Por Stephane Sena
A ciência da decisão está revolucionando a forma como as organizações sociais captam recursos, oferecendo uma estratégia que combina psicologia evolutiva, neurociência e economia comportamental. Em entrevista à ABCR, Bernard Ross, um dos principais especialistas no campo e um dos palestrantes das Masterclasses do Festival ABCR, compartilhou suas experiências e explicou como essa ciência pode ser aplicada para aumentar a eficácia das campanhas de captação de recursos.
Por mais de 30 anos, Ross trabalhou com organizações sociais, incluindo Greenpeace International, UNICEF e Médicos Sem Fronteiras. Escreveu oito livros – desde a psicologia da influência até o papel da ciência da decisão na mudança social – e é diretor da =mc Consulting, uma consultoria especializada em estratégias de arrecadação e gestão para o setor sem fins lucrativos.
A ciência da decisão envolve o uso de dados e análises para tomar melhores decisões sobre o cultivo e a administração de doadores. Diferente das teorias tradicionais de tomada de decisão, que presumem que somos animais racionais, a ciência da decisão reconhece que nosso comportamento é frequentemente irracional. Ross começou destacando a importância da psicologia evolutiva para entender o que está por trás da ciência da decisão. “Cada um de nós tem um cérebro de 200.000 anos”, explica. “Mesmo que estejamos usando tecnologias modernas, nossos processos de tomada de decisão são profundamente enraizados em nossa evolução.” Ele ilustra esse ponto com um exemplo simples: “Se você fizer pegadas no chão, as pessoas seguirão. Isso mostra como estamos programados para seguir pistas sociais”.
A neurociência, outra peça fundamental da ciência da decisão, permite que as OSCs entendam quais partes do cérebro são ativadas por diferentes estímulos. Ross menciona o uso de ressonância magnética funcional (fMRI) para medir a atividade cerebral. “Podemos rastrear como certas imagens, mensagens e palavras ativam diferentes partes do cérebro. Por exemplo, a mesma parte do cérebro que é ativada quando você recebe um presente também é ativada quando você dá um presente. Isso é importante na captação de recursos, pois sugere que dar algo primeiro pode incentivar doações”.
A economia comportamental revela que as pessoas são previsivelmente irracionais. Ross explica: “As pessoas não tomam decisões baseadas apenas em lógica. Elas são influenciadas por emoções e subconscientemente respondem a diferentes estímulos”. Ele exemplifica isso com o conceito de reciprocidade: “Se eu lhe der um adesivo ou um folheto, isso ativa uma parte do seu cérebro que incentiva a reciprocidade, aumentando a probabilidade de você fazer uma doação”.
Ross ressalta que a ciência da decisão oferece uma oportunidade única de compreender profundamente os motivadores e comportamentos dos doadores. Ele destaca a importância de entender que as pessoas não fazem doações apenas por razões altruístas, mas também porque desejam ser parte de algo maior e sentir-se bem consigo mesmas. “A ciência da decisão nos ensina que as pessoas doam por uma variedade de motivos, e é crucial que adaptemos nossas estratégias de captação de recursos para atender a essas motivações individuais”.
Para aplicar a ciência da decisão é preciso entender fazer uma boa personalização e segmentação na comunicação com potenciais doadores. “Ao personalizar nossas mensagens e solicitações de doação com base nas características individuais dos doadores, podemos aumentar significativamente a probabilidade de engajamento e doação”, explica Ross.
Simplificar as mensagens também é um passo importante. “Quando falamos sobre defender a floresta tropical, por exemplo, as pessoas não entendem a magnitude. Mas se dizemos que estamos tentando salvar um único macaco bonito, isso se torna real e concreto para elas”. Essa foi a estratégia adotada por um zoológico de Edimburgo, na Escócia, onde a campanha “Alimente os Pandas” aumentou as doações de 30 mil dólares para 1,5 milhão de dólares em 18 meses.
Além dessas técnicas, Ross enfatiza a importância de entender o público-alvo. “Você precisa saber quem é o público-alvo. São pessoas mais velhas ou mais jovens? São mulheres ou homens? Qual é a percepção de identidade social delas?”. Ele cita um exemplo de um museu na Inglaterra que aumentou suas doações em 26% ao usar a linguagem da jardinagem, uma atividade popular entre seus doadores. “Estar interessado nas pessoas e falar a linguagem delas faz toda a diferença”.
Para o especialista, os desafios para implementar essas ideias incluem a resistência de muitos captadores de recursos em aceitar que as pessoas são irracionais. “Muitos preferem acreditar que as pessoas são racionais e tomam decisões lógicas. Mas precisamos aceitar que as decisões são frequentemente influenciadas por fatores subconscientes”.
Ross também aborda a questão de como lidar com causas sociais que enfrentam resistência por parte da população, como feminismo ou questões LGBTQIA+. “Toda causa é complicada. O objetivo é torná-la simples o suficiente para que as pessoas entendam e sintam empatia. Por exemplo, para ajudar as pessoas a entenderem a pobreza menstrual, você pode construir uma ponte com algo que elas compreendam, como faltar à escola”. Ele continua: “Na ciência da decisão, você está constantemente tentando construir pontes para que as pessoas entendam e criem empatia. Isso é fundamental para causas complexas ou menos conhecidas”.
