Imagine comprar um produto que terá uma parcela do lucro revertida para apoiar uma causa social ou ambiental. É justamente esta a proposta dos produtos sociais, uma prática que alia consumo à cultura da doação, unindo marcas, organizações da sociedade civil e consumidores com o propósito de promover impactos positivos na sociedade.
“Notamos que há uma boa oferta de produtos sociais no mercado, especialmente quando falamos de grandes marcas. Também vemos diferentes setores da economia representados, com destaque para o setor de moda, bebidas e alimentos, respectivamente. Nossa série histórica ainda é pequena, com 2 edições realizadas, mas pela experiência da Editora MOL, que já trabalha há 15 anos com produtos sociais, não testemunhamos ainda uma explosão dessa oferta, que parece bem constante ao longo do tempo. Ainda é preciso popularizar essa solução e divulgar os bons cases”, avalia Vanessa Henriques, gerente executiva do Instituto MOL.
Segundo o Guia MOL de Produtos Sociais, elaborado pelo Instituto MOL, os produtos sociais devem ter uma cadeia de produção ética, que prioriza o respeito pelo fornecedor, produtor, instituição e consumidor. A preocupação com o impacto ambiental e com a diversidade de pessoas envolvidas também são aspectos muito relevantes.
O Guia esclarece que a criação do produto social deve ser ambientalmente correta, socialmente justa, economicamente viável e culturalmente diversa. Já a venda deve gerar renda e oportunidades, valorizar o comércio justo, democratizar acessos e engajar pessoas.
Conhecidas como ‘’compre-e-doe’’, essas mercadorias assumem diferentes modalidades. Há doações de parte do lucro arrecadado de um produto desenvolvido para auxiliar uma causa, comercialização de produtos sociais feitos por organizações da sociedade civil, doação de um percentual da venda de produtos que já estão no mercado para uma organização, doações transacionais (quando uma transação financeira com determinado meio de pagamento gera doação sem envolver a criação de um produto), entre outras possibilidades. A periodicidade também pode ser fixa ou sazonal, em datas ou ocasiões específicas.
Segundo Vanessa, trata-se de uma boa estratégia de captação de recursos : “Vivemos em uma sociedade capitalista e consumista, estamos sempre adquirindo algum produto. Mas não estamos sempre doando, faltam convites para que essas duas coisas se unam. O produto social chega justamente para introduzir o hábito da doação em uma prática cotidiana, de uma mercadoria que você provavelmente já compraria”.
“Ainda existem poucos dados sobre o assunto, mas a pesquisa TIC Osfil, que investiga o uso da tecnologia por parte das OSCs, aponta que 24% das organizações vendem produtos e serviços como fonte de captação de recursos. Mais do que a arrecadação, que obviamente é importante, creio que um dos principais ganhos de fazer um produto social é poder apresentar o trabalho da organização para um público mais amplo”, continua.
Ela enfatiza que não existe uma fórmula para todas as organizações, mas existem muitos modelos para serem testados, desde soluções simples (como um valor revertido em doação atrelado ao lucro da venda de um produto regular, sem um rótulo diferente ou caráter de edição especial) e complexas (como a criação de um NFT que gera doação para uma organização).
Para Vanessa, inicialmente, a organização deve decidir se trabalhará com produtos sociais de maneira solo ou em parceria. Ela explica que as organizações precisam compreender a capacidade das suas estruturas antes de embarcar no tema. Para decidir qual solução será adotada, a instituição precisa ponderar se é capaz de produzir e comercializar um produto diretamente, se possui uma estrutura de escoamento e logística. Caso esta não seja a realidade da instituição, existem parceiros comerciais que podem viabilizar essa parte do negócio.
Este é o momento de investir em relacionamentos e procurar parceiros com credibilidade, apresentando informações para embasar as vantagens da parceria.
“Tem alguma marca que já doa para a organização que poderia te apoiar nessa empreitada? Alguém que possa te colocar em contato com uma grande empresa que está querendo apoiar justamente a causa com que você trabalha? É preciso movimentar essas redes em busca de parceiros. É importante ter um discurso afiado sobre as vantagens da empresa embarcar no projeto: leve dados e ofereça contrapartidas de imagem, que possam interessar ao parceiro”, sugere.
