Como parte da celebração dos 25 anos da ABCR, seguimos com nossa série de entrevistas com ex-presidentes que moldaram a história da associação. Nesta edição, conversamos com Marcelo Estraviz, o terceiro presidente da ABCR, que liderou a entidade em duas gestões, de 2007 a 2009 e de 2009 a 2012. Em um relato direto, Estraviz compartilha os desafios e conquistas de sua gestão, que foi marcada pelo renascimento da ABCR e a criação de marcos importantes, como o evento que viria a ser o Festival ABCR.
Marcelo Estraviz se envolveu com a ABCR desde o início, sendo um dos fundadores ao lado de outros importantes nomes do setor. Contudo, sua entrada na presidência ocorreu de forma inesperada. “Eu não planejei ser presidente”, revela Estraviz. “A Christina, que era a presidente anterior, teve alguns problemas e disse que não conseguiria mais seguir com a ABCR. Ela chamou uma reunião e disse: ‘ou a gente continua com a ABCR ou ela acaba’. Foi quando eu me voluntariei: ‘Eu assumo, mas vou precisar da ajuda de vocês'”.
Esse foi o ponto de virada que levou Marcelo a liderar a associação em um momento delicado, onde a continuidade da ABCR estava em risco. Mesmo sem planejamento prévio, ele aceitou o desafio e rapidamente percebeu que aquela era uma oportunidade única.
“Na mesma noite que aceitei, indo para casa, fiquei muito feliz com a decisão. Era uma oportunidade de me dedicar de forma institucional à captação de recursos”. No entanto, esse dia também foi marcado por um acontecimento inusitado: “No dia em que fui eleito, roubaram meu carro. Não dá para esquecer esse dia”, lembra Marcelo, com bom humor.
Uma das primeiras ações de Marcelo foi criar um modelo de gestão que incentivasse a participação de mais pessoas na ABCR. “Eu criei vice-presidências. Era uma forma simpática de chamar pessoas para trabalhar junto, porque não dava para eu fazer tudo sozinho. Então, trouxe gente que ajudou a ABCR a seguir adiante”.
Estraviz também viu a necessidade de formalizar a ABCR de maneira mais profissional. Ele lembra que, até então, a estrutura era muito informal, com poucos recursos e sem um site funcional. “Criamos o primeiro site da ABCR, em que as pessoas se inscreviam para receber informações. Tudo ainda era muito voluntário, mas aos poucos fomos profissionalizando”.
Uma parceria importante na época foi com o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), que permitiu que a ABCR aproveitasse eventos do GIFE para promover a captação de recursos. “Essa parceria foi muito bacana. A gente encaixava nossos eventos nos deles e, assim, conseguíamos mobilizar mais pessoas para discutir captação”.
Um dos maiores legados da gestão de Marcelo Estraviz foi a criação do Festival Latino-Americano de Captação de Recursos (FLAC), que mais tarde se transformaria no Festival ABCR, um evento anual que hoje é referência no setor. “O festival foi muito marcante porque foi quando, de fato, sinalizamos que a ABCR teria, anualmente, um evento para os captadores se encontrarem, trocarem figurinhas e aprenderem uns com os outros”.
Marcelo lembra com orgulho da primeira edição, realizada na PUC-SP, que já trouxe uma inovação na forma como o evento foi organizado. “A gente criou uma programação com uma dinâmica chamada Open Space, que desde o primeiro ano foi muito diferenciada. Foi um sucesso e, o mais importante, foi superavitário. Esse foi o primeiro dinheiro que a ABCR teve, o que permitiu fazer outras coisas”.
O festival também representou um momento pessoal importante para Marcelo. “Teve uma hora em que eu olhei para as salas cheias, com centenas de pessoas participando, e pensei: ‘Gente, tá dando certo, funcionou!’ Foi mágico. Foi o momento em que eu soube que a ABCR estava no caminho certo”.
Embora as conquistas tenham sido grandes, Marcelo admite que a presidência veio com seus desafios. Um dos principais foi criar uma estrutura de financiamento contínuo para a ABCR. “Na minha gestão, a gente não tinha um modelo de anuidade para os associados. Tudo ainda era muito baseado no voluntariado. Contratei o João Paulo Vergueiro como consultor para nos ajudar com isso, e ele acabou se tornando o presidente seguinte e consolidou essa parte”.
Outro desafio foi lidar com a constante necessidade de ser uma referência ética no setor. Marcelo fala sobre o peso que carregava como presidente. “Havia uma preocupação constante de estar fazendo a coisa certa, porque eu sabia que, como presidente da ABCR, eu era uma referência. Não podia cometer um erro, porque isso colocaria em risco não só a minha reputação, mas a da ABCR como um todo”.
Quando questionado sobre o impacto da ABCR e do setor de captação de recursos desde sua presidência, Marcelo ressalta o crescimento exponencial e a diversidade que o campo alcançou. “Há 25 anos, nem o termo ‘captação de recursos’ era consolidado. Falávamos em arrecadação de fundos ou fundraising. Hoje, temos um ecossistema muito mais diverso e profissional, com milhares de pessoas e organizações atuando na captação de recursos”.
Ele também destaca a ABCR como referência em advocacy e a consolidação da profissão de captador de recursos. “A ABCR hoje vai para Brasília, discute políticas públicas e conseguiu que a profissão de captador fosse reconhecida oficialmente no Código Brasileiro de Ocupações”.
Para os próximos 25 anos, Marcelo Estraviz espera ver o fortalecimento do terceiro setor como um todo. “Minha expectativa é que a grande maioria das organizações brasileiras tenha uma área sólida de captação de recursos, com fontes diversificadas e profissionais qualificados. Se isso acontecer, será, sem dúvida, um reflexo do trabalho da ABCR”.
Ele também vê a ABCR como uma influenciadora desse processo, mas ressalta que o crescimento não deve ser apenas da associação, mas de todo o setor. “A missão da ABCR estará cumprida se, daqui a 25 anos, o terceiro setor brasileiro for muito mais robusto”.
Em sua mensagem final, Marcelo reforça a importância de ser um associado da ABCR. “Ser associado é um posicionamento, é uma forma de dizer que você apoia o fortalecimento do setor. Minha mensagem é: busque mais dois associados, e assim triplicaremos nossa força. A ABCR é feita de associados, e quanto mais crescermos, mais impacto teremos”.