Aulas aprofundadas abordaram desde inteligência artificial até estratégias de captação com recursos públicos e legados
Nos dias 14 e 15 de junho, o Festival ABCR abriu sua programação com as já tradicionais masterclasses, que trouxeram uma proposta mais imersiva de formação em captação de recursos. Com turmas reduzidas e foco na prática, os encontros aconteceram na FGV EAESP, em São Paulo, e reuniram profissionais de diferentes regiões do país. As masterclasses do Festival ABCR têm como diferencial a proximidade com os professores, o aprofundamento nos conteúdos e a possibilidade de trocas mais horizontais.
Imagine entrar numa sala com pessoas que, como você, estão ali para aprender, trocar e encontrar novas soluções para fortalecer suas organizações. Os professores estão a poucos passos de distância — não em cima de um palco, mas sentados com você, conversando diretamente. Você pode levantar a mão no meio da explicação, contar um caso real da sua instituição e ouvir uma resposta pensada para o seu desafio. Entre uma atividade e outra, ainda troca experiências com colegas que vivem dilemas parecidos. É isso que torna as masterclasses tão especiais.
Foram dois dias intensos de aprendizado. No sábado, pela manhã, três temas deram início às atividades: como montar um departamento de captação, com Natasha Alexander e Danilo Tiisel; uso crítico da inteligência artificial, com o time do canal SabIAr; e elaboração de projetos e plano de trabalho para captação de recursos públicos, com Nailton Cazumbá, Creuza Batista e Ricardo Falcão. À tarde, os participantes puderam escolher entre a masterclass sobre construção de pitch, com Flavia Lang e Ana Flavia Godoi, ou a aula sobre recursos públicos para além das emendas parlamentares, com Rosana Pereira e Eduardo Filho.
Já no domingo, a programação contou com aulas sobre captação e legados, com Lígia Peña, e um laboratório de inovação na captação, comandado por Marcelo Iniarra. Em paralelo, aconteceu a masterclass estendida de seis horas com Danilo Jungers, Thiago Massagardi e Marina Massagardi, que apresentaram as estratégias mais relevantes – entre as 52 mapeadas – para ampliar a sustentabilidade de organizações da sociedade civil. No período da tarde, encerrando as atividades, foram realizadas duas oficinas: uma sobre campanhas capital, com Victor Naranjo, e outra sobre Leis de Incentivo para captação de recursos, com Dani Torres.
Com a aula de pitch, consultor do Ceará captou R$ 300 mil
Na masterclass sobre construção de pitch, conduzida por Ana Flavia Godoi e Flavia Lang, os participantes mergulharam em técnicas essenciais para o momento de convencimento — aquele espaço rápido, direto e impactante em que é preciso engajar doadores ou investidores e demonstrar com clareza o valor do recurso solicitado. Foram abordados conceitos como Shifting Buyer (círculo do comprador), uso estratégico do storytelling e a importância de transmitir uma emoção diferente em cada momento do pitch.
Um dos momentos mais surpreendentes aconteceu durante uma atividade prática em sala. Depois de aprenderem os conceitos, os participantes foram convidados a preparar seus próprios pitches e, quem quisesse, podia se voluntariar para apresentar em voz alta. Robson Tadeu, de Fortaleza (CE), representante da Fundação de Apoio do Instituto Federal do Ceará, topou o desafio e compartilhou sua apresentação com o grupo. O pitch foi tão impactante que outro participante da aula, que é empresário, se manifestou ali mesmo: estava buscando um projeto cultural para apoiar e se comprometeu a doar R$ 300 mil à iniciativa de Robson.
“Nem eu sabia que eu conseguiria apresentar dessa forma. Já tive algumas apresentações lá em Fortaleza com empresas, mas agora, trazendo conceitos, habilidades e uma dimensão técnica que não usava antes, percebo como isso amplia as possibilidades”, contou. Segundo ele, participar da oficina foi uma forma de assumir o protagonismo na captação, diante da dificuldade de encontrar profissionais na área na região onde vive. “Se eu não estou conseguindo, eu vou tentar me profissionalizar. E, por surpresa, estou até conseguindo”.
O caso dele reforça uma das grandes lições da aula: vale sempre estar com um bom pitch na manga — a próxima oportunidade pode surgir onde a gente menos espera. Depois das atividades em aula, Flavia e Ana Flavia deixaram o convite para que os participantes gravassem seus próprios pitches e enviassem para elas. Os três melhores ganharam a oportunidade de apresentar o pitch ao vivo no palco do Festival ABCR e ainda receber uma doação para suas organizações.
Inteligência Artificial
Na masterclass sobre Inteligência Artificial, a participação foi marcada por troca intensa entre participantes e facilitadores. “A gente tem que continuar aprendendo, se aprimorando, porque a cada dia surgem novidades que podem ajudar nesse mundo da captação, sempre lembrando de trabalhar com segurança, respeitando a Lei Geral de Proteção de Dados”, disse a consultora de Fortaleza (CE), Karina Meirelles. “Abriu um horizonte enorme para que a gente consiga usar a Inteligência Artificial a favor das organizações e conseguir mais efetividade e mais produtividade na captação de recursos. Vou iniciar, a partir de agora, a utilizar as ferramentas aprendidas hoje”, contou o presidente do Instituto Educar Golandim, de Natal (RN), Carlos Moura.

