Causas “órfãs”: linhas de atuação pouco privilegiadas em atitude de marca

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A seguir, o excelente artigo de Rodolfo Araújo, publicado originalmente no http://comatitude.com.br/.

No território da atitude de marca, existem causas mais afeitas à preferência das empresas em detrimento de outras. A dimensão social é a que mais demonstra a existência de plataformas “órfãs”, ou seja, pouco contempladas pelas empresas em seus investimentos. Uma das possíveis razões para este contexto é o receio de gerar impactos negativos perante os consumidores. Desta forma, muitas organizações concentram seus recursos em atitudes “confortáveis”, isto é, áreas socialmente relevantes que, porém, não são potencialmente lesivas à reputação. Temas mais espinhosos, embora críticos sob o ponto de vista social, ficam alijados das atitudes corporativas e são abordados de modo menos integrado. Desta maneira, organizações não governamentais e o poder público agem muitas vezes isoladamente sobre questões nas quais poderiam contar com forte participação empresarial.

No território da atitude de marca, existem causas mais afeitas à preferência das empresas em detrimento de outras. A dimensão social é a que mais demonstra a existência de plataformas “órfãs”, ou seja, pouco contempladas pelas empresas em seus investimentos. Uma das possíveis razões para este contexto é o receio de gerar impactos negativos perante os consumidores. Desta forma, muitas organizações concentram seus recursos em atitudes “confortáveis”, isto é, áreas socialmente relevantes que, porém, não são potencialmente lesivas à reputação. Temas mais espinhosos, embora críticos sob o ponto de vista social, ficam alijados das atitudes corporativas e são abordados de modo menos integrado. Desta maneira, organizações não governamentais e o poder público agem muitas vezes isoladamente sobre questões nas quais poderiam contar com forte participação empresarial.

A série de pesquisas realizadas pelo Com:Atitude sobre áreas preferenciais de atitude de marca demonstrava, na década passada, uma predisposição pelo aporte em iniciativas sociais e culturais. Os públicos priorizados, segundo os respondentes, eram os consumidores, seguidos por sociedade em geral, comunidades e colaboradores. O mais recente censo do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), referente ao biênio 2009-2010, confirma esta tendência: a educação é objeto de 82% dos principais investidores sociais do país, seguida por cultura e formação de jovens, que contam – cada um – com 60%. Por outro lado, a defesa dos direitos apareceu no estudo com apenas 29% da atenção dos participantes.

Para o gerente de conhecimento da entidade, Andre Degenszajn, a defesa dos direitos humanos “é uma área bastante descoberta e há uma demanda muito grande de recursos”. Entretanto, há outros campos de atuação carentes de presença corporativa. Violência, diversidade, combate às drogas, trabalhos infantil e forçado são algumas das áreas que se enquadram nesta situação.

O aparente receio das empresas em manejar questões delicadas contrasta com os anseios pessoais dos consumidores. Segundo a pesquisa goodpurpose, apresentada pela Edelman Significa no fim de 2010, os brasileiros priorizam temas como violência e abusos, melhoria da qualidade nos serviços de saúde, redução dos índices de fome e mendicância, bem como a garantia de direitos sob uma perspectiva geral.

No censo do Gife, especificamente sobre as linhas de ação em juventude, a problemática da violência, por exemplo, aparece entre as menos privilegiadas, com 15%. Saúde, com a mesma porcentagem, defesa dos direitos, com 14% e combate às drogas e álcool, com 10%, confirmam a tese do baixo nível de preferência e atenção. Formação e inserção profissional, seguida de inclusão digital e cultura são os focos priorizados pelas empresas em suas ações junto aos jovens.

Violência e causas “negativas”
Instituto Sou da Paz lançará, em breve, um estudo sobre as razões pelas quais a iniciativa privada pouco investe no combate à violência. Segundo a diretora da entidade, Melina Risso, um diagnóstico preliminar evidencia a aversão, por parte das empresas, a relacionarem suas marcas à problemática.

Sexto país na América Latina que mais registra mortes de jovens por armas de fogo, o Brasil abriga um contexto complexo de segurança pública. Segundo Melina, o espectro do problema vai além da violência qualificada como letal. “As pessoas aceitam a brutalidade como via natural para a solução de conflitos. Trata-se de uma questão estrutural e culturalmente muito disseminada”, afirma.

Nos anos 1980, o debate público sobre segurança era polarizado, de acordo com Melina. As alternativas,  em um país que vivia uma transição para a democracia, eram pensadas sempre sob as égides da  punição e repressão – premissa que influenciou, inclusive, a pauta da Constituição de 1988. No fim dos  anos 1990, todavia, o debate expandiu-se, dada a impossibilidade de resolução do problema somente   pela atuação “remediadora”. “Hoje, a violência é tratada em outras variáveis. É um problema coletivo e não somente um caso de polícia. Temos que prevenir, agir sobre as causas”, diz Melina. Um dos casos de êxito, segundo a diretora do Instituto Sou da Paz, é o Estado de São Paulo, que reduziu as taxas de homicídios em três vezes graças a investimentos em informação, treinamento e programas preventivos.

