Fundo de emergência para desastres climáticos, saúde mental como prioridade no terceiro setor e a diversificação do investimento social privado. Esses são alguns dos temas que devem pautar a filantropia brasileira em 2025, segundo o relatório Perspectivas para a Filantropia no Brasil, lançado pelo IDIS (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social). O documento, que chega à sua quarta edição, aponta seis frentes prioritárias para o setor e é um bom termômetro para quem trabalha com captação ao apontar tendências e movimentações que podem influenciar diretamente a forma como organizações acessam e mobilizam recursos.
O estudo mostra que, no Brasil, a filantropia tem sido cada vez mais mobilizada para responder a crises, seja a partir de desastres ambientais ou do impacto de questões estruturais, como a desigualdade social. Além disso, destaca a necessidade de fortalecer a governança das OSCs (organizações da sociedade civil), ampliar a atuação de pequenas e médias empresas no investimento social e garantir que pautas como diversidade e inclusão não percam espaço nas estratégias das empresas. “A filantropia se mostra ainda mais necessária em momentos de crise, funcionando como espaço de resistência, inovação e, acima de tudo, esperança em ação”, afirma Paula Fabiani, CEO do IDIS, na introdução do relatório.
Filantropia em tempos de emergência
O primeiro tópico do relatório trata das respostas filantrópicas a desastres, tema que, pelo terceiro ano consecutivo, aparece entre as principais preocupações do setor. O levantamento cita episódios como as enchentes no Rio Grande do Sul e a seca extrema na Amazônia para evidenciar a necessidade de um modelo de resposta mais estruturado para emergências climáticas.
A falta de planejamento público e privado para lidar com essas situações faz com que o impacto social das catástrofes seja ainda mais profundo, ampliando desigualdades. O relatório defende que a filantropia pode ter um papel central na construção de soluções coordenadas, que vão além do socorro imediato e garantam ações de prevenção e reconstrução. Uma das iniciativas citadas é o Fundo Emergencial RegeneraRS, desenvolvido após as enchentes no Rio Grande do Sul, que aposta no modelo blended finance – uma mistura de capital filantrópico e crédito – para apoiar pequenos negócios afetados.
Saúde mental e o engajamento social
A exaustão psíquica tem sido um fator crítico para a mobilização da sociedade civil. O Brasil ocupa a quarta pior posição no ranking global de saúde mental, segundo a pesquisa The Mental State of the World, e lidera as estatísticas de burnout no ambiente de trabalho. No terceiro setor, o cenário não é diferente: 43% dos profissionais de OSCs relataram níveis preocupantes de desgaste emocional, de acordo com um estudo da Phomenta.
O relatório do IDIS argumenta que a filantropia precisa incorporar a promoção do bem-estar mental como parte de sua estratégia. Organizações como o Instituto Desacelera, que propõe um modelo de vida menos acelerado, e o programa Vertentes, que recebeu um aporte de R$ 750 mil da RD Saúde, são citadas como exemplos de iniciativas que trabalham para fortalecer essa pauta no setor. “A mobilização social depende de pessoas emocionalmente saudáveis. Quando a exaustão se impõe, a capacidade de agir coletivamente fica comprometida”, pontua o documento.
Aposta na governança das OSCs
Além dos desafios externos, o relatório destaca que a própria estrutura das OSCs precisa ser fortalecida para garantir impacto perene. Segundo o IDIS, a governança ainda é um ponto frágil para muitas organizações, que enfrentam dificuldades para captar recursos e estruturar processos internos.
Uma das tendências apontadas é o envolvimento de voluntários especializados na gestão das OSCs. O relatório cita o programa Dirigentes Voluntários, da Fundação FEAC, que capacitou 90 pessoas para atuar em conselhos de organizações sociais em Campinas. A ideia é que profissionais com expertise em áreas como finanças e planejamento estratégico contribuam para estruturar melhor essas instituições.
Diversidade e inclusão em risco
Outro ponto de atenção para 2025 é a possibilidade de retrocesso na pauta da diversidade e inclusão no setor privado. Segundo o Instituto Ethos, 45,3% das empresas brasileiras ainda não possuem nenhuma ação afirmativa, e apenas 21,1% têm programas específicos para a inclusão de pessoas negras. O relatório do IDIS alerta que, no último ano, grandes empresas globais reduziram investimentos em diversidade, seguindo um movimento iniciado nos Estados Unidos. A tendência preocupa, pois pode limitar avanços conquistados nos últimos anos.
Entre as iniciativas que buscam garantir que a pauta siga ativa está o Pacto de Promoção da Equidade Racial, que já reúne grandes empresas comprometidas com metas concretas para a inclusão de lideranças negras. Além disso, o Instituto Rodrigo Mendes criou um selo de educação inclusiva para incentivar empresas a apoiarem projetos de ensino voltados a pessoas com deficiência. “O risco de estagnação é real. A filantropia precisa atuar como um contraponto a esse movimento, garantindo que diversidade e inclusão sigam sendo prioridades”, destaca o relatório.
O papel das pequenas e médias empresas na filantropia
Por fim, o estudo aponta a necessidade de ampliar o investimento social privado entre pequenas e médias empresas. Apesar de representarem 90% dos negócios no Brasil e responderem por 30% do PIB, essas empresas ainda têm pouca participação no setor filantrópico. Movimentos como o Compromisso 1%, que incentiva empresas a doarem parte do lucro para causas sociais, começam a ganhar tração no país. A Pantys, por exemplo, já destina 1% do seu faturamento para iniciativas sociais, enquanto a Agência Métrica estabeleceu uma meta de começar a doar no prazo de dois anos.
A regulamentação da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que passa a exigir relatórios de sustentabilidade para empresas de médio porte a partir de 2026, também pode impulsionar a adoção de práticas filantrópicas nesse segmento.
Filantropia como espaço de esperança
O relatório do IDIS conclui que a filantropia brasileira segue se transformando diante de um cenário de incertezas. “A filantropia não é a única resposta, mas pode ser uma peça essencial para construir soluções estratégicas e coletivas. As mudanças que queremos ver no mundo são possíveis – e o setor tem um papel fundamental nisso”, finaliza o documento, que está disponível para download no site do IDIS.
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Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas