No momento, você está visualizando Pesquisa revela entraves enfrentados por OSCs na relação com os bancos e aponta caminhos para superá-los

Pesquisa revela entraves enfrentados por OSCs na relação com os bancos e aponta caminhos para superá-los

Abrir uma conta bancária, compreender as tarifas cobradas ou realizar um simples pagamento com cartão de crédito são ações que fazem parte da rotina de qualquer pessoa ou empresa, mas para boa parte das organizações da sociedade civil (OSCs) brasileiras, essas tarefas continuam sendo obstáculos que consomem tempo, energia e, muitas vezes, inviabilizam atividades fundamentais para o cumprimento de suas missões. Esse é o retrato apresentado na pesquisa “Desafios e Soluções na Relação das OSCs com o Sistema Bancário”, lançada pelo Instituto OSC Legal com apoio da Inter-American Foundation (IAF) e do International Center for Not-for-Profit Law (ICNL).

O lançamento da publicação foi realizado em formato de live e contou com a participação de Lucas Seara, coordenador do Instituto OSC Legal e conselheiro da ABCR, e Fernando Nogueira, diretor executivo da ABCR, que em 2023 publicou a pesquisa “As ONGs e os Bancos”, também dedicada a mapear as dificuldades enfrentadas por organizações da sociedade civil no acesso ao sistema bancário. 

O ponto de partida do novo estudo publicado pelo OSC Legal foi uma constatação cotidiana: muitas OSCs enfrentam, ainda hoje, dificuldades para acessar serviços bancários básicos. Isso inclui desde o primeiro contato com o banco — geralmente já na abertura da conta — até situações mais complexas envolvendo transferências internacionais ou contratação de serviços como cartões corporativos. 

Um setor pouco compreendido

De acordo com dados do IPEA e do Mapa das OSCs, o Brasil possui hoje mais de 897 mil organizações da sociedade civil ativas. Essa presença massiva é acompanhada de um impacto econômico relevante: as OSCs são responsáveis por 4,27% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional e geram mais de 4,7 milhões de empregos formais. A pesquisa destaca ainda que 57 milhões de brasileiros estão envolvidos em algum tipo de voluntariado, evidenciando o tamanho e a força desse campo.

Apesar disso, o setor ainda é pouco compreendido — especialmente pelo sistema financeiro. Boa parte dos bancos ainda aplica às OSCs os mesmos critérios usados para empresas com fins lucrativos, o que gera incompatibilidades técnicas e operacionais. “As maiores dificuldades decorrem exatamente do setor bancário não conhecer a realidade dessas organizações”, afirmou Lucas Seara durante o evento de lançamento.

“42% das organizações avaliaram a relação com os bancos, de maneira geral, como abaixo do razoável. Isso é muito sintomático desse descompasso no entendimento do sistema bancário do que é esse universo das organizações sem fins lucrativos”, completou Lucas. Essa desconexão se manifesta de várias formas. A começar pela abertura de contas: 48% das organizações relataram dificuldades para entender os regulamentos bancários. Na pesquisa da ABCR, já era apontado que 33% das organizações respondentes já tiveram tentativas de abertura de contas negadas.

Entraves documentais, falta de clareza e ausência de canais específicos

Entre os principais obstáculos apontados pela pesquisa estão as exigências documentais excessivas e confusas, como a solicitação de comprovantes de renda (incompatíveis com a natureza das OSCs), pedidos de documentos que variam de agência para agência, e dificuldade para apresentar informações em modelos exigidos pelos bancos — mesmo quando os documentos já atendem à legislação brasileira.

A falta de clareza sobre tarifas e encargos também aparece com destaque. 71,4% das OSCs afirmaram que não receberam explicações claras e diretas sobre as cobranças bancárias. Além disso, 57,2% avaliaram o atendimento dos bancos como abaixo do razoável no quesito transparência. Algumas relataram inclusive cobranças feitas mesmo com a conta sem saldo.

O problema é ainda mais grave para organizações de pequeno porte, especialmente as localizadas em municípios do interior. Sem acesso a suporte jurídico constante ou estrutura administrativa robusta, muitas acabam aceitando as exigências dos bancos sem questionamento ou recorrem a soluções informais — como movimentar recursos em contas de pessoas físicas. A pesquisa da ABCR reforça esse dado: 26% das organizações disseram já ter utilizado contas de pessoas físicas para viabilizar suas atividades e 17% tiveram contas bloqueadas ou sofreram cobranças indevidas.

Falta de atendimento humanizado e dificuldade com serviços básicos

A pesquisa do Instituto OSC Legal também mostra que o atendimento bancário raramente está preparado para lidar com as especificidades das OSCs. Não há equipes treinadas nos bancos para esse tipo de cliente institucional e os gerentes demonstram desconhecimento do funcionamento e da base legal das organizações sem fins lucrativos.

Para além das dificuldades operacionais, o impacto desse despreparo é profundo. Em pelo menos um caso relatado no relatório, o banco exigiu que uma organização internacional refizesse o contrato de repasse de recursos porque não aceitava o modelo original — colocando em risco a continuidade do financiamento.

E a experiência digital? Agilidade, mas sem respaldo

As fintechs e os bancos digitais entraram na pesquisa como alternativa mais recente ao sistema financeiro tradicional. Os dados mostram que 62% das organizações não enfrentam dificuldades com os serviços digitais oferecidos pelos bancos — um resultado positivo que aponta para um novo caminho. A maioria avaliou os aplicativos móveis e plataformas digitais com notas entre 3 e 4, numa escala de 1 a 5. Serviços como emissão de boletos, cartões corporativos e gestão online têm funcionado bem.

Por outro lado, persistem entraves importantes. O principal deles é a falta de atendimento humano. Quando surge um problema mais complexo, como bloqueios, exigências regulatórias ou dúvidas jurídicas, os algoritmos não resolvem. Além disso, não é possível receber recursos públicos via fintechs, por exigência do Marco Regulatório das OSCs (Lei nº 13.019/2014), que determina que os repasses sejam feitos em contas isentas de tarifas mantidas em bancos públicos.

Mesmo entre os bancos tradicionais, dificuldades com tecnologia persistem: relatos incluem falhas nos aplicativos, ausência de suporte técnico e sistemas pouco intuitivos para gestão de contas de organizações.

Caminhos para avançar

A partir da escuta das entidades participantes, o relatório organiza um conjunto de diretrizes concretas para orientar transformações na forma como os bancos se relacionam com as OSCs. Essas propostas, que surgiram espontaneamente nos relatos das organizações, foram agrupadas em cinco eixos principais: a capacitação dos atendentes bancários, a redução da burocracia, a criação de produtos específicos para OSCs, a criação de canais exclusivos de atendimento e a participação das organizações em espaços de escuta com bancos e reguladores

Para acessar a pesquisa completa, basta preencher o formulário disponível neste link.

Leia também: Captação de Recursos no MROSC: mudanças no cenário

Deixe um comentário