No campo da iniciativa privada, a violência é evitada “por não ser uma causa positiva”, segundo Melina. Ela cita como exemplo oposto a educação, preferida pelas marcas justamente por não ser um assunto controverso. Em sua opinião, é preciso que haja uma mudança de visão sobre o assunto para que o movimento mude de sentido: “como se conhece pouco o debate e sua amplitude, as empresas acham que é apenas uma questão de polícia, de investimento governamental; logo, acreditam ser dispensável investir no problema”.

Como solução, para a diretora da entidade, faz-se necessária a criação de uma agenda positiva sobre a violência, o que pode estimular o engajamento empresarial em torno do tema. O primeiro ponto, na visão de Melina, é criar plataformas contínuas de investimento – e não aportes pontuais de recursos. “Não vemos o assunto como causa das empresas. Precisamos criar formas mais éticas de comunicação, novas maneiras de envolver colaboradores, entre outras frentes. Existem muitos caminhos para as marcas atuarem.”

Ex-presidiários também são vistos com reserva em políticas empresariais. Programas governamentais de auxílio à renda e à procura de emprego, bem como políticas empresariais de incorporação de ex-detentos figuram como as principais iniciativas sobre o tema. Porém, trata-se, ainda, de uma questão abordada em sua consequência, ou seja, a admissão ou não de um indivíduo com antecedentes de reclusão. Abordagens sistêmicas que contemplem causas, a vida na prisão e a volta à liberdade ainda são pouco vistas em ação. O receio ainda predomina.

Outra causa que se enquadra no estereótipo da negatividade é o trabalho escravo. Segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), trata-se da falta de liberdade na atividade profissional causada por quatro fatores: 1) apreensão de documentos, 2) presença de guardas armados e agentes de comportamento ameaçador, 3) dívidas ilegalmente impostas e 4) características geográficas do local que impeçam a fuga do trabalhador oprimido. No Brasil, diz a entidade, todas as formas de escravidão são clandestinas e, por isso, difíceis de serem combatidas. Entre 2004 e 2008, o Ministério do Trabalho resgatou mais de 21 mil pessoas em tal condição. Este problema está diretamente relacionado à condição dos jovens, pois aproximadamente metade dos escravizados tem menos de 18 anos. Em paralelo, as mulheres também figuram entre as principais vítimas desta prática. Segundo cálculos da OIT, o lucro anual gerado por práticas de trabalho escravo chega a US$ 31,6 bilhões.

A solução para o problema, para a entidade, também passa pelo conhecimento da questão e requer participação ativa de múltiplas entidades. Além de uma postura governamental ativa por meio da criação de políticas públicas, ONGs e empresas podem contribuir com iniciativas de conscientização, geração de novas oportunidades de emprego, capacitação, bem como a reabilitação de vítimas do trabalho forçado.

 

Trabalho escravo ainda é um problema pouco endereçado no ambiente empresarial

Ainda no cenário de temas delicados, a prostituição infantil, problema flagrante em países subdesenvolvidos e emergentes, é outro tema no qual se demanda intenso engajamento entre poder público, ONGs e empresas. Porém, as marcas pouco se vinculam diretamente a esta linha de ação. No entanto, há iniciativas que contemplam, de forma efetiva, o contexto de mulheres que comumente leva a tal risco social. Como já abordamos no Com:Atitude, a Nike conduz a plataforma Girl Effect, que concentra esforços no desenvolvimento de mulheres como vetores de prosperidade socioeconômica, de modo a reduzir não apenas índices de pobreza como também de violências como as caracterizadas no âmbito da prostituição infantil.

Contra o preconceito
A organização europeia Stonewall, que defende os interesses e direitos de homossexuais, classificou a empresa norte-americana de tecnologia IBM como o lugar mais amigável para os gays em uma lista de cem empregadores. Segundo os avaliadores, o resultado deve-se a uma política intensiva de treinamento dos gerentes sobre diversidade. É a primeira empresa a figurar mais de uma vez na liderança do ranking, posto que ocupou também em 2007. O índice que classificou as empresas baseia-se em indicadores que incluem uma pesquisa junto a mais de 7 mil colaboradores homossexuais.

Segundo o CEO da IBM para a o Reino Unido e Irlanda, Brandon Riley, vencer o prêmio foi motivo de “extremo orgulho para a companhia”. O executivo explicou que, depois de conquistá-lo pela primeira vez, a empresa efetuou melhorias e fortaleceu sua estratégia sobre o tema, o que inclui uma rede de lésbicas, gays e bissexuais.