“A venda de qualquer produto atende a uma lógica comercial: não adianta vender algo que as pessoas não queiram ou não vejam utilidade. A gente sempre gosta de falar que o produto social não precisa ter cara de brinde, pode ser algo sofisticado, ou mesmo útil, sem ser banal. Assim ele entra na vida do consumidor, e reforça seu propósito. O preço também é sempre um item importante a ser levado em conta: quero ganhar escala na quantidade ou no valor unitário? Não tem resposta certa ou errada, vai da natureza do produto e da marca que o está criando”, observa.
Outro ponto de atenção é a relação entre a causa e o perfil da empresa ou da organização. Se for uma marca de meio de pagamento, faz sentido pensar em um produto social ligado ao uso do cartão de crédito ao invés de comercializar camisetas, por exemplo. Por outro lado, se a marca apoia mulheres e dialoga com elas ou deseja se aproximar desse público, um produto sazonal durante o Outubro Rosa pode ser interessante.
Além de comerciais, os produtos devem ser úteis e, preferencialmente, criativos, destacando a mensagem da causa e atraindo mais doações. “Se a organização estiver disposta a fazer esse investimento (ou, por exemplo, vai usar uma doação de produto e reembalar com a sua logomarca) e tiver estrutura para vender os produtos (ou encontrar redes no varejo que possam fazer isso), ou seja, se a estratégia está bem formulada, é hora de partir para a criação! Pense em produtos úteis e estilosos, que tragam frescor para a abordagem da sua causa, e reforcem uma mensagem importante. Quanto mais criativa a ideia, mais o seu produto se destaca na gôndola, e mais doação é gerada”, aponta.
A comunicação é parte fundamental na estratégia de divulgação do produto. Quando há parcerias entre marcas e organizações, elas podem e devem trabalhar sua base de clientes/doadores, contando a novidade e incentivando a compra. Isso pode ser feito via redes sociais, newsletters/email marketing e até mesmo no boca a boca. Postagens colaborativas no Instagram, por exemplo, podem ampliar a base de seguidores que possam ter contato com o material.
O problema, segundo Vanessa, é a interrupção do diálogo com o público. “Vemos na execução do Guia muitos produtos que ganham um post de divulgação quando são lançados, e depois não encontramos mais nenhuma informação a respeito dele. É preciso insistir no tema, contar sobre o avanço das vendas e também depois prestar contas sobre o valor arrecadado. Essas ações aproximam o doador-consumidor da iniciativa, e aumentam as chances de ele indicar para conhecidos e também voltar a consumir numa nova edição”, diz.
A Vocação – organização que promove educação e garantia de direitos para crianças, adolescentes e suas famílias e gera oportunidades de qualificação técnica e conexões de trabalho e renda para jovens em todo o Brasil – decidiu trabalhar com produtos sociais em 2011. Antes, a organização vendia cartões de Natal, mas, com o passar do tempo, foi necessário encontrar uma alternativa para substituir a operação.
Nascia ali o Brinde do Bem, uma plataforma de brindes corporativos criada para financiar os projetos sociais da organização. Com um amplo portfólio de produtos que inclui desde calendários e bolsas a kits para caipirinha e datas especiais como Dia das Mães, Outubro Rosa e Novembro Azul, o Brinde do Bem oferece a opção de customização dos produtos. Em 10 anos, a iniciativa conseguiu um faturamento de cerca de R$ 12 milhões, sendo que o lucro (de R$ 2 milhões) é revertido para as ações da Vocação.
“Sempre valorizamos a questão do recurso direto livre e sempre tivemos essa cultura. Essa estratégia tem se mostrado vencedora ao longo dos anos, as empresas diminuíram muito as doações diretas e foram migrando para uma mobilidade de recursos incentivados, que são mais limitados e nem sempre ocorrem no momento certo”, observa Josmael Castanho, diretor de Operações e Finanças da Vocação.
Josmael conta que o Brinde do Bem recebe mais de 3800 pedidos por ano e oferece a primeira oportunidade profissional para jovens assistidos pelo trabalho da Vocação, retroalimentando um ciclo contínuo de transformação social.
Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas.