Você viu aqui em Captamos que o Governo Federal, por meio do Decreto nº 11.948/2024, implementou mudanças significativas no Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), visando fortalecer as parcerias entre o setor público e as organizações sociais. Para compreender melhor essas alterações e seu impacto, entrevistamos nesta semana Igor Ferrer, diretor de Parcerias com a Sociedade Civil da Secretaria Geral da Presidência da República.
Liderando a recém-criada diretoria responsável por articular e acompanhar os processos de regulamentação relacionados às organizações da sociedade civil, Ferrer explicou os princípios que nortearam as mudanças no MROSC. Ele destacou três fatores principais que motivaram a revisão.
Os dois primeiros fatores são o contexto político no Brasil em 2016, quando foi publicado o decreto que regulamentou a lei sobre parcerias entre Estado e organizações da sociedade civil, e a falta de avanços na agenda de fortalecimento das parcerias. “Foi um decreto bom publicado em um momento politicamente conturbado do país. O governo federal acabou não conseguindo acompanhar a implementação deste decreto, como ela se daria, quais as dificuldades, as percepções e o que precisaria ser alterado”, afirma Ferrer.
A identificação de boas práticas em estados e municípios foi o terceiro fator apontado pelo diretor de Parcerias com a Sociedade Civil. “Se por um lado a gente não teve avanços pelo governo federal, por outro a gente passou cerca de sete anos assistindo a alguns estados e municípios conseguindo inovar e avançar nessas relações de parceria para a entrega de políticas públicas”. Algumas dessas boas práticas foram incorporadas pelo governo federal este ano. “Nunca foi a nossa intenção revogar o decreto inteiro porque a gente entendia que ele é um decreto positivo do governo da presidenta Dilma, mas ele poderia ter atualizações”.
Em 2023, foi feita a primeira alteração no MROSC por meio do Decreto 11.661/2023, para viabilizar a instalação do Conselho Nacional de Fomento e Colaboração, o Confoco, órgão colegiado de natureza consultiva, integrante da estrutura da Secretaria-Geral da Presidência da República, com a finalidade de divulgar boas práticas e de propor e apoiar políticas e ações destinadas ao fortalecimento das relações de parceria das organizações da sociedade civil com a administração pública federal.
Os membros do Confoco tomaram posse em dezembro de 2023 com 20 representantes de órgãos públicos e 20 representantes de organizações da sociedade civil, entre elas ABONG, Movimento por Uma Cultura de Doação, GIFE e FONIF.
Segundo Ferrer, o governo federal se debruçou por mais tempo na regulamentação geral das parcerias, entendendo que seria necessário escutar organizações, ministérios e estados para chegar a uma atualização que fosse condizente com as necessidades e o fortalecimento das organizações. Segundo Ferrer, com o Decreto nº 11.948/2024 o governo dá mais foco no resultado das parcerias, na eficiência da gestão dos recursos públicos e na fluidez da administração das parcerias.
Uma das principais mudanças destacadas por Ferrer foi a questão da titularidade dos bens. Anteriormente, os bens utilizados nas parcerias eram de propriedade da administração pública, o que gerava morosidade nos processos de doação após a conclusão dos projetos. Agora, em geral, os bens são da organização parceira, cabendo ao governo solicitar exceções quando necessário para a política pública.
Outro ponto relevante mencionado foi a flexibilização nas pequenas adequações nos planos de trabalho, antes dependentes de autorização prévia da administração pública. Agora, até 10% das adequações podem ser feitas sem essa autorização, agilizando a gestão das parcerias. Além disso, há um foco maior no monitoramento e avaliação dos resultados das parcerias, priorizando a análise dos impactos das políticas implementadas.
“Uma grande virada é que a administração pública não tem de exigir mais do da organização parceira a apresentação de um relatório financeiro, porque tudo já está no sistema. A organização pode simplesmente extrair do sistema esse relatório nos momentos em que ela precisar”, acrescenta Ferrer.
Outra novidade é a possibilidade de pagamento das despesas das organizações com a elaboração de projetos, utilizando recursos da parceria. “Isso também a gente entende que é uma grande inovação para fortalecer as organizações, inclusive garantir que organizações menores possam também apresentar propostas mais qualificadas, mais condizentes com os objetivos que estão sendo colocados no edital, e concorrerem de igual para igual com outras organizações”, diz Ferrer. Estão sendo planejadas formações e canais de atendimento on-line para esclarecer dúvidas e orientar as organizações sobre o MROSC.
Quanto às possíveis sanções para organizações que descumprirem as regras da parceria, Ferrer mencionou a previsão de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), o que pode resultar em sanções posteriores. Em relação à abrangência das mudanças trazidas pelo Decreto nº 11.948/2024, Ferrer esclareceu que se aplicam inicialmente à administração pública federal, mas há esforços para influenciar estados e municípios a adotarem práticas similares. Ele citou o exemplo de Sergipe, onde o governo estadual já está revisando seu decreto seguindo as diretrizes federais.
Além das mudanças no decreto, Igor mencionou outros projetos em andamento, incluindo a publicação de um manual do governo federal sobre o MROSC, buscando uniformizar procedimentos e detalhar os processos para maior clareza e eficiência. Outro projeto consiste na retomada do processo de formação de multiplicadores, visando fortalecer as relações de parceria nos territórios e envolver prefeituras e estados.
Outra iniciativa que deve acontecer este ano é o lançamento de um estudo sobre o perfil das parcerias do governo federal, que está em fase final e visa entender quais políticas contam mais com relações de parceria e contribuir para uma melhor compreensão do cenário atual.
“E ainda tem o nosso Seminário Internacional de Parcerias, que já tem data marcada: de 31 de julho a 2 de agosto”, complementa Ferrer. “O grande desafio que a gente tem aqui é retomar o protagonismo do governo federal nessa agenda de parcerias. Não só ele fazer, mas ele olhar de uma forma sistematizada como dar procedimentos, propor inovações para esse processo, vendo as organizações como muito mais que meras executoras complementares da política pública”, finaliza.
Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas