Desde a implantação em larga escala das leis de incentivo, começaram a surgir e a se fortalecer no País as figuras do captador de recursos e do produtor cultural. Ambos acabem sendo os principais responsáveis por lidar diretamente com o processo burocrático que gira em torno da elaboração de um evento ou produto cultural.
Daniel Leão, associado da ABCR, é um desses profissionais. Ele mantém um escritório especializado em captação de recursos para projetos culturais, ambientais e sociais. Já Rogério Mesquita integra o Grupo Bagaceiras de Teatro como ator, mas também exerce a função de produção.
Figurando entre as companhias mais tradicionais do estado, o Grupo Bagaceiras de Teatro trabalha atualmente com dois projetos financiados via Lei Rouanet. A mostra de repertório intitulada “Rebagaça” só foi possível por meio de um edital promovido pela Petrobras. Para Rogério, a lei não se trata do melhor meio de se conseguir financiamento no País, mas do único.
“Graças aos editais de empresas estatais inseridos na Lei Rouanet alguns grupos conseguem furar o cerco e viabilizar seus projetos”, afirma. O “cerco” a que Rogério se refere é justamente a centralização de recursos em territórios e áreas específicos.
“Como são as empresas que decidem o que vão patrocinar, eles geralmente escolhem projetos com maior visibilidade. Um exemplo é o Circe Du Soleil: um dinheiro público que é investido em grandes projetos e que não é revertido em preços populares. Dificilmente os patrocinadores de um grande espetáculo como esse se interessaria em apoiar uma peça nossa, como o “Incertos”, cuja dinâmica só permite 100 espectadores, no máximo”, esclarece o produtor.
Outro dado agrava ainda mais o problema da lógica empresarial: “Tentamos os editais de grandes empresas porque, no Ceará, não há iniciativa privada disposta a investir. Se existe, são muito poucos. Tanto é que nós do Bagaceira estamos sempre atentos aos editais justamente porque não iríamos conseguir por meio de captação”, argumenta Mesquita.
Postura
Quanto ao pouco investimento do empresariado cearense, o captador Daniel concorda, mas acredita que a dificuldade dos projetos cearenses em conseguir recursos por meio de captação é também fruto de outros aspectos.”Primeiro que captar não é fácil. Não é qualquer pessoa que consegue entrar em uma empresa, chegar ao empresário e falar não apenas do projeto, mas de negócios. É impressionante a quantidade de pessoas que me procuram”, afirma e acrescenta: “Segundo que as doações para a cultura que garantem 100% de renúncia fiscal já são o retrato de um vício do setor, de pedir dinheiro, ao invés de oferecer parcerias, trocas”, defende o profissional.
Para ele, o pouco investimento dos empresários é, em parte, fruto do pouco fomento do governo. “Cria-se lei, regra, mas ninguém difunde. A gente faz reunião com o empresário e escuta: ´ah, eu doei e o máximo que eu tive foi minha marca no banner ao lado de uma dezena de marcas´. Isso realmente não é atrativo e o empresariado desconhece o potencial do apoio ao marketing cultural. Ele desconhece as vantagens que isso traz para a imagem da empresa, para além dos incentivos fiscais”, argumenta Leão.
Além disso, outro ponto crucial para a captação em empresas, segundo Leão, é a postura do negociador. “Falta ao proponente compreender a linguagem do empresário. Quem vai até ele tem que esquecer esse vício de pedir ajuda pra cultura. Você precisa propor ao empresário uma oportunidade de negócio, de dar visibilidade ao seu produto e ao dele, de uma forma harmônica”, orienta.
ProCultura
Quanto às mudanças da lei, propostas no substitutivo do deputado Pedro Eugênio (PT-CE), produtores e agentes culturais tem dividido opiniões. Em São Paulo, Doberto Carvalho, diretor da Cooperativa Paulista de Teatro, chegou a argumentar que o ProCultura continuava a representar a privatização da cultura, já que o repasse de recursos permanece privilegiando o mecanismo de renúncia fiscal.
Daniel Leão discorda completamente: “Pedir dinheiro ao governo é clientelismo, fechar parcerias com empresas é livre iniciativa”. Para ele, o mais importante é garantir aos produtos culturais maior potencial de consumo, para que eles se mantenham com menor investimento externo, seja governamental ou de empresas. Ainda sim, de acordo com Leão, recorrer as empresas não representa “um retrocesso”. Rogério Mesquita levanta outra perspectiva. Segundo ele, vale ter em mente que, oriundo ou não da iniciativa privada, o recurso destinado ao proponente por meio da Lei Rouanet acaba sendo público.
“Quando a lei oferece 100% de renúncia fiscal a uma empresa, aquele se torna um dinheiro que o governo deixa de arrecadar, então acaba saindo dos cofres públicos”, defende Mesquita.
Entre os benefícios advindos com a Lei Rouanet nos últimos 20 anos, listados pelo secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, Henilton Menezes, no último domingo, está o estímulo à profissionalização dos artistas. Produtor e captador, no entanto, discordam. “Não sei se houve, de fato, uma profissionalização de artistas ou grupos, mas certamente um aprimoramento no trabalho dos produtores, que lidam com a burocracia”, afirma Leão.
Mesquita segue a mesma linha: “Talvez os grupos tenham se engessado um pouco mais para caber nos formulários, para se fazer representados nos termos dos editais, mas isso não significa necessariamente profissionalização”, arremata.
MAYARA DE ARAÚJO – REPÓRTER
Fonte: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1152144