Em 2022, as organizações da sociedade civil enfrentaram muitos desafios no Brasil. Na avaliação de Rodrigo Alvarez, sócio-proprietário da Mobiliza, a turbulência política ganhou um certo respiro com o fim do processo eleitoral, mas os impactos econômicos persistiram ao longo do ano e afetaram os volumes doados. Segundo ele, o cansaço do público em relação aos impactos da Covid-19 também teve efeito de menor engajamento em campanhas humanitárias, apesar dos impactos sociais persistirem nas populações mais vulneráveis.
Do ponto de vista das doações corporativas (com e sem incentivos) houve, por um lado, a consolidação do conceito ESG como ponto positivo e, por outro, um certo conservadorismo das empresas em seus aportes, resultado do momento político e econômico de turbulência e incerteza. E o que profissionais da captação de recursos devem esperar de 2023? Com base na entrevista com Alvarez, elencamos temas que devem estar em alta este ano e as tendências nas estratégias de captação.
Uma grande tendência para acompanhar em 2023 é a pauta antirracista. Um vídeo publicado pela direção dos Médicos Sem Fronteiras, uma das maiores organizações do mundo e uma referência em campanhas públicas de captação de recursos, despertou atenção para a temática. O vídeo mostra uma médica branca e um médico negro da equipe admitindo falhas em suas estratégias de comunicação e nas campanhas mundiais de arrecadação de recursos da organização, que não contam a história completa por trás das tradicionais imagens de médicos brancos salvando crianças negras. O vídeo é uma espécie de mea culpa por anos de imagens que não revelam a diversidade da equipe do MSF e explica como eles estão empenhados em melhorar a representação da diversidade de sua força de trabalho global em suas comunicações.
Pelo poder que o MSF tem de ditar tendências mundiais para campanhas de captação de recursos, essa atitude deve ser seguida por diversas organizações internacionais e brasileiras.
Nos últimos anos, uma causa muito relevante foi o combate à fome. Alvarez acredita que o assunto ainda deve ganhar atenção da filantropia no Brasil. Em 2022, a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) divulgou uma pesquisa sobre fome e insegurança alimentar, mostrando que o Brasil voltou para o mapa da fome e que 33 milhões de brasileiros não têm o que comer. Segundo o estudo, mais da metade da população brasileira (58%) convive com a insegurança alimentar em algum nível. O estudo foi amplamente veiculado na imprensa e esteve presente nos debates eleitorais de 2022. O recém-eleito presidente Lula enfatizou que a prioridade do seu governo será o combate à fome, o que deve colocar o tema ainda mais em evidência.
As mudanças climáticas também devem se sobressair neste ano. Com a volta da participação do Brasil como protagonista da última COP 27 ( 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas) e com o crescimento do desmatamento da Amazônia nos últimos anos, há uma expectativa de que o Brasil volte a liderar o debate sobre o tema. Além disso, países como a Alemanha e a Noruega retomaram investimentos no Fundo Amazônia, cuja finalidade é captar doações para investimentos não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal. Os Estados Unidos também sinalizaram interesse em ser um dos investidores do Fundo.
Pesquisas recentes mostram efeitos devastadores que a pandemia provocou na alfabetização de inúmeras crianças no país. Como o tema da educação é central na filantropia, principalmente na filantropia empresarial, e como o país não avança sem uma educação digna, é provável que a educação pública de qualidade e a recuperação de aprendizagem ganhem mais destaque neste ano.
Quando se trata de captação de recursos com indivíduos, Alvarez destaca algumas estratégias. “Tenho visto um crescimento das estratégias de embaixadores ou peer to peer fundraising, que é uma estratégia que vem crescendo muito e já foi incorporada em muitas campanhas de captação com indivíduos. Ela consiste em mobilizar sua rede de doadores ou amigos para que eles se comprometam com uma meta de doação estabelecida. Algumas plataformas de captação já incorporaram isso, possibilitando que uma página de captação de campanha seja personalizada. Outra coisa interessante dessa estratégia é a possibilidade de criar um ranking de quem mais mobiliza recursos, estimulando uma competição saudável”, afirma.
Ele explica que a estratégia pode ser muito interessante para organizações pequenas e médias, que têm o desafio de ampliar sua rede de relacionamentos. Os embaixadores aumentam o potencial de alcance e aproveitam o enorme potencial de jovens que nem sempre tem condições de doar grandes quantias e são habilidosos para explorar as redes sociais para aumentar o alcance das campanhas.
A segunda tendência que tem ganhado espaço são múltiplas campanhas pontuais ao longo do ano que podem caminhar paralelamente a campanhas de doadores recorrentes mensais. Ao invés de criar uma campanha contínua, que busca mobilizar diversos doadores fiéis, as organizações têm feito múltiplos apelos durante o ano. “O grande objetivo das ONGs que captam recursos com indivíduos é ter uma base de doadores recorrentes, mas cada vez mais o ato de doação costuma ser de menor fidelidade em longo prazo, especialmente com as novas gerações Y e Z, e parece migrar aos poucos para modelos de resposta a apelos imediatos e pontuais para resolver problemas do momento”, aponta.
Outra tendência é a captação com funcionários de empresas. Como o tema do ESG destaca-se cada vez mais no mundo corporativo, o S corresponde ao engajamento social das empresas, que devem incentivar seus colaboradores a serem cada vez mais solidários, por meio de doações a organizações selecionadas pelas companhias, por exemplo, garantindo mais confiança e credibilidade aos funcionários. Esse é o momento de acompanhar as empresas que podem ser potenciais parceiras.
Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas