Em 2022, a confiança da população brasileira nas ONGs, que registrou uma evolução expressiva entre 2015 e 2020, diminuiu. A constatação é da Pesquisa Doação Brasil 2022, realizada pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS). Somente 31% das pessoas concordam que “as ONGs deixam claro o que fazem com os recursos que aplicam” em comparação a 45% em 2020.
A mesma proporção (31%) acredita que a “maior parte das ONGs é confiável”, contra 41%, na pesquisa anterior. Outras questões que medem dimensões relacionadas – como competência, efetividade e clareza na comunicação – também tiveram piora nos resultados
Segundo o IDIS, de um modo geral, todas as opiniões positivas sobre as organizações da sociedade civil foram menos apoiadas no último ano e houve uma piora em termos de accountability e compreensão de seu papel na sociedade. O Instituto especula que a conjuntura política, a repercussão midiática de episódios negativos sobre as organizações e suas atuações podem ter colaborado para esse quadro, sugerindo que a imagem das organizações é bastante sensível às circunstâncias de um dado momento do país.
O estudo frisa ainda que há um consenso na literatura acadêmica de que a confiança e o êxito de um pedido de doação estão relacionados. Quanto maior a confiança, maior a probabilidade de doação e vice-versa. Por isso, a Pesquisa Doação Brasil traz um quadro preocupante para o setor.
“Existe um movimento político de criminalização das organizações da sociedade civil. Nos últimos anos, vimos isso com a autoridade máxima do país: o presidente da república. Acabamos de ter uma CPI das organizações fundada em premissas falsas e acusações que não se sustentavam. Existe um problema de confiança que é decorrente dessas narrativas falsas, dessa tentativa de deslegitimar a atuação das organizações”, avalia Fernanda Campagnucci, diretora da Open Knowledge Brasil, organização voltada à promoção da informação e transparência.
Segundo ela, promover a transparência pode ajudar a melhorar esse cenário, pois as pessoas poderão identificar organizações sérias e conhecer sua atuação. “Há um caminho a percorrer para melhorar essa cultura da transparência. Quando falamos sobre isso, não nos referimos apenas a gastos, mas ao funcionamento, ao estatuto, muitas organizações não possuem sequer o estatuto publicado no site. É um instrumento importante para entender a organização, assim como as informações institucionais”, afirma.
“Em primeiro lugar, é importante dizer que a transparência não está só em um relatório, é uma cultura que precisa estar presente em todo tipo de comunicação da organização, desde os produtos que ela faz, quem são os financiadores desses produtos, até o site institucional”, acrescenta.
O site deve conter dados sobre a atuação da organização, suas atividades, o público atendido por ela e o impacto gerado, assim como certidões de regularidade. A diretora da Open Knowledge Brasil também recomenda que as OSCs publiquem seu quadro de funcionários e tabelas salariais.
Embora o relatório de impacto seja importante, o posicionamento e a comunicação das entidades vai muito além dele. A Pesquisa Doação Brasil 2022 aponta que saber como o dinheiro é usado, conhecer uma entidade confiável e ela ser transparente/prestar contas/mostrar aplicação de recursos estão entre as condições para um não doador se tornar doador, atrás apenas da disponibilidade financeira.
Fernanda aconselha que as organizações tenham uma seção específica sobre Prestação de Contas/Transparência que seja facilmente identificável e a atualizem de maneira recorrente com documentos estatutários, atas, informações sobre atividades e questões financeiras. É interessante que o relatório de atividades também contenha um relatório de gestão e de despesas e receitas, inserindo informações relacionadas ao contexto de governança da instituição. Caso as entidades publiquem planilhas, é importante disponibilizar a possibilidade para o público fazer downloads em formatos abertos.
Para facilitar o fluxo de comunicação dos dados de gestão e execução orçamentária, a Open Knowledge criou um painel de comunicação dividido em entradas e saídas por categoria, permitindo que as pessoas saibam quais são os patrocínios recebidos e seus valores. Dessa forma, as pessoas podem explorar os dados conforme sua curiosidade e necessidade.
Além de apresentar um contexto mais aprofundado sobre o significado dos números, é interessante detalhar as fontes de receita também por tipos, não só segmentando doadores, mas mostrando os recursos derivados de prestação de serviços, cursos, venda de produtos etc.
“Isso ajuda a entender o quão diversificada é a captação de recursos daquela organização e demonstra um potencial maior de sustentabilidade. Comunicar essas fontes de receita é bem importante e isso fica apagado/escondido se a organização coloca um dado geral de entrada e saída”, observa, acrescentando que, quanto mais detalhamento, mais cuidados são necessários com a proteção de dados pessoais das pessoas envolvidas para assegurar a segurança dos colaboradores.
Fernanda diz que um problema comum é a publicação dos demonstrativos de receita em uma linguagem contábil, que pode ser muito hermética. A linguagem precisa ser clara e acessível para que o público se familiarize com a organização e seu trabalho, aumentando assim as chances de doação.
Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas.