Nas últimas décadas, especialmente após o período de redemocratização, a atuação das organizações da sociedade civil tem aumentado no país. Dados do Mapa das OSC mostram que o Terceiro Setor possui mais de 815 mil organizações sociais registradas em diferentes áreas, como cultura, defesa de direitos humanos, proteção animal, saúde, educação e esportes. A relevância dessas organizações ficou mais evidente com a pandemia da Covid-19, na qual ocorreram ações emergenciais em comunidades de todo país.
Além desse valor intangível, o Terceiro Setor é composto por muitas atividades econômicas, com cadeias produtivas próprias e geração de emprego, influenciando o cenário de gastos públicos e privados. Uma pesquisa inédita realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) investigou a relevância econômica do Terceiro Setor para a realidade brasileira. Denominada A importância do Terceiro Setor para o PIB no Brasil, a iniciativa tem o objetivo de incentivar reflexões sobre lacunas e oportunidades de fortalecimento do setor de impacto no país.
O estudo foi liderado pelo Movimento por uma Cultura de Doação, coordenado pela Sitawi Finanças do Bem e recebeu o apoio de várias organizações e indivíduos como o diretor-executivo da ABCR, Fernando Nogueira, e a presidente da ABCR, Marcia Woods. Foi constatado que o Terceiro Setor que contribuiu com 4,27% do PIB brasileiro, montante equivalente a R$ 423 bilhões em 2022, e é responsável por mais de 6 milhões de postos de trabalho, o que corresponde a 5,88% dos empregos no país. A contribuição econômica do setor pode ser comparada com o setor de agricultura, que tem uma participação de 4,57% no PIB.
O Terceiro Setor também gera R$86,4 bilhões anuais em remuneração (salários + contribuições sociais) divididos em: R$ 34,1 bilhões na área da saúde, R$22,3 bilhões na área de educação, R$ 5,8 bilhões em atividades artísticas e R$ 24,2 bilhões em outras organizações associativas.
Da esquerda para a direita: Carola Matarazzo (Movimento Bem Maior), José Luiz Egydio Setúbal (FJLES), Camila Escudeiro (IPEA) e Leonardo Letelier (Sitawi)
“Esta é a linguagem do sistema capitalista: o quanto contribui para a economia, quantas ocupações gera. Como há métricas tradicionalmente aceitas sobre essa máquina, é importante que a conversa se dê dessa forma. O estudo também é importante para desmistificar um pouco a imagem do setor social, que não se trata de amigos fazendo uma rifa, o que também acontece, mas não é só isso”, destaca Leonardo Letelier, CEO da Sitawi Finanças do Bem.
“Se você olhar as desigualdades do Brasil, os problemas não serão resolvidos assim, mas com profissionalismo. Esta forma de falar sobre o Terceiro Setor ajuda a melhorar sua imagem. Acredito que teremos mais sucesso se formos vistos como profissionais que trabalham para o benefício público em vez de voluntários de fim de semana em uma creche porque não se trata somente disso”, prossegue.
Letelier acredita que o estudo também pode melhorar o desenho de políticas públicas, pois traz mais informações e visibilidade sobre a área de impacto. A pesquisa também simula as consequências da remoção do Terceiro Setor nos estados brasileiros. Os maiores impactos ocorreriam em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais para os três indicadores analisados: valor adicionado, ocupação e valor de produção.
Em valores absolutos, se pegarmos a pesquisa de insumo-produto do IBGE de 2015, a última disponível pelo órgão governamental, para a variável de valor adicionado (PIB), a ausência do Terceiro Setor acarretaria, naquele ano, uma queda de R$ 85,2 bilhões no estado de São Paulo, R$ 25,7 bilhões no Rio de Janeiro e R$ 20,3 bilhões em Minas Gerais. Com relação à variável de ocupação, também levando em conta a base de dados de 2015, ocorreria uma diminuição de 1,8 milhão de postos de trabalho em São Paulo, 760,3 mil postos de trabalho em Minas Gerais e 589, 4 mil postos de trabalho no Rio de Janeiro. Já em relação ao valor de produção, haveria uma redução de R$ 157,6 bilhões no estado de São Paulo, R$ 48,4 bilhões no Rio de Janeiro e R$ 35,1 bilhões em Minas Gerais.
Dentro dessa cadeia de impacto social, os captadores de recursos são a força-motriz das instituições. Com seus conhecimentos, planejam uma série de ações e estratégias para arrecadar os recursos necessários para a manutenção das OSCs. Quanto maior a profissionalização da área de captação de recursos de uma instituição, mais chances de colher bons resultados, pois o setor também deve estar preparado para planejar o futuro e atravessar períodos de crise.
“O papel do captador de recursos no setor social é igual ao papel do comercial numa empresa. Sem ele, a empresa não vende e não existe. Se a organização não capta, também não existe”, observa Letelier, acrescentando que os resultados da pesquisa podem corroborar a argumentação dos captadores.
Para ele, a mensuração econômica do Terceiro Setor não substitui outras narrativas usadas para a arrecadação de recursos, mas abre outras possibilidades: “Agora é possível falar de aspectos diferentes que não eram abordados antes e com diversas pessoas com as quais não conseguíamos dialogar porque não havia uma argumentação interessante para continuar a conversa”.
Além de somar dados às argumentações dos captadores, a pesquisa pode trazer argumentos mais sofisticados para um recurso escasso: as doações irrestritas que, ao contrário das doações restritas, podem ser utilizadas conforme a conveniência das instituições. Com isso, as organizações ganham mais autonomia para custear despesas operacionais, investir no desenvolvimento da equipe e em outras demandas internas.
“Agora há elementos para criar um argumento melhor para isso. Quem doa porque é movido pela urgência e pela necessidade do beneficiário final continuará doando. A pesquisa não muda essa realidade, mas abre uma porta para doar também para que a máquina seja mais eficiente”, esclarece Letelier.
Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas