A realidade financeira das organizações da sociedade civil que atuam nas periferias do país é permeada por muitas barreiras: 31% delas sobrevivem com menos de R$ 5 mil por ano e, em 89%, as equipes gestoras possuem outros postos de trabalho, apontam os dados da Pesquisa Periferias e Filantropia – As barreiras de acesso aos recursos no Brasil, realizada pela Iniciativa PIPA, que atua para democratizar os recursos filantrópicos e privados, em parceria com o Instituto Nu, uma iniciativa de impacto social do Nubank.
O mapeamento inédito constatou que aproximadamente 34% das iniciativas possuem de um a cinco membros no desenvolvimento dos projetos, 25% são compostas por cinco a 10 membros e aproximadamente 15% contam com 10 a 15 pessoas. Apenas 13% contém mais de 30 membros. Os números mostram a sobrecarga de tarefas nas organizações, nas quais constantemente uma pessoa acumula duas ou mais funções.
Os trabalhadores da linha de frente dos projetos são majoritariamente pessoas negras (74%) e mulheres (68%).“As principais lideranças à frente das periferias são mulheres negras. Entendendo essa realidade, é muito importante que a filantropia contribua para a existência e o trabalho dessas mulheres. Se 89% das equipes gestoras das organizações possuem um duplo emprego, as pessoas da periferia já partem para uma dupla jornada. Se forem mulheres é uma jornada tripla e, se forem mães, é uma jornada quádrupla”, afirma Gelson Henrique, coordenador-executivo da Iniciativa PIPA.
Além disso, 58% das organizações são formadas apenas por voluntários e somente 16% não possuem voluntariado. O estudo mostra que isso é fundamental para manter a manutenção das instituições, mas gera limitações na captação de recursos, pois os voluntários dedicam-se a outras atividades para sobreviver e não podem atuar exclusivamente nas organizações. Outro dado preocupante é que os voluntários precisam frequentemente usar os próprios recursos para colocar em prática as ações dos projetos sociais.
De acordo com a pesquisa, 52% das organizações não possuem CNPJ, um dos critérios exigidos para captar recursos. Ainda que saibam a importância de um CNPJ ativo e tenham interesse em obtê-lo, as OSCs não conseguem a formalização porque possuem uma equipe enxuta para lidar com várias questões. Embora as periferias sejam estratégicas para o avanço democrático, esse panorama de precariedade é retroalimentado pelas desigualdades nas condições de acesso a financiamentos.
Equipe da Iniciativa PIPA com os pesquisadores das 5 regiões / Foto: Rômulo Ferreira
“A pesquisa é um instrumento de incidência para mostrar a realidade com o objetivo de que doadores repensem as práticas do financiamento de recursos e a construção de relações. Essas organizações são históricas, trabalham há muito tempo e têm confiança territorial”, pontua Gelson, observando a necessidade de uma filantropia de confiança, na qual os doadores disponibilizem recursos sem restrições para que as OSCs os utilizem conforme seus objetivos e necessidades.
A Iniciativa PIPA ressalta que é preciso repensar todo o ecossistema do investimento social privado e filantrópico no país, estabelecendo critérios de financiamento mais inclusivos para que localidades marginalizadas consigam garantir direitos básicos. O estudo observa a necessidade de refletir sobre novas modalidades de acesso ao financiamento e de desburocratizar esses processos para que pessoas negras, mulheres, LGBTQIAP+ e periféricas sejam colocadas no centro das estratégias de transformação.
O levantamento mostrou ainda que as principais fontes de financiamento dessas instituições são: editais (32,9%), doações individuais (24,1%) e recursos próprios (23,7%). A participação em editais está vinculada a uma série de etapas como uma leitura atenta, organização de documentos, atualização de portfólios, entre outras, que aumentam o número de barreiras para conseguir o financiamento.
O estudo mostrou que 95% das instituições têm dificuldade de acesso ao financiamento de projetos. O problema não acontece pela falta de expertise em editais ou no processo de formalização, mas pela ausência de pessoas e recursos dedicados a isso. Segundo Gelson, a Iniciativa PIPA tem refletido sobre alternativas para de financiamento que contemplem a vivência das OSCs que atuam na periferia.
“Estamos trabalhando bastante para pensar sobre modelos inclusivos de financiamento e para produzir novas ferramentas. Precisamos investir e pensar em doações diretas. A lógica digital é muito complicada, 32,9% das organizações captam via edital, só que 24,1% captam através de doações individuais e 23,7% são recursos próprios. Acho que a principal lógica que precisamos repensar é entender a agenda desse recurso e como isso pode impactar essas realidades, colocar as periferias nas tomadas de decisões”, finaliza.
Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas