Nesses tempos de profissionalização do setor social, é comum encontrar ONGs que anunciam publicamente suas vagas de emprego, descrevendo a posição e listando exigências cada vez maiores para os candidatos. Uma olhada nos sites de vagas de terceiro setor não deixa dúvidas: um dos principais perfis em procura é o de captador de recursos. O candidato ideal tem que ser criativo, motivado, bem-relacionado, experiente, saber captar de diversas formas em muitas fontes diferentes. As exigências são muitas, nem sempre proporcionais às condições de trabalho oferecidas.
Mas e se esse jogo se invertesse? O que um bom profissional de mobilização de recursos pode esperar de uma boa organização? Como reflexão, aqui está a descrição de uma organização ideal. O foco aqui não é a missão da organização ou sua causa: todas são igualmente importantes, ainda que para alguns temas seja mais fácil captar do que para outros. A proposta é discutir, mais diretamente, o que está ao alcance da gestão da ONG.
A ONG ideal tem conselheiros que agem como guardiões da missão e da ética na organização, evitando possíveis conflitos e fraudes que prejudiquem a reputação da entidade. Eles também doam e ajudam a abrir portas com sua rede de contatos, sempre que possível. Finalmente, um conselho ideal ajuda a direção a criar um planejamento estratégico consistente. Isso possibilita que a captação também se planeje numa perspectiva mais ampla, separando demandas urgentes de ações que deem frutos no longo prazo, mas que precisam começar o quanto antes!
Aqui há dois principais focos: dados e custos. Uma gestão bem organizada possibilita a sistematização das atividades e processos da ONG, tanto para suas áreas administrativas como para as áreas fins. A disponibilidade de dados e estatísticas confiáveis ajuda tanto no planejamento como na comunicação do captador, além de favorecer uma cultura de memória organizacional (evitando situações constrangedoras para o novo captador: “vocês já me pediram dinheiro no mês passado e eu já disse não!”). Um bom sistema de gestão também favorece uma cultura de acompanhamento e controle de custos. Dessa forma, é possível aproveitar melhor os recursos captados com muito esforço, fazendo cada real valer mais e tirando um pouco da pressão sobre o captador!
Sem apoio explícito e constante da liderança da organização, a vida do captador fica bem mais difícil. É preciso que o diretor executivo saiba que boa parte do seu tempo deve ser dedicado à captação, seja no planejamento ou no relacionamento com doadores. Como principal profissional pago da organização, há um tipo de credibilidade e legitimidade que só essa pessoa tem. Além disso, é a liderança que supervisiona o captador, sendo necessário saber criar metas (desafiadoras mas realistas), motivar, dar feedback e valorizar a área perante a ONG como um todo.
A maior parte dos especialistas em mobilização de recursos garante que relacionamento é um fator chave do trabalho do captador. Isso é verdade para todos os públicos da organização: doadores, potenciais doadores, parceiros, funcionários, imprensa, voluntários, fornecedores, comunidade, etc. Um bom relacionamento passa por conexões honestas e transparentes, de respeito e de comunicação contínua. Isso é especialmente verdade quando a ONG tem um público-alvo específico (comunidade, jovens, estudantes, portadores de alguma doença), e não apenas uma causa mais geral. A forma com que a ONG se relaciona com seu público – se é algo mais horizontal, de respeito às suas demandas e necessidades – diz muito sobre a organização para potenciais doadores e parceiros.
Finalmente, é importante que a ONG consiga oferecer condições mínimas de trabalho para o captador e sua equipe. Isso começa em salários dignos e compatíveis com o mercado local, passa por respeito às leis trabalhistas e inclui também um ambiente de trabalho que não favoreça abusos e assédios de qualquer forma (algo fundamental quando há tanta expectativa e pressão sobre o trabalho do captador, cujo sucesso está tão intimamente ligado com a sobrevivência da organização).
É claro que dificilmente um profissional chega numa organização com tudo isso já pronto! Em grande medida, é parte do desafio do captador ajudar no desenvolvimento da organização para que ele também tenha melhores condições de trabalhar. Mas fica a reflexão: antes do próximo grande planejamento de captação (e do estabelecimento de metas agressivas de captação), é fundamental fazer a lição de casa e verificar em quais dos pontos acima sua ONG precisa melhorar. As dificuldades de mobilização de recursos são, muitas vezes, mais um reflexo ou sintoma de outros problemas do que uma deficiência do captador e de sua equipe.