas evidências de obtenção de benefícios financeiros.
Algumas das mensagens mais compartilhadas no WhatsApp desviaram da temática ambiental para abordar a área de proteção aos Direitos Humanos, destacando reações negativas a supostas iniciativas de organizações internacionais em defesa de pessoas não binárias.
No Telegram, as mensagens em destaque enfatizaram um discurso proeminente de criminalização das organizações sociais, com uma notória polarização do debate e uma predominância de perspectivas associadas à extrema-direita. O ex-presidente Jair Bolsonaro e seus familiares foram citados para dar suposta legitimidade a informações que sustentavam a ideia de que as ONGs eram criminosas. Teorias conspiratórias sobre supostas associações com tráfico de drogas, armas, pessoas e recursos naturais foram difundidas.
O estudo realizado pela FGV mostra a urgência na mudança de percepção por parte da população. As OSCs desempenham um papel fundamental na sociedade, movimentando o PIB brasileiro e gerando benefícios diretos e indiretos que transformam comunidades. A narrativa construída nas plataformas digitais muitas vezes simplifica a complexidade desse trabalho, ignorando seu impacto positivo em áreas como direitos humanos, meio ambiente, saúde e educação.
Iniciativas como a Sociedade Viva, da qual a ABCR faz parte, estão dedicadas a informar a população brasileira com qualidade, clareza e transparência sobre a importância do Terceiro Setor. A mudança de percepção não apenas fortalecerá o apoio da população às organizações sociais, mas também contribuirá para um diálogo mais construtivo.
Vale lembrar que a Sociedade Viva criou um kit com materiais de comunicação para redes sociais, site, WhatsApp e e-mail, para que todas as organizações e pessoas interessadas atuem para construir e aperfeiçoar este diálogo com a população. Os materiais estão disponíveis para download na seção Participe do site www.sociedadeviva.org.br