A =mc Consulting foi chamada para ajudar Médicos Sem Fronteiras (MSF) a melhorar suas estratégias de captação desenvolvendo uma série de experimentos on-line que aplicassem técnicas de ciência da decisão para aumentar as doações. Primeiramente, a equipe reduziu as opções de doação de cinco para três, diminuindo a carga de escolha sobre os doadores. Em seguida, destacaram uma opção específica de doação, alterando cores e adicionando texto e imagens para torná-la mais atrativa. Além disso, criaram um contador que mostrava o progresso em direção a uma meta diária específica, mostrando como as doações individuais estavam contribuindo para o objetivo geral.
Outra técnica aplicada foi a apresentação das principais médias de doação, mostrando que muitos apoiadores já haviam feito contribuições em níveis semelhantes, o que incentivava outros a seguir o exemplo. Por fim, analisaram as diferenças nos níveis de doações feitas em diferentes horários do dia e em diferentes plataformas, como celulares e laptops.
Algumas estratégias geraram retornos significativamente mais altos do que o normal, enquanto outras tiveram pouco impacto, mas o processo permitiu identificar as técnicas mais eficazes para aumentar as doações.
Com base no livro Change for Good, escrito pelo Bernard Ross, elencamos aqui dez princípios-chave de persuasão que ajudam a introduzir a ciência da decisão em uma organização social.
1) Ideias principais e âncoras: Nossas escolhas podem ser influenciadas pela nossa resposta inconsciente a uma experiência anterior ou informação anterior.
2) Faça progressos, mas escolha o seu tempo: As pessoas são movidas por objetivos. Quando sentem que estão progredindo, trabalham mais para atingir seus objetivos.
3) Cutuque gentilmente e eticamente: Cutucar é influenciar o comportamento das pessoas fazendo pequenas mudanças na comunicação, como a ordem de apresentação dos itens ou a introdução de padrões.
4) Quadro: escolha uma boa apresentação para sua comunicação: Tal como uma moldura física influencia a nossa percepção da pintura que a rodeia, a forma como apresentamos a informação, ou a enquadramos, influencia a nossa percepção.
5) Evite perdas e agregue valor: Nossa percepção de perda é mais forte do que o ganho. A dor de perder 100 reais é maior que o prazer de ganhar 100 reais. Esteja ciente de que as pessoas usam contabilidade mental – isto é, tratar diferentes tipos de dinheiro de maneira diferente (por exemplo, dinheiro versus cartão de crédito, conta corrente versus conta poupança, fazer uma doação por telefone versus boleto, etc.).
6) Seja social: Para iniciar um movimento, comece com um determinado número de pessoas para gerar o efeito de “contágio social”. Por exemplo: se uma pessoa ficar na rua e apontar para cima, as pessoas irão ignorá-la; se quatro pessoas fizerem isso, outras irão parar e olhar. Quando não temos certeza do que fazer, agimos de forma semelhante ao grupo social do qual fazemos parte. Também respondemos a pessoas que consideramos especialistas.
7) Conte histórias poderosas: As histórias são uma forma poderosa de compartilhar ideias. Eles são mais memoráveis do que dados simples, nos fazem interagir com o protagonista, compartilhar suas emoções e compreender seus pontos fortes e fracos.
8) Lide com emoções, não com dados: Deveríamos ser movidos por fatos e dados para decidir sobre questões fundamentais. Na realidade, somos movidos por estímulos emocionais e psicológicos.
9) Ofereça apenas informações suficientes: Buscamos informações que confirmem o que sabemos e filtramos o que não se enquadra em nossos modelos mentais. Descubra quais informações são importantes para o seu público e forneça apenas o que eles precisam para decidir.
10) Para que a mudança de comportamento ocorra, é necessário implementar a normalização e a personalização: A normalização torna certos comportamentos aceitáveis, porque são comuns e socialmente aceitos. Já a personalização garante que o indivíduo cujo comportamento você deseja mudar sinta que suas preocupações e interesses específicos estão sendo atendidos. Gostamos de pertencer a um grupo, mas também gostamos de nos sentir especiais dentro desse grupo.
Para aqueles que estão começando na ciência da decisão, Ross recomenda cultivar a curiosidade e empatia. “Seja curioso sobre como as pessoas pensam e sentem. Entenda seu público-alvo e fale a linguagem dele”. Isso não só melhora a eficácia das campanhas de captação de recursos, mas também ajuda a construir relacionamentos mais significativos com os doadores.
Outra habilidade fundamental é estar verdadeiramente interessado no pensamento das pessoas. “Captadores de recursos são terríveis”, brinca Ross, observando que muitas vezes estão preocupados com dinheiro em vez de se concentrar nas pessoas. É preciso identificar e comunicar as identidades compartilhadas porque isso tende a fazer com que as pessoas fiquem mais comprometidas e engajadas. “Ser curioso sobre as pessoas e realmente interessado em como elas pensam é a chave para desbloquear todo o potencial da ciência da decisão”, finaliza Ross.