Atitudes socioambientais têm mais recursos, porém requerem estruturação e visão de longo prazo
O gerente da área de conhecimento do GIFE, Andre Degenszajn, falou em entrevista ao Com:Atitude sobre a perspectiva de crescimento do ISP no Brasil e a importância, nas atitudes socioambientais do setor privado, da perspectiva de longo prazo e da busca pela autenticidade e efetividade em tais investimentos.
No fim da década de 1980, o terceiro setor e a responsabilidade social empresarial começaram a se tornar conceitos importantes na pauta de discussão acerca dos problemas sociais brasileiros. Com o aumento da consciência do empresariado quanto à atuação sobre esses desafios e o espaço aberto para a profissionalização deste tema no país, foi instituído, em 1995, o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas, o GIFE. Hoje, a rede reúne 134 associados e atua como um centro de referência sobre Investimento Social Privado (ISP) no país por meio da realização de cursos, publicações, pesquisas e congressos.
Dentre estas ações está o Censo GIFE, uma das publicações que auxiliam na compreensão dos movimentos em torno do ISP no país. Na edição mais recente, de 2009-2010, publicada no final do ano passado, alguns números merecem destaque: o aumento do número de associados que investem em sustentabilidade e meio ambiente, indo de 25% em 2005 para 58% em 2009; e o volume total de investimento privado por parte dos associados, que registrou R$ 1,9 bilhão em 2009 e cuja projeção é de R$ 2,02 bilhões para 2010. (Divulgação/GIFE)
Para Degenszajn, as questões sociais só podem receber investimentos em longo prazo, "com visão para décadas à frente".
Com:Atitude: Como você enxerga o crescimento do investimento social privado no Brasil? Esta tendência aponta para uma constância?
Andre Degenszajn: Primeiro é importante ressaltar que todos os dados do último Censo GIFE (2009-2010) representam os investimentos dos associados da rede, mas não do Brasil inteiro. De qualquer modo, esses resultados representam uma boa amostra, que gera impacto na sociedade brasileira. O número de associados da rede vem aumentando constantemente e a perspectiva é de crescimento. Existe uma visão de que nossos associados, que hoje são 134, possam duplicar ou triplicar nos próximos anos. Portanto, existe este potencial de crescimento sim, além da qualificação geral dos associados. Há um fator importante que mostra a tendência de crescimento dos investimentos no Brasil: de 2008 para 2009, se especulou muito sobre o quão consolidado estaria o investimento social no Brasil e a forma de medir isso seria a maneira pela qual os associados da rede responderiam à crise econômica mundial. Nós prevíamos que os investimentos sociais seriam os primeiros a serem cortados, mas não foi isso que aconteceu. No geral, a queda foi de apenas 5%.
C:A: Quais serão as principais ações que visam alavancar o investimento social privado no país?
Degenszajn: Temos uma visão que trata da perspectiva que temos para o ISP nos próximos dez anos. Ela tem três eixos principais: 1) a relevância e legitimidade, ou seja, a maneira pela qual os investidores trabalham – o que está relacionado à gestão, governança e comunicação das ações; 2) abrangência do investimento, em que existe a questão da diversidade temática e de regiões onde ocorrem mais investimentos e 3) a diversidade dos investidores, sendo fundamental a possibilidade de aumentar os investidores independentes. Este último item é importante já que, muitas vezes, é difícil para as empresas abraçarem temas mais delicados para investimento e, por isso, acabam se preocupando com educação, primordialmente. O grande movimento para os próximos dez anos consiste em angariar diversos tipos de investidores.
C:A: O volume de investimento dos associados à rede foi de R$ 1,9 bilhão em 2009 e a projeção é de R$ 2,02 bilhões para 2010. A maioria das empresas investe de R$ 500 mil a R$ 2 milhões por ano em ações educacionais, sociais, culturais e ambientais. Quais os principais focos destes investimentos? E existe, entre essas áreas, uma que seja privilegiada?
Degenszajn: Temas como educação, cultura e formação de jovens compõem os principais investimentos. E, como cerca de 85% dos associados da rede são empresas e organizações empresariais, é mais difícil que elas se associem a temas mais controversos do que um tema mais comum, com maior consenso.
