Grupos contratam empresas especializadas a fim de aumentar suas bases de doadores
A cena é comum em bairros com muitos escritórios: grupos de pessoas, identificados com o logo de uma organização do terceiro setor, tentam parar os pedestres. Se alguém os ouve, eles explicam qual é o propósito da ONG e, depois de alguns minutos, pedem doações.
Chamados de “mobilizadores”, eles são contratados por empresas especializadas em captação de recursos de pessoas físicas. Dois grupos internacionais desse setor começaram a trabalhar no país desde novembro do ano passado. A International Fundraising, espanhola, e a Appco, australiana, oferecem às ONGs o serviço de contato direto, que é essa busca por doadores nas ruas. Os mobilizadores procuram, principalmente, contribuintes regulares (que podem fazer doações mensais).
LEGITIMIDADE
A International Fundraising trabalha no Brasil com o MSF (Médicos Sem Fronteiras), a Aldeias Infantis (ONG que trabalha com direitos das crianças) e, em breve, também vai captar para a Action Aid (organização com foco em crianças e minorias). Quem trouxe a empresa para cá foi a consultoria Ader e Lang. A meta deles no país é fazer, anualmente, “200 mil novos doadores só com o contato direto”, diz Flávia Lang, uma das donas. As ONGs demoram, em média, 12 meses para quitar o investimento feito para trazer o doador, segundo Ader Assis, sócio da consultoria.
A empresa não revela quanto gasta para conseguir um novo contribuinte. Mas diz que custa mais ter vários doadores “pequenos” do que poucos que doam muito. A estratégia é mais segura (deixa o grupo menos dependente de poucos) e dá mais legitimidade à causa. O valor que as entidades pagam à International Fundraising varia com a quantidade de novos doadores. Em 2010, a empresa conseguiu, no mundo inteiro, 820 mil novos doadores e uma receita de € 95 milhões (R$ 218 milhões).
MAIS DOAÇÕES
A concorrente da International Fundraising, a Appco, conseguiu contratos com a WWF (que atua em ambiente) e com a Fundação Abrinq (direitos da criança). Victor Alcântara, gerente de marketing da Abrinq, conta que, até o fim de 2010, a organização recebia doações de 2.500 pessoas físicas. Neste ano já conseguiu dobrar esse número. “Nossa meta para cinco anos é ter 50 mil contribuintes”, afirma. Da receita de R$ 11 milhões do ano passado, 22% vieram de pessoas físicas, 62% de empresas e 16% de fundos internacionais.
Algumas ONGs fazem o seu próprio contato direto. É o caso do Greenpeace, que nunca aceitou dinheiro de empresas ou do governo. No país são 51 mil colaboradores. Juntos, eles doaram cerca de R$ 5 milhões em 2009.
Fim de repasses internacionais altera o financiamento do setor
As empresas captadoras de recursos aparecem no momento em que ONGs precisam de mais doadores entre as pessoas físicas. A ideia é depender menos da iniciativa privada, de repasses governamentais e de instituições estrangeiras. Grupos internacionais que repassavam recursos para o país estão reconsiderando suas estratégias, pois acham que o Brasil pode resolver seus problemas sociais.
Cordaid, Christian Aid e Oxfam, por exemplo, pararam de investir no Brasil, segundo Damien Hazard, da Abong (Associação Brasileira de ONGs). “Entre 2004 e 2008, 42 associadas [de um total de 243] perderam mais da metade do orçamento.” O MSF (Médicos Sem Fronteiras), que contratou a International Fundraising, pretende arrecadar R$ 10 milhões de pessoas físicas no país neste ano. A diretora brasileira de captação do MSF, Flavia Tenenbaum, conta que a média das arrecadações da rua é baixa, de R$ 34. “Mas a ideia é que eles fiquem por décadas com a instituição”, diz. A estratégia rendeu à ONG 820 novos doadores. O custo de cada um foi de R$ 240.
Para Marcelo Estraviz, presidente da ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos), “o que está em jogo é a forma como a doação é solicitada”. Para ele, quando se pede corretamente a contribuição, o dinheiro vem, e cita como exemplos o Criança Esperança e o Teleton. (FG)
FELIPE GUTIERREZ
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA