Como parte da celebração dos 25 anos da ABCR, iniciamos esta semana a publicação de uma série de entrevistas feitas com nossos ex-presidentes. A ideia é que cada um compartilhe suas experiências, desafios e conquistas durante o período em que esteve à frente da associação, oferecendo uma visão única sobre a evolução da ABCR e do setor de captação de recursos no Brasil. Nesta primeira entrevista, conversamos com Custódio Pereira, o primeiro presidente da ABCR.
Custódio esteve à frente da ABCR entre 2000 e 2003 e compartilhou sua visão sobre o início da associação, os desafios que enfrentou e as conquistas durante sua gestão, além de refletir sobre o legado deixado e as expectativas para o futuro da captação de recursos no Brasil.
O cenário da captação de recursos no Brasil nos anos 2000
Quando Custódio assumiu a presidência da ABCR, o setor de captação de recursos no Brasil ainda engatinhava. Na época, não havia muitos materiais de referência, profissionais especializados ou uma estrutura consolidada para orientar organizações na busca de recursos. Custódio relembra como a ideia de criar a ABCR surgiu a partir de uma visita à Fundação Getúlio Vargas (FGV), onde conheceu Célia Cruz, então responsável pela captação de recursos da fundação. Foi ela quem o incentivou a participar de um congresso internacional de captação de recursos promovido pela AFP (Association of Fundraising Professionals) em New Orleans. Esse congresso foi um divisor de águas para Custódio.
“Foi a primeira vez que eu estive em um evento desse tipo. Quando eu cheguei lá, eram 5 mil pessoas que estavam participando do Congresso. Tinha pessoas que eram captadoras de recursos do Vaticano, de hospitais, de assistência social, de educação”, relembra. Ele compara a experiência a “estar em outro planeta”, dada a diferença entre o que acontecia nos Estados Unidos e o que ainda não existia no Brasil.
O nascimento da ABCR e o grupo fundador
Foi durante esse evento que Custódio e um pequeno grupo de brasileiros decidiram que era hora de trazer para o Brasil aquela expertise e o conhecimento da captação de recursos. “Nós falamos: ‘gente, nós temos que levar isso aqui para o Brasil’, porque entendemos que era uma oportunidade de trazermos aquela experiência para as nossas instituições”, conta ele.

Ao retornar ao Brasil, formou-se um grupo de trabalho com nomes como Célia Cruz, Rodrigo Alvarez e Carla Nóbrega, entre outros, com o objetivo de fundar a ABCR. Custódio destaca o papel essencial de Carla Nóbrega, que foi uma vice-presidente muito atuante e sempre presente nas reuniões. Ele faz questão de mencionar que, sem a dedicação de pessoas como Carla, o projeto não teria avançado: “A Carla nunca faltava nas reuniões. […] Alguns diretores sempre estiveram presentes e fizeram com que a ABCR não fraquejasse. Sempre foram líderes fortes”.
A Decisão pela independência
Um ponto importante no processo de criação da ABCR foi a decisão de não se tornar uma espécie de “filial” da AFP, como ocorre em outros países. Apesar das facilidades que isso poderia trazer, o grupo optou por seguir um caminho independente. “Nós não quisemos ser um capítulo da AFP”, afirma Custódio. Ele explica que, embora isso pudesse ter dado um apoio inicial importante, a ABCR teria que seguir as normas e regras internacionais, algo que o grupo preferiu evitar para criar algo mais alinhado às particularidades brasileiras.
Essa escolha, no entanto, trouxe desafios. Segundo Custódio, a captação de recursos para sustentar a própria ABCR foi um dos maiores obstáculos enfrentados nos primeiros anos: “Casa de ferreiro, espeto de pau. A gente sabia o que queria, mas precisava ter uma estrutura, de gente, de pessoas remuneradas. Precisávamos de um executivo, secretário executivo, diretor executivo, e a gente não tinha recursos para pagar”.
Apesar das dificuldades, o grupo seguiu em frente, buscando apoio de fundações como a Kellogg Foundation e outras fontes. Mesmo com poucos recursos, Custódio e sua equipe continuaram a realizar encontros e a promover eventos, com destaque para o primeiro congresso de captação de recursos para escolas e universidades, organizado por ele.
Custódio destaca a criação do primeiro Código de Ética do Captador de Recursos como um dos grandes marcos da sua gestão, construído junto com diretoria e voluntários. “Tivemos muitas discussões sobre questões como a comissão sobre a captação de recursos. Foram inúmeras reuniões até formatarmos o que seria o primeiro estatuto, a primeira diretoria e as primeiras ações”.
O legado de sua gestão
Quando perguntado sobre a maior conquista durante sua presidência, Custódio afirma com convicção que foi a própria criação da ABCR. “Acho que a maior conquista foi o nascimento da ABCR, fazer parte desse nascimento. Me sinto muito honrado de ter sido o primeiro presidente. Não foi um período fácil porque a gente não tinha dinheiro, as pessoas tinham seus compromissos, e foi um processo de construção difícil, mas de muita persistência”.
Ele também menciona o orgulho de ver que, apesar das dificuldades iniciais, a ABCR manteve-se com credibilidade ao longo dos anos, graças à dedicação de seu grupo fundador e ao comprometimento das diretorias seguintes.
Impacto da ABCR no setor e expectativas para o futuro
Refletindo sobre o impacto da ABCR ao longo dos anos, Custódio destaca dois aspectos: o tangível e o intangível. “O intangível é todo aquele bem que a ABCR proporcionou na formação de conhecimento, em trazer palestrantes, material, publicações. Muitas organizações e pessoas foram beneficiadas graças ao trabalho dos profissionais que captam recursos. Isso é algo que você não tem como medir”, diz ele. Já o tangível, segundo ele, é o reconhecimento da profissão de captador de recursos no Brasil. Custódio acredita que a ABCR teve um papel fundamental para que essa profissão fosse reconhecida e valorizada.
Sobre o futuro, Custódio é otimista: “A ABCR está muito bem conduzida por pessoas qualificadas e competentes. Para o futuro, eu diria que talvez seja interessante manter vínculos mais fortes com o passado, com as pessoas que ajudaram a construir a ABCR lá no início”. Ele também vê na internacionalização uma oportunidade para expandir o impacto da associação, fortalecendo o intercâmbio com organizações internacionais.
Mensagem aos associados
Ao final da entrevista, Custódio deixou uma mensagem inspiradora para os atuais associados da ABCR: “Vocês são os profissionais mais importantes ao meu ver. Vocês ajudam suas instituições a captar mais recursos para as causas, salvando vidas e ajudando as pessoas. Não há trabalho mais nobre do que o captador de recursos ético”.
Ele também compartilha uma reflexão sobre a importância de registrar o trabalho realizado ao longo dos anos: “Nós fazemos a história todos os dias e precisamos registrá-la para que no futuro as pessoas conheçam o trabalho que foi realizado. Normalmente, nós não registramos, não tiramos fotos, não guardamos documentos. Aí, quando tem um relatório para fazer, é aquela correria de ninguém encontrar nada. Por isso, sempre reforço a importância de registrar tudo”, finaliza.