Os especialistas que estudam o assunto garantem: nesta primeira metade do século 21, o volume de dinheiro que as corporações deverão investir em todas as formas de filantropia será dez vezes maior do que o total investido durante todo o século 20. É muito, mas muito dinheiro mesmo.
Não é fácil reunir os números, mas uma estatística do jornal americano Chronicle of Philanthropy mostra que só em 2010, as doações nos Estados Unidos chegaram a US$ 70 bilhões. Mas apesar de ser um valor muito alto, ele também está corroído pela crise financeira de 2008 – todas as estatísticas sobre o assunto, no mundo inteiro, mostram que ultimamente houve um decréscimo nas doações.
Para se ter uma ideia, nos EUA até as doações de roupas, móveis e utensílios ao Exército da Salvação estão caindo: entre 2007 e 2010 o volume baixou 20%. Nos últimos 40 anos, por sinal, as doações de modo geral vêm caindo – o total de dólares sobe, mas quando se faz o ajuste dos valores pela inflação o resultado é desanimador.
Em Nova York a Fundação Robin Hood, que protege 1,8 milhão de cidadãos pobres da cidade, fez recentemente sua festa anual para arrecadação de fundos. Há convidados como Shakira, John Legend e Sheryl Crow, mas o que eles puderam doar este ano foi UR$ 56,5 milhões. É bastante, mas no ano passado o arrecadado foi quase um terço a mais: US$ 72 milhões.
Apesar disso, a filantropia não vai desaparecer, afirma o executivo Thomas J. Tierney no livro Give Smart: Philanthropy that Gets Results (em português, “Doar com sabedoria: a filantropia que traz resultados”, editora PublicAffairs, 272 páginas. Tierney é diretor do eBay desde março de 2003. Ao mesmo tempo, é fundador do Bridgespan Group, uma empresa de consultoria sem fins lucrativos especializada em investimentos no “terceiro setor”, ou seja, organizações ligadas à responsabilidade social.
Embora sua experiência pessoal seja o ponto de partida para a discussão do assunto, há exemplos e casos enriquecedores como a Fundação Bill e Melinda Gates. É claro que doar dinheiro a uma causa, seja qual for, é caso para pessoas ou empresas ricas, como Bill Gates ou a Coca-Cola, mas quem não está envolvido no assunto pode pensar que a filantropia está restrita apenas à doação. Pode até ter sido assim muito tempo atrás, mas os filantropos, atualmente, estão também muito interessados nos resultados obtidos.
Em contrapartida às doações que fazem, eles querem evidências do retorno do investimento que fazem. Isso vale, por exemplo, quando aplicam dinheiro em obras de saneamento – a expectativa é que os rios que recebem esgoto se tornem mais limpos e as populações beneficiadas mais saudáveis. Mas vale ainda para reduzir a mortalidade infantil nos países em desenvolvimento, abrigar cidadãos sem teto e assim por diante.
Todos esses resultados envolvem o estabelecimento de metas, para garantir que o dinheiro não seja aplicado inutilmente. Na verdade, o que se pode ver hoje nas grandes instituições beneficentes é um controle absolutamente rígido de metas e da aplicação das verbas, para que seja possível responder com precisão a todas as perguntas sobre investimento e resultados.
O Brasil tem uma enorme quantidade de instituições filantrópicas, chamadas genericamente de ONGs, mas não é possível colocar todas no mesmo saco. Algumas são notáveis e fazem um trabalho formidável, como as fundações ligadas a grandes empresas; há outras pequenas que também fazem um trabalho precioso, como aquelas que administram hospitais, museus e outros empreendimentos. Mas como a fiscalização do governo é falha, muitas usam o dinheiro da pior maneira possível. Experimente pesquisar no Google a expressão “escândalo ONG” ou “escândalo oscip” e veja o que aparece.
Fatos como esses fazem com que pessoas ou empresas com capacidade de fazer doações procurem instituições confiáveis – seja pela sua história e pelos seus resultados, seja pelo seu balanço.
Uma das coisas que os dirigentes de muitas organizações não-governamentais brasileiras ainda não parecem ter entendido muito bem é que somente o binômio resultados mais transparência pode lhes trazer mais doações. Os filantropos vão preferir, sempre, instituições que tenham, por exemplo, balanços auditados. Por outro lado, os investidores precisam mostrar os resultados do que fizeram com o dinheiro que saiu da companhia a fundo perdido.
Um dos conselhos que Tierney dá em seu livro é que as empresas sejam cuidadosas ao escolher o foco dos seus investimentos. Ele cita, por exemplo, a questão do aquecimento global. É um tema atual, diz respeito a toda a população do planeta, mas não pode ser olhado como tema para filantropia de resultados: é amplo demais e seus resultados não podem ser vistos com facilidade. Pior ainda, é um problema gigantesco, que deve ser abordado pelos governos e não pela filantropia. Diante disso, nenhuma empresa terá facilidade de mostrar resultados relevantes aos seus acionistas.
É possível investir nessa direção, explica ele, mas é preciso que os resultados, além de palpáveis, sejam relevantes para apresentação no relatório anual da empresa – é o caso de apostar em preservação de matas ou espécies e da redução da emissão de poluentes em algum lugar – alguma coisa que possa ser medida, filmada, fotografada. Caso contrário, os sócios ou acionistas terão pouquíssima disposição para doar parte do que ganham em favor de um tema genericamente chamado de “aquecimento global”.
FONTE: Paulo Brito, Diário do Comércio.