Imagine transformar datas especiais como aniversários, casamentos e bodas em oportunidades para arrecadar doações para organizações da sociedade civil. A prática tem sido cada vez mais usada por pessoas físicas, que estimulam amigos e familiares a realizarem doações para instituições em vez de comprar presentes. O potencial dessa ação também é perceptível para as organizações, que divulgam o ato solidário em seus sites e incentivam novas formas de captar recursos.
Um exemplo é a plataforma Presente Consciente, que visa aumentar a cultura de doação no Brasil, transformando o dinheiro que seria gasto em presentes materiais ou experiências em captações para 30 organizações parceiras. A iniciativa foi criada em 2013 pela advogada Ana Clara Schulman e por Tamara Rothstein, que trabalha no Instituto Nacional de Câncer (INCA).
Inspirada pela sua atuação como captadora de recursos de uma instituição beneficente, Tamara teve a ideia de desenvolver uma maneira de presentear com doações. Ambas estudaram, montaram o negócio e lançaram a plataforma, cujo objetivo sempre foi duplo: ajudar organizações sociais e estimular o consumo consciente, estabelecendo uma ponte entre as pessoas que querem fazer doações e o Terceiro Setor. A proposta é trocar os bens materiais por arrecadações que mudarão vidas e não resultarão em um acúmulo de embalagens e lixo. A partir desses pequenos gestos, cada pessoa assume o cuidado com o outro e com o mundo em vez de esperar sempre por soluções externas.
Isso funciona por meio de vales-doação chamados de FeliciCards. Quem quer fazer uma Festa Consciente deve entrar no site, escolher uma das instituições parceiras para receber doações (é possível escolher até duas instituições), montar uma página personalizada e pedir FeliciCards de presente aos convidados. O valor mínimo para cada vale-doação é de 30 reais. Outra possibilidade é o FeliciCard Surpresa, que independe de comemorações. Quem quer presentear de uma forma diferenciada oferece o cartão, define a instituição, faz o pagamento e o presenteado recebe o FeliciCard por e-mail. Dessa forma, o presente é também um convite ao engajamento nas causas sociais.
Um dos aspectos mais interessantes é o efeito multiplicador das festas solidárias, pois os convidados adotam a prática em suas próprias comemorações: “O anfitrião tem um poder mobilizador enorme, atingindo pessoas que talvez não sejam ligadas à filantropia, não tenham o hábito de doar e talvez nunca tivessem ouvido falar daquela ONG que está sendo ajudada ali. Ao optar por trocar os presentes por doações, ele está chamando a sua rede de amigos e familiares para participar, engajando outras pessoas. E ambos (quem ganha e quem recebe o cartão) sabem quanto foi desembolsado no presente. Isso é pra ajudar a acabar com a noção de que doação tem que ser discreta, de que quem conta para os outros quer se promover. Pelo contrário, contar ajuda a engajar”, destaca Ana.
As organizações beneficiadas também podem explorar esse nicho dos presentes e datas comerciais como oportunidades para a captação de recursos e ganham mais um canal de captação à sua disposição, diversificando ainda mais a área. Em quase uma década, a Presente Consciente promoveu mais de 1400 festas conscientes, enviou 13 mil FeliciCards e 13 mil doações únicas. Na lista das instituições parceiras, há causas socioambientais e em defesa da proteção animal. Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), Ação Animal, Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), Doutores da Alegria, Fundação Dorina Nowill e Habitat para a Humanidade Brasil são algumas delas.
Após as comemorações, os anfitriões da Presente Consciente têm acesso a um relatório detalhado que mostra quanto cada convidado doou, as instituições recebem as doações e todos recebem um agradecimento. “Antes de criarmos a Presente Consciente, isso acontecia de forma muito amadora e pontual no Brasil. Muitas vezes, a pessoa dava uma festa e colocava uma urna para recolher doações, mas não tinha controle sobre o que ocorria depois. Nós nos baseamos em alguns negócios que existiam fora do país. Um dos objetivos principais é promover a cultura de doação, que ainda é muito fraca no Brasil e tem diminuído, não é algo consolidado no país. As doações de pessoas físicas são muito difíceis porque precisam de muito volume para gerar eficiência”, explica Ana.
A maioria das festas realizadas no site são aniversários de adultos, mas também há muitas comemorações infantis. O site também já realizou aniversário de 15 anos, casamentos, bodas e bar mitzvá (cerimônia judaica que ocorre quando os meninos completam 13 anos).
A prática também possui vantagens para os anfitriões e os convidados, que podem realizar tudo on-line. Ninguém precisa ir às lojas ou trocar presentes que não serviram. O ticket médio é definido com mais liberdade pelo comprador e não existem embalagens, plástico ou lixo.
“Há também o resgate da pessoalidade, já que o comprador para cinco minutinhos ali pra escrever algo bacana e simpático que o presenteado pode guardar. Sempre fico imaginando esse momento em que o presenteado recebe os FeliciCards por e-mail e lê aquelas palavras que foram pensadas para ele, é uma delícia. Essa prática de escrever um cartão é deixada meio de lado hoje em dia apesar de ter um valor enorme. Me remete às caixas de recordações que a gente guarda da infância e da adolescência, com fotos, cartinhas e bilhetinhos especiais de pessoas queridas”, finaliza Ana.
Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas.