Os fundos patrimoniais (endowments) estão em fase de amadurecimento no Brasil e os números confirmam esse avanço. É o que revela a quarta edição do Anuário de Desempenho de Fundos Patrimoniais, publicado pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social em parceria com a Coalizão pelos Fundos Filantrópicos. A publicação analisou dados de 92 fundos que, juntos, somam R$ 139 bilhões em patrimônio. Trata-se de um crescimento de 130% no número de respondentes desde a primeira edição, e uma cobertura de 76% do universo total de fundos mapeados no país em 2024
Os fundos patrimoniais são mecanismos criados para garantir a sustentabilidade financeira de instituições no longo prazo. Eles funcionam como uma reserva estratégica: o capital principal é investido e apenas os rendimentos gerados (ou parte deles) são utilizados para financiar atividades-fim da organização. Esse modelo já é consolidado em universidades, museus e hospitais em países como os Estados Unidos. No Brasil tem sido adotado por organizações da sociedade civil como uma forma de diversificar fontes de receita, reduzir a dependência de editais e doações pontuais e assegurar maior autonomia na realização de suas missões sociais.
Panorama do setor no Brasil
Desde a primeira edição do anuário, publicada em 2021, o crescimento do patrimônio dos fundos patrimoniais no Brasil foi vertiginoso: saltou de R$ 12 bilhões para R$ 139 bilhões em 2024. Isso se deve tanto ao aumento do número de fundos respondentes, que chegou a 92 nesta edição, 24% a mais que no levantamento anterior, quanto à entrada de novos fundos de grande porte e à valorização dos ativos financeiros ao longo do período.
Ainda assim, o total mapeado representa cerca de 76% do universo conhecido, o que indica que há fundos ativos que não participaram da pesquisa, dificultando um retrato completo do setor. Mesmo com essa limitação, os dados revelam um avanço robusto e sinalizam que o modelo de endowment começa a ganhar relevância no país.
Captação e uso do patrimônio
Em 2024, os 92 fundos patrimoniais que responderam à pesquisa captaram um total de R$ 770,4 milhões em doações e aportes. O valor representa um aumento de 48,4% em relação ao ano anterior. O crescimento foi registrado em todas as faixas de patrimônio analisadas, com destaque para a Faixa 1 (fundos com até R$ 10 milhões), que teve aumento de 81,4%, e para a Faixa 4 (acima de R$ 500 milhões), com crescimento de 71,8% na captação. A maioria dos recursos captados veio de pessoas físicas (46,2%) e empresas (35%).
A pesquisa também revelou que a maioria dos fundos realiza captação ativa de recursos. Dos 92 respondentes, 73 afirmaram adotar estratégias ativas de mobilização de doações, o equivalente a 79% da amostra. Apenas 19 fundos (21%) disseram não realizar esse tipo de mobilização. O anuário não detalha os métodos utilizados, mas considera a captação ativa uma prática relevante para ampliar o patrimônio e a capacidade de financiamento de longo prazo dos fundos. Além dos dados de volume captado, o anuário destaca que os recursos continuam concentrados: cinco fundos foram responsáveis por 79% do total arrecadado em 2024 e os dez maiores responderam por mais de 91% das doações.
Os repasses também bateram recorde: R$ 2,8 bilhões foram utilizados em 2024, sendo 92% destinados diretamente às causas apoiadas e 8% à manutenção dos fundos. O maior volume de repasse médio por fundo foi registrado entre aqueles com mais de R$ 500 milhões de patrimônio, com R$ 146 milhões, enquanto os menores fundos usaram, em média, R$ 300 mil. Apesar do avanço, 80% dos fundos ainda respondem por menos da metade do orçamento total das instituições que apoiam.
Lei dos fundos patrimoniais ainda é pouco utilizada
A Lei nº 13.800/2019, sancionada em janeiro de 2019, é o marco legal que regulamenta os fundos patrimoniais filantrópicos no Brasil. Ela estabelece regras para a criação, gestão e uso desses fundos. Segundo a lei, o fundo deve ser gerido por uma organização gestora independente, com CNPJ próprio, que não pode executar diretamente os projetos financiados. Essa separação entre quem administra os recursos (gestora) e quem realiza as ações (executora) busca assegurar governança, transparência e perenidade dos recursos. A lei também exige regras claras de governança, como conselhos deliberativos, prestação de contas e políticas de resgate que definem quanto pode ser retirado por ano.
Apesar de representar um avanço importante, o anuário mostra que apenas 22% dos fundos patrimoniais estão formalmente enquadrados na legislação. Os demais operam com modelos próprios, muitas vezes criados antes da lei. Os principais motivos para não aderir incluem o custo elevado para se adaptar ao modelo legal, a ausência de incentivos fiscais mais atrativos e o fato de que a estrutura exigida (especialmente a separação entre gestora e executora) nem sempre é viável para organizações menores.
Artigos de especialistas
A publicação encerra com quatro artigos assinados por especialistas, que aprofundam aspectos estratégicos para o fortalecimento dos fundos patrimoniais no Brasil. Entre os temas abordados estão os desafios de gestão entre o curto e o longo prazo, a importância da profissionalização da gestão financeira, o potencial do testamento solidário como ferramenta de captação e os avanços recentes no ambiente regulatório. As contribuições destacam que, mais do que um instrumento técnico, os endowments representam um compromisso com o futuro e seu fortalecimento exige visão de longo prazo, governança robusta e articulação entre diferentes setores da sociedade.
Para acessar o Anuário completo, clique aqui.
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Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas.