O Instituto ACP e a Iniciativa PIPA anunciaram a criação do Fundo POP, o primeiro Fundo de Desenvolvimento Institucional para Organizações Periféricas, cujo objetivo é democratizar o acesso ao investimento social e ampliar o impacto das organizações de base comunitária que operam no Brasil. O pré-lançamento do Fundo POP foi feito na última quinta-feira, em São Paulo, com participação da ABCR.
A ideia é que Fundo POP contemple duas instituições de cada região do país que tenham perfis e áreas de atuação diferentes, mas que enfrentem o desafio da escassez de recursos para ações de desenvolvimento institucional. Cada uma delas vai receber R$ 150 mil, distribuídos em três anos, além de fazer parte de uma comunidade de aprendizagem que terá formações com especialistas.
Entre os critérios de seleção para Fundo POP será preciso que as organizações sejam referência em seus territórios e que possuam trajetória comprovada; tenham lideranças, preferencialmente, de origem periférica dentro do próprio território onde atuam; tenham pessoas negras em posição de liderança; tenham CNJP ou a intenção de se formalizar e que possam ter um ponto focal com disponibilidade de tempo necessário para acompanhar o projeto ao longo dos três anos.
“Queremos oferecer mais do que um aporte financeiro para essas organizações, é importante disponibilizarmos formas para que as lideranças possam qualificar a gestão dos seus projetos. Para isso, elas terão treinamentos e mentorias técnicas e a oportunidade de conhecerem pessoas fora do universo em que estão inseridas, ampliando suas redes de relacionamentos e conexões. Se muitas dessas ONGs atendem mais de 500 pessoas com menos de 5 mil reais, imagina o que não poderão fazer com o aporte de recursos financeiros somados à formação e novas redes. Vai ser um impacto lindo e importante nas periferias. Tenho certeza que desse processo irão emergir novas lideranças dessas que todo mundo sente orgulho de apoiar”, destaca Rodrigo Pipponzi, presidente do Conselho e cofundador do Instituto ACP.
O Fundo POP está começando com a expectativa de investir 2 milhões nas organizações selecionadas nessa primeira etapa e na estrutura do fundo, sendo que o Instituto ACP está destinando R$ 900 mil e o restante será aportado por coinvestidores. As doações de outros financiadores serão repassadas às instituições e contribuirão com o investimento nas trilhas formativas com especialistas.
“Por conta deste cenário de falta de financiamento para as organizações de periferias, é urgente um fundo que doará recursos, de modo trianual, para gastos institucionais, para fortalecer a atuação dessas pessoas, para que executem seus projetos com mais fôlego. Mas chamamos a atenção de outros doadores para se engajarem na agenda de democratização de recursos paras as periferias, pois só teremos uma filantropia verdadeiramente estratégica no país, se os recursos chegarem na mão de quem faz a realidade acontecer”, Gelson Henrique, diretor-executivo da Iniciativa Pipa.
Periferias ficam fora das rotas de doações no Brasil
Em casos de emergências e tragédias ambientais, as desigualdades se tornam ainda mais evidentes e marcantes. As enchentes no Rio Grande do Sul são um exemplo disso. A resposta mais rápida e eficiente acontece nos próprios territórios afetados e mais vulneráveis, como por exemplo a entrega de água, mantimentos ou a chegada de resgate. Em momentos como esse, a importância das organizações periféricas se torna evidente e sua atuação faz a diferença pelo seu conhecimento do território e por fazer a ajuda chegar na população que mais precisa.
De acordo com a pesquisa Periferias e Filantropia – As barreiras de acesso aos recursos no Brasil, cerca de 15% dos projetos respondentes não possuem recursos, e 31% vivem com menos de R$ 5 mil por ano. Um montante baixo, comparado a quantidade de pessoas que são beneficiadas pelos projetos. “As ONGs garantem a visibilidade da luta das pessoas e garantem o mínimo de organização, identificação e autonomia para a gente pensar na luta por direito e dignidade. A partir da perspectiva do coletivo, que quer que sejamos vistos, a gente se fortalece e reconhece as dores dos outros, sendo possível pensar em melhorias para lidarmos com essa realidade que é cada vez mais dolorosa e sofrida”, ressalta Keu Silva, presidente da Revolution Reggae, uma organização de Conceição do Coité (BA).
Um dos desafios da organização destacado por Keu é a sustentabilidade financeira. Por não possuírem estrutura, as campanhas são sempre improvisadas e pensadas para ajudar na necessidade do momento. Além disso, todos seus funcionários são voluntários, ou seja, possuem trabalhos convencionais que também são prioridade. A mensalidade dos sócios não dá conta de pagar o aluguel da sede, diretoria e coordenações e manter as atividades, então a maior fonte de captação é vinda de editais.
A realidade da Revolution Reggae é a mesma de 89% das organizações entrevistadas na pesquisa Periferias e Filantropia – As barreiras de acesso aos recursos no Brasil, que afirmaram que a equipe gestora da organização também trabalha em outros lugares. Cerca de 32.9% também possuem sua maior parte da renda captada via editais. Olga Franco, cofundadora e presidente do Instituto Salve Quebrada, uma iniciativa que busca encurtar os caminhos que distanciam a comunidade da sociedade, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade nas periferias de São Paulo, também vive a realidade de uma organização periférica. Fundada há três anos, a Salve Quebrada já impactou positivamente mais de 14 mil pessoas nas comunidades em que possui atuação.
Assim como Keu Silva, da Revolution Reggae, Olga destaca o papel das organizações periféricas no fortalecimento comunitário. “Enfrentamos falta de acesso a oportunidades de estudo e trabalho, enfrentamos violência urbana, discriminação racial, baixa oferta de serviços públicos de qualidade, entre outros. Esses desafios contribuem para o ciclo de desigualdade e exclusão social. As ONGs periféricas desempenham um papel fundamental no fortalecimento das comunidades em que atuam, promovendo a participação cívica, o empoderamento comunitário e a construção de redes de solidariedade, ajudando a enfrentar os desafios locais de forma mais eficaz e inclusiva”.