“Uma semente ao tocar a terra nunca mais será a mesma. Ela germinará para surgir uma nova vida”. Estas mensagens fazem parte de uma campanha digital realizada pela Médicos Sem Fronteiras (MSF) no Brasil para incentivar as pessoas a incluírem a organização em seus testamentos. Com imagens sensíveis, o vídeo da campanha explica que a doação de uma parte do patrimônio ajudará a salvar milhares de vidas no futuro.
Ao deixarem um legado para organizações filantrópicas, os doadores causam um impacto significativo e duradouro, colaborando para a construção de uma sociedade mais igualitária. Esta forma de contribuição é pouco debatida no Brasil, mas igualmente valiosa para o Terceiro Setor. “Temos uma prática menos proativa nesse sentido. Fora do país, há universidades com fundos patrimoniais que incentivam as pessoas a deixarem seu legado. Aqui ainda não temos essa cultura”, avalia a advogada Priscila Pasqualin, sócia responsável pela área de Filantropia, Investimento Social de Impacto e Terceiro Setor na PLKC Advogados.
Não é necessário ter um alto poder aquisitivo para deixar parte do patrimônio para causas sociais e há várias possibilidades de doação: recursos financeiros, cotas de fundo de investimento, veículos, imóveis, joias, obras de arte. Segundo Priscila, cada vez mais pessoas procuram o escritório para deixar um legado para organizações da sociedade civil.
“Temos uma área de Filantropia, pela qual sou responsável, e uma área de Família, na qual muitas pessoas fazem testamentos. Como a filantropia e a cultura de doação são valores do escritório, os clientes nos pedem isso ou falamos sobre a possibilidade de deixar um legado para a sociedade. É algo que tem sido cada vez mais conversado nesses processos de construção de um testamento, algumas vezes pedem para indicarmos uma instituição ou a pessoa já vem com nomes de instituições que conhece”, explica Priscila. “Procuramos sempre incentivar que a pessoa doe em vida porque verá o resultado do processo. Muitos clientes acabam aderindo a isso e, às vezes, deixam em testamento aquilo que não passaram em vida para uma causa ou instituição”, acrescenta.
Com base na experiência da Médicos Sem Fronteiras, trazemos abaixo a sequência de passos necessários para estruturar uma área de captação de legados na sua organização.
Trâmites legais
Para registrar um testamento, é preciso comparecer a um tabelionato de notas com duas testemunhas, que não podem ser beneficiadas pelo documento, o ideal é que sejam pessoas neutras. Outra exigência é respeitar a legislação de sucessão: quando alguém possui herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge), eles devem receber, no mínimo, 50% do patrimônio. O restante pode ser destinado livremente conforme o desejo do doador. Quando se trata de famílias com grandes patrimônios, é mais comum constituir fundações e institutos para perpetuar a missão filantrópica.
“As doações de herança têm o mesmo impacto que as doações mensais e ocasionais. Para nós, têm a mesma dimensão. Na maior parte das vezes, existem as doações transmitidas em vida e as doações feitas no testamento, que receberemos no futuro”, afirma Carina Ponte, coordenadora de Parcerias Estratégicas da Médicos Sem Fronteiras Brasil.
Quando percebeu o potencial que as heranças representavam nos seus escritórios em outros países, a organização começou a estruturar um planejamento com essa estratégia de arrecadação no Brasil.
“Começamos esse trabalho em 2019 e sentimos necessidade de informações. Temos algumas pesquisas sobre o comportamento da doação no país, os canais e veículos em que podemos encontrar possíveis doadores, mas não há tantas informações sobre heranças. A Médicos Sem Fronteiras Brasil resolveu olhar para a herança de uma forma mais ativa, antes realizávamos um trabalho puramente de receber os contatos, não captávamos ativamente”, explica Carina.
Faça uma análise sobre a organização e defina fluxos de tarefas
Segundo Carina, o primeiro passo para criar uma área focada em heranças foi fazer uma análise interna da MSF Brasil, criar fluxos de tarefas e verificar inventários e testamentos. A organização se estruturou e envolveu os setores financeiro, administrativo e jurídico para apoiar os processos relacionados a inventários.