“A turma foi super engajada e reuniu pessoas do Brasil todo trazendo seus usos, seus dilemas. Acho que foi pra gente muito especial ter essa troca e ver que esse tema tá cada vez mais próximo de quem tá captando recurso na ponta”, avaliou Mariana Pereira, palestrante da masterclass. “Em termos de adoção dessas ferramentas no dia a dia, o campo inicial ainda está em um nível muito inicial, se aproximando, testando bastante na área de comunicação, mas ainda tentando ganhar um pouco de corpo em termos de criticidade, perenidade, intencionalidade”.
Masterclasses internacionais
As masterclasses também receberam professores internacionais, entre eles a consultora canadense Ligia Peña. Certificada com a CFRE International desde 2007, ela é presidente da Globetrotting Fundraiser, pesquisa e ensina captação de legados. “Para mim, é sempre um prazer voltar à ABCR. Essa é a minha quarta vez aqui e vejo a progressão da profissionalização, com mais pessoas, mais fundadores querendo aprender mais. É sempre emocionante ver como o setor brasileiro está evoluindo ano após ano e isso é um grande testemunho do trabalho que a ABCR faz e da qualidade do Festival. A masterclass estava praticamente cheia, algo que não era possível anos atrás. Foi muito emocionante”, disse Ligia.

Cynthia Betti, CEO da International Brasil, participou da masterclass buscando entender um pouco mais sobre o tema e saiu animada com a possibilidade de colocar em prática o que aprendeu com Ligia. “A gente ainda não trabalha com legado aqui no Brasil. Cheguei aqui com pouquíssimo conhecimento e saio muito animada, começando muito bem o Festival ABCR. Foi uma oportunidade para começarmos a construir algo”.

Outra participação internacional foi a de Víctor Naranjo, consultor costarriquenho com 35 anos de experiência como captador de recursos para organizações sociais na América Latina. Ele conduziu a masterclass sobre campanha capital, ensinando desde os conceitos básicos até a conversa direta com o potencial doador. Ele explicou que as campanhas capitais são resultado de uma aprendizagem histórica, acumulada a partir da experiência de profissionais que perceberam a importância do contato pessoal, da construção de um bom caso para doação e da identificação de um mercado disposto a contribuir com altos valores. “Este é um dos temas que mais trabalho na minha profissão e muitos dos insumos que eu trouxe são baseados na vida prática”.
Analista em Gestão de Parcerias Corporativas da Habitat para a Humanidade Brasil, de São Paulo, Gilvan Borges foi um dos alunos da masterclass. “Vim com a expectativa de aprimorar meus conhecimentos como captador de recursos, entender métodos atualizados e trazer novas possibilidades para a nossa atuação. No terceiro setor, a gente precisa se qualificar o tempo todo”, disse Gilvan. “Eu já tinha ouvido falar sobre campanha capital, mas não sabia como funcionava. Agora sei como é na prática, quem é o público-alvo e quais são os métodos utilizados. Foi muito técnico, muito agregador. Saio satisfeito com o aprendizado e com a certeza de que vou reproduzir isso com os colegas da organização”.