 

Riley deixa clara a conexão entre as práticas de diversidade e a estratégia da marca ao afirmar que esta premissa constitui o caráter, a identidade e, por consequência, o sucesso da companhia.

IBM: uma das empresas mais reconhecidas no estímulo à diversidade

Outra empresa de tecnologia que mostrou avanços no tema da diversidade é a Dell. Por força de políticas globais, foram criados no Brasil grupos de apoio focados em orientação sexual, necessidades físicas especiais e gênero. O maior país latino-americano foi o primeiro, depois dos Estados Unidos, a incorporar a prática.

As iniciativas da plataforma contemplaram a criação de grupos para discussão da diversidade compostos por funcionários de áreas e níveis hierárquicos diferentes. Em encontros periódicos, os profissionais debatiam pontos ligados ao clima organizacional e desenvolvimento de equipes, além de estimularem ações de inclusão no ambiente corporativo. As principais frentes do projeto voltam-se à ascensão profissional e respeito às mulheres, à inclusão de colaboradores independentemente da orientação sexual e ao aumento de perspectivas profissionais para portadores de necessidades especiais.

A empresa de cosméticos L’Oréal, por sua vez, criou uma “cátedra de diversidade” na escola de administração ESSEC, juntamente com a consultoria Deloitte e a empresa aérea Air France-KLM. Voltada à formação de líderes que consideram o valor da diversidade, a capacitação aborda a relevância do multiculturalismo e sua importância para a geração de melhores resultados.

Uma diretoria de diversidade instituída na empresa sustenta uma política que permeia transversalmente as áreas de recursos humanos e treinamento, além de ser responsável por ações de estímulo à visão positiva da diversidade. Sob o ponto de vista da marca europeia, o tema vincula-se à identidade corporativa quanto à coexistência de nacionalidades, etnias e culturas diferentes.

Todavia, sobretudo em um mundo no qual os fluxos migratórios são intensos e têm se intensificado com processos de revolta em diversos países – além de uma recente afluência para economias emergentes -, a questão do preconceito racial e cultural ainda é um problema de extrema delicadeza. Quanto aos temas de gênero e opção sexual, os avanços são, também, necessários – sobretudo no Brasil, que ainda aprende a lidar com um cenário de democracia.

Combate às drogas
O problema dos entorpecentes e álcool afeta diretamente as organizações por questões eventualmente relativas a seus próprios colaboradores, além de se relacionar com as questões da violência e infraestrutura de saúde pública. A psicóloga Marylin Tatton, diretora executiva da Associação Parceria Contra Drogas, considera que todas as corporações vivem algum tipo de problema com narcóticos e a maioria não possui um programa de prevenção ou conduz a implantação de iniciativas para combate à dependência química. A associação está montando uma casa para que as empresas tenham melhores condições para divulgar aos seus funcionários e familiares informações de conscientização e tenham um centro de referência para tratamento e outras vivências.

Marylin acredita que o combate às drogas já foi mais priorizado na agenda executiva. Segundo ela, em meados da década de 1990 – quando a associação foi criada –, grandes empresários davam suporte à causa. Porém, em sua opinião, a entrada do problema no cotidiano das organizações pode ter causado receio no mundo corporativo, o que dificulta o fortalecimento do debate e ações sobre a questão.

Dentre os parceiros corporativos da associação, figuram o Bradesco, Grupo Camargo Corrêa, Banco Santander, Whirlpool, dentre outros. Outras empresas, na condição de apoiadoras, colaboram com equipamentos, produtos e serviços. American Airlines, Microsoft, Kodak e Nokia figuram em um extenso rol de marcas.

Agenda positiva e engajamento
As causas tidas como negativas, se analisadas em profundidade, são territórios valiosos para investimento. A criticidade que enfrentam justamente pelo contexto brasileiro são campos vastos para que não somente sejam investidos recursos financeiros, mas se criem plataformas de engajamento consistentes junto a governos e ONGs sob uma perspectiva de constância e longo prazo.

Ações pontuais e filantrópicas não resolvem causas altamente delicadas. Para tanto, a criação de agendas positivas, o estímulo a parcerias, o desenvolvimento de linguagens apropriadas e éticas de comunicação, a instalação de processos e mecanismos de gestão e mensuração figuram como princípios fundamentais para o sucesso das atitudes de marca nestes campos. Quanto mais desafiador o cenário, mais valor é possível gerar para todo o ecossistema de públicos. Além disso, é importante criar visões do todo e agir sobre os problemas de forma integrada, pois a relação entre muitas destas questões emergenciais é clara.

TEXTO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM:

http://comatitude.com.br/2011/04/04/causas-%E2%80%9Corfas%E2%80%9D-linhas-de-atuacao-pouco-privilegiadas-em-atitude-de-marca/