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Cultura de doação, recorrência e confiança: o que revelam os dados da Pesquisa Doação Brasil 2024?

Fernando Nogueira, Diretor Executivo ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos)
Vivian Fasca, Membro do Comitê Coordenador do Movimento por uma Cultura de Doação (MCD) e Diretora de Marketing e Fundraising da Plan International Brasil

É sempre momento de celebrar quando chega uma nova edição da Pesquisa Doação Brasil. Em especial, por vários motivos. Para começo de conversa, há muitas boas notícias, como o aumento do valor doado pelos brasileiros, a melhoria de vários indicadores, a expressão da solidariedade brasileira em tempos de emergências. Além disso, é fundamental termos cada vez mais dados de qualidade sobre o setor social. Finalmente, muitos vivas à pesquisa por sua regularidade e constância. Facilita análises de tendências de bases históricas, além de sinalizar um amadurecimento institucional do IDIS, dos investidores que acreditam nesta ideia e do ecossistema de filantropia brasileira. 

Este artigo é fruto de uma leitura dos dados da pesquisa pela lente da Cultura de Doação. Se queremos um Brasil cada vez mais doador, é fundamental termos iniciativas como esta que tragam dados e nos ajudem a ver tendências, avanços e desafios.

A partir do olhar da cultura de doação, escolhemos focar em dois aspectos: a recorrência das doações e a questão da confiança. Sabemos que são fatores fundamentais para um Brasil mais doador. Se a doação for vista, cada vez mais, como prática cotidiana, será natural que a frequência das doações aumente. E confiança é um consenso na literatura acadêmica: é fator decisivo na motivação das doações.

Os dados revelados pela pesquisa mostram razões para otimismo, mas também alertas que precisam de atenção para quem trabalha no setor social.

Doações recorrentes: de novo esse assunto?

Doações recorrentes de indivíduos, especialmente com frequência mensal, são essenciais para que o volume de recursos financeiros arrecadados seja suficiente para contribuir para a sustentabilidade financeira de organizações da sociedade civil. Por outro lado, um volume maior de brasileiras e brasileiros doando todos os meses dinheiro para causas socioambientais, demonstra que a cultura de doação está mais madura e permeia hábitos e valores das pessoas.

Portanto, o achado da Pesquisa Doação Brasil 2024 sobre a redução do volume de pessoas dispostas a doar mensalmente para a mesma organização, caindo de 44% em 2022 para 39% em 2024, é motivo de reflexão. Essa queda vem acompanhada de outro dado importante: a prática de doar para as mesmas organizações, ano após ano, está em declínio, com apenas 49% afirmando manter esse padrão, contra 55% em 2020 e 69% em 2015.

Entre os fatores para explicar a queda na fidelização às instituições, a Pesquisa identificou que os doadores brasileiros estão mais cautelosos e criteriosos, buscando decisões mais embasadas para escolher as organizações que merecem receber suas doações, muitas vezes cancelando suas doações por falta de confiança, transparência ou clareza por parte dessas mesmas instituições. Se por um lado, isso pode ser compreendido como maior maturidade do doador institucional brasileiro, aquele que doa dinheiro, também revela o quanto o distanciamento e desconhecimento em relação, especialmente às organizações da sociedade civil, desperta um grau alto de desconfiança. 

Isso é um indicador de quanto ainda é preciso avançar na promoção da cultura de doação, fortalecendo e aproximando as organizações da sociedade civil que atuam no país da população brasileira em geral, reforçando o ato de doar como parte do exercício de cidadania, ao mesmo tempo em que as próprias organizações precisam reforçar, em seus canais de comunicação, informações claras e transparentes sobre sua atuação e impacto, e sobre como utilizam os recursos financeiros que recebem.

Apesar da queda das doações institucionais mensais, observou-se na Pesquisa que doações feitas com intervalos maiores, por exemplo, de 6 em 6 meses aumentaram. Este dado somado ao crescimento das doações emergenciais, que representaram 74% das motivações para doar em 2024, num ano recheado de emergências, como a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul, indica que pode estar havendo competição na carteira dos doadores brasileiros entre o comprometimento contínuo com uma causa/uma organização e as várias emergências que acontecem ao longo do ano. Como estamos em tempos de intensificação da crise climática, que provavelmente tornará as emergências do clima mais frequentes, este pode não ser um dado pontual de 2024.

Será necessário acompanhar este comportamento nos próximos anos, para compreender as preferências dos doadores institucionais brasileiros em relação às doações recorrentes de dinheiro. Em alguns países, os doadores institucionais dão preferência a doações pontuais repetidas vezes ao longo do ano, o que podemos chamar de doações ocasionais, mas evitam se comprometer com a doação todos os meses. E em alguns casos, o valor doado anualmente atinge valores altos, mesmo sem a frequência mensal. Isso exige também uma abordagem diferente por parte das organizações, realizando campanhas contínuas com o pedido de doação.

