Uma simpática e despojada hamburgueria em Florianópolis, capital de Santa Catarina, está ajudando a fortalecer o investimento social privado regional. Mas como um pequeno negócio tem conseguido ocupar espaço cada vez mais relevante no terceiro setor da bela ilha? Tudo começou, como não poderia deixar de ser, com sanduíches.
“No primeiro aniversário da empresa, em julho de 2016, fizemos uma promoção na qual, para cada hambúrguer vendido, daríamos outro para um morador de rua. Vendíamos até 40 lanches diariamente. Naquele dia , foram 340”, conta Talissa Pires, sócia da Usina do Hambúrguer.
O que era um sucesso de captação, logo virou inquietação. “Demos sanduíches para 200 moradores de rua. Os outros 140 distribuímos para crianças na Chico Mendes, uma comunidade pobre da cidade, onde precisamos até de autorização do tráfico para entrar. Ali, percebi que não eram hambúrgueres que fariam diferença, e sim oportunidades.”
Ela e os sócios chegaram a uma receita: doar R$ 1 de cada lanche consumido na casa. “Não é a Usina que doa. Nesse caso, nos tornamos uma ponte entre quem quer ajudar e quem quer ser ajudado. Esse valor pequeno vira R$ 6 mil. Mostramos que fazer o bem não precisa ser um sacrifício”, destaca.
Num primeiro momento, era Talissa quem, todo mês, partia em busca de organizações que precisassem de recursos. Nesse caminho, percebeu algo que mais uma vez mudaria o investimento social do seu negócio.
“Às vezes, tínhamos R$ 2 mil e encontrávamos uma organização que precisava de R$ 1.500. Não queríamos ficar com essa diferença e a instituição não conseguia fazer um planejamento para usar todo o recurso.”
A empresária, então, conheceu o Instituto Comunitário Grande Florianópolis (ICOM), que apoia indivíduos e empresas a fazerem investimentos sociais de impacto. Juntos, tiveram a ideia de criar, no ano passado, o Fundo Usina do Hambúrguer. “Os recursos da venda de hambúrgueres são repassados para o instituto e, a cada quatro meses, lançamos um edital para causas que vão se alternando entre animais, meio ambiente e pessoas”, explica.
O fundo é administrado pelo ICOM, que também oferece um workshop prévio de elaboração de projetos para as organizações que queiram participar do edital.
“Os três melhores projetos vão para a final. Colocamos urnas na lanchonete com o nome de cada um deles e as pessoas votam em qual deve ganhar o edital. Damos ao público o poder de escolha”, conta a sócia da lanchonete.
Polo catalisador
Além da sociedade na hamburgueria, Talissa agora também é diretora de inovação do próprio ICOM. E é dessa posição que ela faz um diagnóstico do terceiro setor em Florianópolis.
“Ainda há muitas organizações que só têm recursos para tocar o dia a dia e não conseguem se planejar para o longo prazo. A ideia de que as pessoas do setor possam ganhar bem ainda é um tabu. Para muita gente, ONG é algo com o que você só se envolve no tempo livre. Precisamos mudar isso.”
E, mais uma vez, Talissa pretende colocar a Usina do Hambúrguer como um polo catalisador de transformações. “Estamos abrindo uma segunda unidade, maior, e queremos promover ali debates que sejam importantes para fortalecer as organizações locais.”
Pequenos negócios muitas vezes acham que são capazes apenas de investimentos sociais mais tímidos, que não causam impacto relevante. Por isso, Talissa e o ICOM estão também desenvolvendo um novo fundo.
“A ideia do Impact.e é juntar 30 pequenos negócios que doem mensalmente, potencializando, assim, a força de seus investimentos sociais. Já temos 10 empresas comprometidas. Quando conseguirmos as outras 20, vamos lançar o novo fundo”, anuncia.