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Profissionais do Terceiro Setor revelam preocupação com saúde mental, sobrecarga de trabalho e desvalorização, aponta pesquisa

Mais da metade (55%) dos profissionais do Terceiro Setor expressa alguma preocupação ou insatisfação com sua saúde mental e bem-estar. Esta é uma das principais conclusões da pesquisa Saúde Mental e Bem-Estar no Terceiro Setor, realizada pela Phomenta, negócio de impacto social que fortalece OSCs e seus empreendedores, durante os meses de agosto e setembro deste ano com 842 pessoas de todo o país. As descobertas lançam luz sobre um tema delicado e expõem um cenário extremamente preocupante para o setor que necessita urgentemente de intervenções, suporte e recursos para solucionar o problema.

A pesquisa revelou que 38% dos respondentes classificaram sua saúde mental como regular e 17% como ruim. Os dados estão estreitamente relacionados com um estudo feito em 2023 por pesquisadores do The Wellbeing Project e da BID lab, que investigou o Bem-estar e a Saúde Mental de empreendedores sociais de alto impacto da América Latina e no Caribe: foi constatado que seis em cada 10 (60%) dos participantes da pesquisa tinham sintomas de burnout moderado e 3 em cada 10 (30%) e severos sintomas de mal-estar psicológico.

Mulheres

De acordo com a Phomenta, as mulheres, que formam 65% da força de trabalho no Terceiro Setor (Ipea, 2018), demonstraram mais preocupações com sua saúde mental e bem-estar em comparação com seus colegas homens. Quase seis em cada 10 (60%) delas expressaram algum nível de preocupação com o assunto, enquanto menos da metade dos homens (45%) teve percepções semelhantes.

Quando há recorte dos dados por cor, raça e etnia, há diferenças ainda mais acentuadas. Entre as mulheres que se identificam como pretas ou pardas, 62% avaliaram sua saúde mental como “regular” ou “ruim”. Já 57% das mulheres brancas, 48% de homens pretos e pardos e 42% dos homens brancos fizeram a mesma avaliação. Essa diferença ocorre devido à susceptibilidade ao assédio, à violência, ao preconceito e à divisão desigual de tarefas que as mulheres, especialmente pretas e pardas, enfrentam em seu cotidiano e no Terceiro Setor.

Jovens

As distinções em relação à idade também ficaram evidentes. Os jovens de 18 a 24 anos e de 25 a 34 anos destacaram-se por expressar mais preocupações com uma proporção maior de respostas classificando sua saúde mental como “regular” ou “ruim” (69% e 70%, respectivamente). 

Estudos do Instituto Cactus conduzidos em 2023 relataram resultados parecidos, afirmando que “quanto mais jovem, menor o índice de saúde mental”. Os jovens de 16 a 24 anos obtiveram uma pontuação referente à saúde mental menor que da média nacional (635), com 534 ICASM, seguida pela faixa etária de 25 a 34 anos, com ICASM de 566, igualmente abaixo da média.

Em um artigo escrito para o jornal Estado de São Paulo, o Ph.D. Joel Rennó Jr., professor do Departamento de Psiquiatria da FMUSP, em artigo para o jornal Estado de São Paulo, ressaltou que os períodos da pandemia e do pós-pandemia “têm se destacado por problemas de saúde mental entre os jovens. Alguns fatores de resiliência como os vínculos sociais, escola ou universidade e prática de atividades físicas foram deixados de lado durante o período de confinamento. No mundo todo, jovens se queixam de solidão duas vezes mais do que em outros grupos etários. Automutilação e ideações suicidas também aumentaram entre os grupos jovens”.

A pesquisa destaca que os sofrimentos dos jovens podem ser agravados quando relacionados diretamente às condições de trabalho nas ONGs. Para outras faixas etárias, com idade superior a 45 anos, nota-se uma melhoria na percepção da saúde mental, especialmente na faixa de 45 a 64 anos, o que pode ser atribuído à experiência acumulada e a uma possível estabilidade alcançada tanto na esfera profissional quanto pessoal. 

Surpreendentemente, na faixa dos 65 anos ou mais, apesar de existir um número menor de participantes do estudo, nenhum relatou saúde mental “ruim”, sugerindo uma combinação de aprendizados ao longo da vida, capacidade de enfrentar e superar desafios e diferenças geracionais.

Trabalho voluntário e compromisso com a causa

Algumas pessoas afirmaram trabalhar de forma voluntária. Embora parte delas tenha manifestado o desejo de receber um salário, a maioria demonstrou compreensão em relação às dificuldades financeiras que suas organizações enfrentam. Esse compromisso com a causa e a missão da organização é admirável, mas a ausência de remuneração tem consequências práticas e alguns voluntários precisam atuar em uma segunda organização ou em outros trabalhos remunerados para complementar a renda. 

O trabalho voluntário é fundamental para muitas organizações, mas pode representar pressão adicional sobre os indivíduos, especialmente se eles não possuem outras fontes de renda ou enfrentam dificuldades financeiras

Poucos recursos e muito trabalho

Os dados sinalizam um panorama que Rodrigo Alvarez, sócio diretor da Mobiliza Consultoria, empresa especializada em mobilizar recursos para organizações sem fins lucrativos, resumiu com uma frase simples: poucos recursos e muito trabalho. 

‘’Em nome de trabalhar pelas causas, a gente acaba aceitando certas condições e questões que trazem a situação que temos hoje. O modelo de financiamento para o Terceiro Setor é um modelo que desvaloriza a importância do que a gente chama de desenvolvimento institucional”, afirmou Alvarez durante a live de lançamento da pesquisa no Youtube da Phomenta.

Isso fica explícito com os 63% de respondentes que classificaram sua saúde mental e bem-estar como ‘’regulares’’ ou ‘’ruins’’ e que destacaram o impacto da baixa remuneração sobre isso. As mulheres são as mais prejudicadas, 61% das participantes não se sentem adequadamente remuneradas por suas funções.  Além da correlação entre remuneração e saúde mental, que não pode ser ignorada, os participantes relataram sobrecarga de trabalho e ansiedade em relação ao futuro, especialmente no que diz respeito à aposentadoria e à capacidade de sustento na velhice. 

Este temor é exacerbado pela natureza precária de alguns contratos, como o MEI, que não proporciona as mesmas garantias que um contrato CLT e os projetos com duração anual, que não trazem previsibilidade sobre emprego no ano seguinte.

Principais fatores de estresse

No ambiente de uma OSC, há muitos desafios. O “excesso de demandas e tarefas” é o principal estressor segundo os profissionais envolvidos na pesquisa, tendo sido mencionado por 64% dos respondentes.Trata-se de uma realidade na qual os trabalhadores muitas vezes se encontram sobrecarregados, enfrentando múltiplas tarefas e responsabilidades que vão além de suas capacidades e horas de trabalho.

Em segundo lugar, está a “falta de recursos adequados”, com 50% das menções, o que sugere que, frequentemente, os trabalhadores do Terceiro Setor sentem-se limitados, não apenas pelo volume de trabalho, mas também pela falta de ferramentas, financiamento ou apoio para realizar suas atividades de maneira eficaz. 

Outros fatores mencionados pelos entrevistados mostram as pressões externas e internas que os profissionais enfrentam. Declarações como: “É preciso ter uma estrutura psicológica forte para não se deixar abater vendo a necessidade do meu povo e não poder fazer nada para ajudar”, “Alunos doentes e minha sensação de impotência em poder ajudar” e “Temas muito urgentes, como emergência climática e cenário político-econômico desafiador” evidenciam a complexidade dos sentimentos de muitos profissionais do setor.  

Os principais sintomas de estresse sentidos diariamente são: ansiedade (77%), exaustão física (64%) e insônia (47%). Os sentimentos relacionados às preocupações foram irritabilidade (66%), preocupação constante (65%) e nervosismo (43%), sendo estes ligados a sintomas de quadros de estresse.

Falta de reconhecimento, falhas de gestão e uso de ansiolíticos

Houve declarações sobre a falta de reconhecimento, demandas urgentes de última hora, baixa colaboração, mostrando a falta de uma estrutura de gestão interna, bem como ausência de suporte e preparação dos líderes. A pesquisa salientou a necessidade de um suporte emocional mais adequado de estratégias de enfrentamento para aqueles que trabalham com OSCs. 

Outro fator que chama a atenção é o desequilíbrio entre vida pessoal e profissional, citado por 36% das pessoas e que pode, com o decorrer do tempo, causar exaustão, burnout e outros problemas de saúde mental e física. Como alternativas para lidar com esses problemas, o uso de medicamentos como calmantes e ansiolíticos é adotado por uma em cinco pessoas (20%). Além disso, uma em cada quatro pessoas (25%) utiliza esses medicamentos esporadicamente. 

Percepção sobre atuação das organizações dentro da temática

Mais de 70% dos participantes afirmaram não perceber ações intencionais de suas organizações para promover o bem-estar dos colaboradores. Isso não apenas sugere que muitas entidades não possuem iniciativas para isso, como também que as ações existentes não são percebidas como intencionais ou eficazes.

Quando os participantes citam intervenções como atendimento psicológico, promoção de espaços de diálogo, formações e palestras, flexibilidade no trabalho, momentos de confraternização e lazer e benefícios adicionais, destacam que, apesar de existirem essas práticas, existem dificuldades de alterar o modo de trabalho dentro das organizações.

“É muito complexa a situação, porque vejo um esforço da instituição em propor e realizar ações de descompressão, formações e falar sobre saúde mental, mas a sobrecarga de demandas, acúmulo de funções, pressão e exigências continuam e não ajuda a saúde mental de ninguém”, afirma uma respondente.

Clique aqui para acessar a pesquisa na íntegra

Cuidar da saúde mental de profissionais do Terceiro Setor requer um olhar humanizado em relação a todos os envolvidos. Veja algumas dicas para aumentar a qualidade de vida dos colaboradores da sua organização

Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas.

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