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Filantropia na América Latina e Caribe é debatida a partir de dados do Índice Global do Ambiente Filantrópico

A filantropia na América Latina e no Caribe está em movimento, mas ainda enfrenta barreiras importantes para se consolidar como uma força estruturante de democracias e soluções coletivas. Essa foi uma das conclusões do painel Transformando percepções em ação: o que o Global Philanthropy Environment Index (Índice Global do Ambiente Filantrópico – GPEI) 2025 significa para a América Latina e o Caribe, realizado no 1º Fórum Generosidade Sem Fronteiras, promovido pelo GivingTuesday LAC com apoio da ABCR, que lidera o Dia de Doar no Brasil.

O debate teve a presença de especialistas que contribuíram com a elaboração do GPEI em seus respectivos países: Paula Fabiani (IDIS, Brasil), Jacqueline Butcher (Centro de Estudos da Sociedade Civil do Tecnológico de Monterrey, México), Malou Morgan (Caribbean Collaborative, Barbados) e Catalina Celhay (CEFIS, Chile). A mediação foi conduzida por Afshan Paarlberg, pesquisadora da Lilly Family School of Philanthropy, responsável pela liderança do GPEI.

O que é o índice GPEI e o que ele revela sobre a região

Apresentado como um dos mais completos estudos sobre o ambiente global da filantropia, o GPEI 2025 mapeia condições que incentivam ou dificultam a atuação filantrópica em 95 países e economias do mundo. O índice considera seis dimensões: ambiente político, ambiente econômico, ambiente sociocultural, facilidade para operar uma organização filantrópica, incentivos fiscais e fluxo transfronteiriço de doações.

Entre os dados destacados pela mediadora Afshan Paarlberg está o fato de que, globalmente, mais de 60% dos países analisados apresentam um ambiente considerado favorável à filantropia. No Caribe, a pontuação média foi de 3,63 (em uma escala de 1 a 5), considerada positiva. Por outro lado, a América Latina aparece entre as regiões com piores avaliações.

A edição 2025 do índice levou em conta o período de 2021 a 2023 e identificou como principais tendências globais: o fortalecimento de parcerias e colaborações, a digitalização, o impacto das mudanças climáticas, a profissionalização do setor e o crescimento do uso de inteligência artificial. Na América Latina e no Caribe, a profissionalização vem crescendo em pelo menos nove países da região.

Brasil: avanços na cultura de doação, mas entraves fiscais persistem

Ao comentar o caso brasileiro, Paula Fabiani apontou que o país apresenta facilidade para abertura de organizações, mas muita dificuldade para encerramento. “O mais importante a destacar é que não temos incentivos fiscais para pessoas físicas, apenas para empresas. Mesmo os incentivos existentes, como a possibilidade de destinar parte do imposto devido, não são um estímulo real à doação”, disse. Para ela, esse é um fator que desestimula a filantropia no Brasil.

Apesar dos desafios, Paula compartilhou avanços importantes. “Temos uma cultura de doação em amadurecimento. A Pesquisa Doação Brasil mostrou um aumento nas doações, inclusive em situações de emergência, como as enchentes no sul do país. As pessoas estão mais preocupadas com como e onde doar”.

A CEO do IDIS também destacou o crescimento da filantropia familiar e a recente publicação de um estudo sobre o tema. Segundo ela, ainda há resistência entre famílias com grande patrimônio em relação às desigualdades sociais e ambientais. “A falta de incentivos fiscais e a questão da confiança no terceiro setor também são barreiras”.

Chile: estabilidade e crescimento acima da economia

Catalina Celhay descreveu o ambiente da filantropia no Chile com a palavra “estabilidade”. Apesar das instabilidades políticas e sociais das últimas décadas, o setor se manteve sólido. “Existe uma força estrutural importante, com facilidade para criação e operação de organizações sociais. O Chile teve uma das notas mais altas do GPEI, com 4,63. Isso se deve a um marco legal estável, baseado no direito constitucional de associação”, explicou.

Ela também destacou melhorias na legislação, como a Lei 21.440, que ampliou os propósitos sociais elegíveis e passou a permitir doações em produtos e serviços. “Mesmo com instabilidade econômica, as doações cresceram, em média, 9,8% ao ano entre 2019 e 2023, enquanto o PIB cresceu apenas 2,1%”.

No entanto, Catalina alertou para os riscos. Um escândalo recente envolvendo desvios de recursos públicos para fundações abalou a confiança da população. “Mesmo que tenha envolvido poucas instituições, o escândalo gerou um efeito devastador sobre o setor, e a polarização política pode gerar restrições que prejudiquem quem sempre atuou de forma correta”.

Barbados: cultura de doação enraizada, mas pouco estruturada

Única representante do Caribe no painel, Malou Morgan explicou que Barbados possui uma cultura filantrópica informal e profundamente enraizada. “Somos uma ex-colônia britânica com cerca de 300 mil habitantes, e a filantropia sempre esteve presente na vida comunitária, mas sem estruturas formais”.

Ela destacou o papel da diáspora: “Temos três vezes mais bajans (termo usado para se referir às pessoas nascidas em Barbados) vivendo fora do país do que dentro. O engajamento da diáspora existe há décadas, mas ainda falta estruturar canais para essas contribuições.” Malou também observou que, embora o país tenha ambiente fiscal favorável para investimentos estrangeiros, não existem incentivos às doações.

Ela defendeu a criação de plataformas que ajudem a coordenar as doações da diáspora e ampliem a visibilidade do setor. Também sugeriu o fortalecimento de vínculos entre filantropia e turismo responsável: “O turismo é central para nossa cultura e economia. Precisamos pensar em formas de integrá-lo à filantropia”.

México: retração dos incentivos e visibilidade como desafio

Jacqueline Butcher apresentou um panorama marcado por retrocessos nos últimos anos. Segundo ela, o governo mexicano vem retirando incentivos fiscais e dificultando o recebimento de recursos estrangeiros pelas organizações. “Há seis anos, foi retirado um dos principais incentivos financeiros. Das 44 mil organizações registradas no país, apenas 10 mil podem emitir recibos dedutíveis”.

Apesar disso, Jacqueline destacou que a participação cidadã é alta, especialmente via voluntariado informal. “Cerca de 70 milhões de pessoas com mais de 15 anos participam de algum tipo de ação voluntária. Isso representa, em valor estimado, 18% do orçamento da educação no país”.

Ela ressaltou a importância da visibilidade: “A Cruz Vermelha todos conhecem. Mas milhares de organizações que fazem um trabalho incrível seguem invisíveis. Precisamos ser mais públicos para conquistar confiança.” Também mencionou avanços no setor: “As fundações estão se articulando mais, trocando experiências, e isso tem muito potencial. Em breve vamos lançar um estudo inédito sobre como funcionam as fundações no México”.

Colaborações regionais para um modelo próprio de filantropia

Ao serem questionadas sobre como fortalecer a filantropia na região sem necessariamente replicar modelos europeus ou norte-americanos, as participantes foram unânimes ao destacar o valor de experiências locais. “Nossa região é culturalmente distinta. Temos tradições próprias de solidariedade e ajuda mútua que não se parecem com os modelos filantrópicos do Norte. Devemos levá-las a sério e aprendermos umas com as outras”, disse Catalina Celhay.

Ela citou o caso do Brasil como exemplo em doações corporativas inovadoras, e do México com sua experiência em filantropia comunitária. “Se documentarmos melhor essas soluções, com dados comparativos e evidências abertas, poderemos adaptá-las em outros contextos da região”, afirmou.

Paula Fabiani também destacou que “América Latina e Caribe podem trilhar um novo caminho em temas como meio ambiente e equidade racial”. Para ela, o vínculo entre participação cidadã, democracia e filantropia é uma chave fundamental. “E não é uma questão apenas do terceiro setor. A crise de confiança afeta governos, empresas e a sociedade como um todo”.

Jacqueline Butcher apontou que movimentos internacionais como o GivingTuesday têm um papel importante ao incentivar a produção de dados e promover conexões entre países. “Se conseguirmos mostrar com dados o que fazemos, como fazemos e os resultados gerados, ganhamos força para dialogar com governos e defender um ambiente regulatório mais favorável”.

Confiança, regulação e dados: recomendações para fortalecer o ecossistema

O painel encerrou com recomendações práticas das especialistas. Catalina defendeu a geração e uso sistemático de dados: “Dados mudam a conversa. Ajuda a construir narrativas críveis, identificar riscos e mostrar avanços”. Jacqueline destacou a importância da visibilidade e do investimento em responsabilidade social corporativa e universitária. Paula reforçou a relação entre filantropia e democracia: “Uma fortalece a outra. Precisamos mostrar com evidências como a filantropia contribui com políticas públicas, inovação e bem-estar social”.

Já Malou defendeu a articulação com a diáspora e propôs maior integração entre filantropia e turismo. “Plataformas que coordenem contribuições e dão visibilidade ao impacto são caminhos promissores para pequenos países como os do Caribe”.

O encontro demonstrou que, apesar dos desafios enfrentados na região, a filantropia na América Latina e no Caribe está em evolução, com iniciativas locais que merecem ser valorizadas, fortalecidas e compartilhadas. Ao ampliar a produção de dados, promover o intercâmbio entre países e reconhecer os saberes enraizados nas comunidades, é possível construir um ecossistema filantrópico mais justo, sustentável e conectado com as realidades da região.

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