Confiança: desconfiamos que isso é importante…

Apesar da maioria dos brasileiros reconhecer a importância das ONGs e sentir-se bem ao doar, ainda há muito espaço para aumento na cultura e na prática da doação. Esta nova edição da Pesquisa Doação Brasil reforça o quanto a confiança é um dos fatores-chave na consolidação desta cultura.

Quem confia mais, tem mais tendência a doar. Mas o outro lado também é verdadeiro: quem confia menos, doa menos.

A confiança como motivadora da doação aparece de muitas formas

Pode se revelar nos critérios e cuidados para fazer a doação: as razões mais citadas para fazer uma doação se relacionam a conhecer bem a causa e a organização beneficiada.

Pode aparecer também como os motivos que mais influenciaram em uma decisão de doação. Não surpreende que igrejas, grupos comunitários, família, amigos ou vizinhos sejam citados como os grupos de maior influência. Não por acaso, são os grupos nos quais tendemos a depositar nossa maior confiança.

A desconfiança como razão para não doar também tem muitas facetas

Só 30% acreditam que a maior parte das ONGs é confiável. Similar à edição anterior, mas muito abaixo dos 41% da edição de 2020 – e também muito abaixo do que gostaríamos. Quanto maior a renda do potencial doador, maior a desconfiança em relação às ONGs e ao uso dos recursos.

33% afirmam que as ONGs deixam claro o que fazem com os recursos que recebem. Quando perguntado de forma mais específica, se o respondente confiaria no uso do seu dinheiro doado, a desconfiança aumenta mais ainda, pulando para 46%. Esse número vem subindo de forma lenta e consistente desde a primeira edição.

A Pesquisa também destaca um subgrupo: homens adultos (entre 30 e 50 anos) são os que mais desconfiam das ONGs, enquanto mulheres, jovens e idosos tendem a ter uma visão mais favorável. Esse dado parece estar alinhado ao de outras pesquisas feitas no Brasil e no mundo sobre a polarização política e a descrença na sociedade civil entre pessoas com esse perfil, e merece atenção especial em futuros estudos.

Finalmente, a pesquisa aprofunda o olhar para não-doadores. Em 2024, a falta de confiança e transparência chegou à liderança para este grupo, como razão para não doar (citada por 38% dos respondentes), praticamente empatada com a falta de condições financeiras (37%). A tendência é preocupante: a desconfiança como motivo de não-doação passou de 12% das citações em 2020 para os atuais 38%!

Mas nem tudo parece perdido. Perguntados se algo os faria voltar a doar, 69% se mostraram dispostos, o maior número nas últimas três edições. Entre as principais condições para voltar a ser doador, 3 das 4 respostas mais citadas envolve algum aspecto ligado à confiança (saber como o dinheiro será usado, conhecer uma organização em que confie, transparência / prestação de contas).

Reflexões finais

Os resultados da Pesquisa Doação 2024 chegam num contexto desafiador para a promoção da cultura de doação no País e para o aperfeiçoamento das práticas de captação de recursos pelas organizações da sociedade civil.

Estamos diante de um cenário com mudanças significativas na filantropia internacional com redução de recursos e maior competição junto aos financiadores institucionais, ainda sem observar crescimento significativo do investimento social privado brasileiro e de doações corporativas, para além do aporte em projetos incentivados, que recebem recursos via leis de incentivo fiscal.

Nesse contexto, o copo parece meio vazio com o dado geral da Pesquisa Doação de 2024, indicando queda na proporção de brasileiros que doaram em 2024: 78%, ante 84% em 2022, patamar similar ao de 2015. 

Por outro lado, para compensar este contexto desafiador, a Pesquisa Doação 2024 apresenta o copo meio cheio com dados animadores, como o crescimento do percentual de doadores institucionais brasileiros, os que doam dinheiro para causas. 43% da população brasileira manifestou ter doado dinheiro em 2024, o maior percentual registrado desde 2015.

O crescimento também do valor médio doado para R$ 1.180, ante R$ 833 em 2022 é também boa notícia, registrando uma mediana de R$ 480 por doador, em 2024, ante R$ 300 em 2022.

Esses dados nos mostram que, apesar de termos uma estrada pela frente para tornar a doação entre brasileiras e brasileiros parte fundamental da nossa cultura, estamos evoluindo e temos um potencial imenso a ser explorado em várias dimensões nos próximos anos.

*Artigo publicado originalmente na Pesquisa Doação Brasil 2024

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