C:A: Qual o potencial de crescimento do investimento social privado no país? Quais são as barreiras a serem enfrentadas?
Degenszajn: Temos dois desafios grandes a serem enfrentados. O primeiro seria a ampliação da cultura de doação no Brasil, que é baixa. E o outro seria o enfrentamento do atual marco legal precário. Outras questões seriam o aumento de investimentos mais estratégicos e compromissos de longo prazo por parte das organizações empresariais. Hoje, temos uma diversidade muito grande de investimento, a maioria é altamente profissional e outros são mais erráticos. Assim como há grandes investidores e outros menores. Mas, de certa forma, é preciso entender que as questões sociais só podem receber investimentos em longo prazo, com visão para décadas à frente. Ter uma visão clara disso, além de um compromisso com o impacto que vai ser gerado a partir das ações são atitudes importantes a serem incorporadas. As ações sociais nunca podem ser pontuais.
C:A: Com relação à comunicação dos investimentos, o meio mais utilizado pelos respondentes do Censo foi a internet (portal/site), seguido das publicações impressas. Entretanto, pensando além do veículo de divulgação, quais são os fatores que resultam em uma boa comunicação das ações? O que é preciso para que a comunicação seja legítima, autêntica e que engaje o público?
Degenszajn: A maneira pela qual a empresa vende sua ação social tem que ser 100% compatível com a ação. Se não for assim, em algum momento a comunicação vai falhar. Além disso, tende a soar mal uma comunicação que não seja autêntica, já que a sociedade está atenta e compreende uma má abordagem. A tendência que apoiamos é a divulgação dos resultados da ação, deixando claro qual foi o foco e quais foram os benefícios criados. Por fim, a imagem da empresa pode estar em jogo. Hoje, a sociedade está muito mais municiada de instrumentos para fiscalizar as empresas. A marca que se vende por uma comunicação muito acima de sua prática efetiva, em algum momento terá retorno negativo.
C:A: O meio ambiente/sustentabilidade apresentou um pico de crescimento, passando de 25% dos investimentos em 2005 paraa 58% em 2009. A valorização e conscientização da sociedade acerca do tema podem ser justificativas para o aumento do interesse em investir nesta área?
Degenszajn: Em primeiro lugar, este é um tema que está muito forte; é impossível não passar por ele hoje em dia. A empresa precisa lidar com o impacto ambiental que ela gera, é intrínseco. Portanto, é muito difícil um investidor passar longe disso. Além disso, há o aumento da consciência dos brasileiros com relação a este tema, que cobram por ações das empresas. Em segundo lugar, é importante ressaltar que 80% dos associados que investem em meio ambiente o fazem por meio da educação ambiental com vistas à conscientização da sociedade. Depois, começam os temais mais centrais, como reciclagem, biodiversidade etc. Ou seja, mesmo dentro do tema meio ambiente, a educação continua como tema prioritário. Existe uma preocupação em ampliar o entendimento da sociedade sobre diversos temas.
C:A: Na sua opinião, quais as áreas de investimento que poderiam receber mais recursos no país?
Degenszajn: A defesa dos direitos humanos. É uma área bastante descoberta e há uma demanda muito grande de recursos.
C:A: Qual a importância em deixar claro as diferenças entre os conceitos: investimento social privado e responsabilidade social corporativa?
Degenszajn: A responsabilidade social corporativa atua na base de que a empresa deve ser responsabilizada por todo o impacto de suas atividades. E o investimento social é voluntário, desvinculado do negócio propriamente. Muitas vezes, o investidor escolhe temas que se associam ao seu negócio, e outras vezes, não. Nos últimos anos, tem ocorrido uma integração das duas dimensões. Antes, os investimentos ocorriam de forma mais distanciada, já que a ideia era de que a empresa, pensando no ISP, deveria fazer seu investimento privado o mais longe possível do negócio, para que o investimento não fosse associado aos interesses privados da empresa. Hoje, a tendência é lidar com essas duas dimensões de maneira articulada.
Fonte: Com:Atitude; Por Leticia Born.