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Como o amor pelos livros virou R$ 37 mil por ano para uma organização de proteção animal

Ideia de criar um sebo virtual surgiu no auge da pandemia, da mente e do afeto de uma voluntária apaixonada por literatura

Tudo começou com uma tatuagem. Fernanda Breda conheceu o trabalho da ONG Animais Sem Teto, em Piraquara (PR), ao ganhar uma tatuagem em uma ação promovida pela organização no Instagram. Era 2017. De lá pra cá, muita coisa mudou, menos uma certeza: ela queria continuar ajudando. Quando a pandemia chegou, os eventos presenciais que sustentavam a organização foram cancelados. Bazares e feiras desapareceram de uma hora para outra, junto com as principais fontes de renda da organização. Quase cem cães dependiam de Ana Paula, fundadora da ONG, e das doações de quem acompanhava o trabalho nas redes sociais. 

Foi aí que Fernanda teve uma ideia. “Eu sou formada em Letras, sempre gostei muito de livros. Na época eu já doava dinheiro do meu bolso, mas queria fazer mais. Vi outras iniciativas vendendo livros usados no Instagram e pensei: ‘acho que posso fazer também’”. Assim nasceu o projeto de captação de recursos batizado de “AUjude Livros”, um sebo virtual que vende livros que a Animais Sem Teto recebe como doação. A iniciativa funciona de forma 100% voluntária e gera, em média, R$ 3.500 por mês para a organização, chegando a picos de R$ 5 mil em determinados períodos. 

Em 2024, foram arrecadados cerca de R$ 37 mil, sem qualquer custo fixo para a organização, além da compra de papel pardo, fita adesiva e post-its para os embrulhar os livros, o que custa menos de R$ 50 por mês. Para 2025, a expectativa é de crescimento: até o dia 14 de outubro já haviam sido arrecadados mais de R$ 35 mil. 

De acordo com a pesquisa “Periferias e Filantropia – As barreiras de acesso aos recursos no Brasil”, realizada pela Iniciativa Pipa, cerca de 15% das organizações periféricas no Brasil não possuem recursos e 31% vive com menos de R$ 5 mil por ano. Em um país onde tantas organizações lutam para sobreviver com o mínimo, arrecadar quase R$ 40 mil ao ano com uma ideia simples, sem um grande custo fixo e com recursos livres é uma estratégia potente de sustentabilidade.

Rede de apoiadores organizam pontos de coleta

A lógica do sebo AUjude Livros é simples, mas nem por isso menos elaborada. Os livros são 100% doados, arrecadados de forma orgânica por pessoas que seguem a página ou acompanham o trabalho da organização. Há diversos pontos de coleta espalhados por Curitiba, cidade vizinha de Piraquara, quase todos articulados com apoio de amigos e familiares. A casa da mãe da Fernanda, o consultório veterinário parceiro, o restaurante de um conhecido e até a sede da própria organização são pontos fixos onde doações podem ser deixadas. “Foi tudo acontecendo de forma muito natural. Eu envolvi minha sogra, minha mãe, amigas, gente da rede da Ana Paula. Hoje temos vários pontos espalhados, todos voluntários, que ajudam como podem”, conta Fernanda.

Há também parceria com uma universidade que, anualmente, promove uma arrecadação coletiva com estudantes. “Chegam a me entregar 300 livros por vez”, contabiliza Fernanda. Quando percebe que o estoque está baixo, ela recorre aos stories com um pedido de doações. A resposta, segundo ela, costuma ser rápida. “Tem gente que manda até de fora do estado. Tem uma menina de Belo Horizonte que manda uma caixinha quase todo mês”.

Depois de receber as doações, Fernanda faz uma triagem criteriosa: verifica o estado dos exemplares, seleciona o que vai para o Instagram, separa os títulos mais “batidos” para promoções e guarda os que não vendem para fazer trocas em sebos locais. Ela embala todos os pedidos com cuidado — usando papel pardo, durex, post-its e flyers informativos da organização e os leva pessoalmente aos Correios. O envio é custeado pelos compradores, que estão dispostos a pagar a taxa para apoiar a causa.

Comunicação afetiva, estratégia intuitiva

No início do projeto, Fernanda fazia um trabalho minucioso de divulgação: buscava perfis literários no Instagram, escrevia mensagens personalizadas, explicava a proposta do projeto e convidava as pessoas a conhecerem a página. “Muita gente me ignorava, mas várias responderam com entusiasmo, passaram a seguir e se tornaram clientes fiéis”, relembra ela. Com o tempo, e com a qualidade do trabalho, a página ganhou movimento. Hoje, com mais de 5.700 seguidores, o projeto tem vendas diárias e uma comunidade que não apenas compra livros, mas acompanha, indica e ajuda a movimentar o perfil. 

Fernanda costuma postar cerca de seis livros por dia, sempre com cuidado na curadoria e atenção ao perfil do público leitor. Ela aprendeu, na prática, a identificar o que sai rápido e o que precisa de promoção. Livros premiados, clássicos e edições especiais vendem quase imediatamente. Já best-sellers muito populares que aparecem em doações repetidas, viram promoção do tipo “Compre um por R$ 10, dois por R$ 15”. 

O perfil atrai leitores de todo o Brasil e Fernanda já consegue reconhecer padrões. Segundo ela, dois perfis são os mais recorrentes: leitoras de romances populares, especialmente títulos que viralizam no TikTok, e leitores de clássicos e edições especiais, como os da editora DarkSide. “Esses livros duram pouquíssimo tempo na página. Saem todo dia”, conta. Mas também há quem participe de forma inusitada: como uma apoiadora que compra mensalmente livros infantis do AUjude Livros para, em seguida, doar a uma segunda instituição. “Ela ajuda duas vezes”, resume Fernanda.

O Instagram virou também o espaço de prestação de contas. Cada livro vendido é arquivado nos destaques, e ao fim de cada mês, Fernanda publica os comprovantes de transferência para a organização. “É uma forma de garantir transparência. E quem doa ou compra gosta de saber o impacto que está gerando”. Essa prática, aprendida de outras iniciativas que ela admirava, virou parte da identidade do projeto.

Estratégia que nasce da escuta

O exemplo do AUjude Livros mostra que boas ideias podem surgir da escuta. Muitas vezes, elas já estão ali, nos talentos e nos interesses dos próprios voluntários. Quando uma organização reconhece isso e aposta, o resultado vai além da arrecadação: nasce um compromisso afetivo e genuíno, que torna cada etapa do processo mais cuidadosa e envolvida. Foi assim com Fernanda. Com seu amor pelos livros, ela criou um projeto que não apenas gera recursos, mas também fideliza um público engajado. 

Como os valores arrecadados não estão atrelados a editais ou contratos, podem ser usados conforme as necessidades mais urgentes da organização, como alimentação, vacinas ou tratamentos veterinários. “Tem sido uma experiência ótima fazer esse trabalho, principalmente na parte de curadoria dos livros.  Tenho me doado bastante para essa causa, muito porque eu gosto, mas muito também porque me faz bem”, finaliza Fernanda. 

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