Pesquise o perfil do público e comunique essa possibilidade de doação
Com a falta de dados sobre o universo de heranças, a MSF Brasil investiu em uma pesquisa minuciosa sobre o tema para elaborar diretrizes de captação e comunicação. O estudo foi feito com 2000 pessoas de várias regiões do país, divididas entre doadoras e não doadoras.
“Um ponto interessante é que identificamos que uma parte expressiva da nossa base de doadores não tinha conhecimento de que aceitávamos doação de heranças porque não informávamos. Havia um potencial dentro da base que, por não ser trabalhado, não tinha conhecimento sobre isso. A partir do momento em que pensamos em trabalhar isso ativamente, quisemos compreender nossa base e percebemos que havia possibilidade de conversar com ela. Olhamos para fora, mas também olhamos para dentro, para pessoas que iriam receber essa informação que poderia despertar a vontade de deixar uma parte do seu patrimônio”, destaca Carina.
Construa estratégias de captação e comunicação baseadas em dados
Antes de iniciar a captação, a MSF Brasil também elaborou uma régua de relacionamento que abrange desde o início da entrada de um possível doador até a continuidade como um colaborador, com marcos importantes como o aniversário de um ano do relacionamento entre o doador e a organização, entre outros. A instituição começou a trabalhar tanto com sua base de doadores quanto com novos doadores.
Em 2020, foi realizada a primeira campanha sobre o tema e os resultados foram muito significativos. O crescimento de testamentos que beneficiavam a organização foi de 400%. Atualmente, a comunicação da possibilidade de deixar um legado é feita por meio de campanhas on-line e envio de mala direta para a base de doadores. Neste ano, a MSF Brasil divulgará pela primeira vez uma campanha sobre o tema na televisão.
Foque nos efeitos da generosidade e evite falar de morte
Embora deixar um legado para uma organização signifique lidar com falecimentos, Carina esclarece que a divulgação é focada no resultado das doações: “Fizemos uma campanha para sensibilizar as pessoas sobre as heranças, que são doações que possuem um impacto no futuro. Trabalhamos muito com o mote da semente, de que toda doação nos ajuda a salvar vidas. O gesto da semente é o de plantar”.
Priscila Pasqualin também acredita que a comunicação entre OSC e potenciais doadores deve se concentrar no legado que as pessoas querem deixar para a sociedade em vez de abordar a morte, que é um assunto delicado.
Faça um acompanhamento e gestão de inventários
Em 2021, a MSF Brasil ampliou ainda mais os fluxos internos, aprimorando a gestão dos inventários. Isso significa ter o acompanhamento de advogados para cumprir todos os trâmites e requisitos legais de um inventário. Geralmente, os inventários são concluídos em curto ou médio prazo, gerando as doações para Médico Sem Fronteiras. “Os testamentos são a possibilidade de receita no futuro. O documento representa a vontade do doador, que deseja deixar um legado para a organização”, observa Carina.
Procure escritórios de sucessão
Além desses meios de divulgação, a instituição também entra em contato com escritórios jurídicos que trabalham com sucessão para informá-los que recebe doações em testamento. O trabalho ocorre diretamente com advogados e não há um diálogo da MSF Brasil com os clientes atendidos. A página da MSF Brasil possui um passo a passo para ajudar as pessoas a deixarem um legado. Existe a opção de enviar uma cópia do testamento para a MSF Brasil, que arquiva o documento de maneira sigilosa.
Na opinião de Carina, qualquer organização pode captar legados, desde que tenha uma estrutura adequada para isso e o acompanhamento de advogados. Na MSF Brasil, a receita obtida por essa forma de captação é equivalente a outras áreas de captação de recursos. O auge da arrecadação ocorreu de 2020 a 2021, com um aumento de 1000% nos recursos. Desde o início da área de heranças até 2022, a organização registrou um crescimento de 7700% na receita.
Manter uma cultura de dados é importante não só para a captação de recursos, como também para vários processos das organizações sociais. Clique aqui para saber mais sobre o assunto.
Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas

