Apontamento foi feito por estudo conduzido pela Mobiliza com a Plataforma Conjunta
Mais de 60% das pessoas que atuam como captadoras de recursos vivenciam situações que abalam sua saúde mental constantemente ou frequentemente. As complexidades incluem desde a falta de recursos até a constante pressão esmagadora. Os dados foram apontados no recém-lançado estudo “Saúde Mental de Profissionais de Captação de Recursos”, conduzido pela consultoria Mobiliza em parceria com a Plataforma Conjunta. O levantamento lança luz sobre a percepção desses profissionais em relação à sua saúde mental, com o objetivo de influenciar positivamente políticas e culturas das organizações da sociedade civil (OSCs) no país.
Os dados foram coletados em duas etapas: a primeira, qualitativa, através de entrevistas em profundidade com 12 profissionais em abril de 2023; a segunda, quantitativa, por meio de um formulário de pesquisa disseminado em redes sociais e bases de OSCs e profissionais do terceiro setor, com o apoio da ABCR.
Principais achados
A pesquisa recebeu 79 respostas na segunda etapa, e os dados indicam uma alta frequência de impactos na saúde mental dos profissionais de captação de recursos. Na pergunta “com que frequência você vive situações, na atividade profissional de captação de recursos, que abalam sua saúde mental”, 62% dos respondentes indicaram que vivem constantemente ou frequentemente. A análise do espectro de saúde mental revelou que 64% dos participantes se encontram no lado negativo, indicando estados de crise ou luta constante. Esta porcentagem é superior à encontrada na pesquisa da Phomenta sobre saúde mental no Terceiro Setor, sugerindo que profissionais de captação de recursos enfrentam desafios adicionais.
Os principais fatores associados à atividade de captação de recursos que causam problemas na saúde mental incluem sobrecarga e excesso de trabalho (53%), falta de equipe adequada (49%) e falta de compreensão interna/conflitos internos (40%). Além disso, 62% dos participantes expressaram preocupação com a carreira devido a episódios que abalam sua saúde mental.
“Estamos falando de pessoas que são contratadas, recebem salário, ficam por um tempo na organização e abandonam a organização. Isso é um gasto para a organização. Quando a gente está falando de investimento social privado, de mais impacto, usar melhor os recursos das organizações do Terceiro Setor, não cuidar da saúde mental de todos os profissionais, não olhar para esses dados implica em falta de eficiência no uso dos recursos e a possibilidade de você perder profissionais em que se está investindo”, afirmou Rodrigo Alvarez, sócio-fundador da ABCR e diretor da Mobiliza, durante a live de lançamento do estudo.
O evento também teve participação de Camila Stefanelli, da Plataforma Conjunta, Daiany França, da Mais Impacto, Fernando Nogueira, da ABCR, e Cássio Aoqui, da ponteAponte.
Perspectivas para o futuro e recomendações para melhorar a saúde mental
O estudo aponta para a necessidade de investimento, integração da área de captação de recursos com o restante da organização e metas mais claras e factíveis como elementos-chave para melhorar o ambiente de trabalho e a saúde mental desses profissionais. Com base nos resultados, foram identificadas reflexões e recomendações que abrangem três principais esferas: Sociedade, Organizações da Sociedade Civil (OSCs) e Profissionais de Captação.
Organizações da sociedade civil
A pesquisa elencou oito recomendações para OSCs, entre elas desenhar estratégias precisas de captação que possam subsidiar a atuação de profissionais de captação de recursos, investir na capacitação dos profissionais e promover a integração da área de captação com o restante da organização.
Comentando este tópico, Daiany França destacou a importância do planejamento estratégico detalhado, visando metas realistas e indicadores mensuráveis. Também ressaltou a necessidade de mais colaboração e menos competição entre as organizações. A consultora também encorajou as organizações a adotarem uma abordagem mais intencional, baseada em dados e conhecimento, promovendo uma cultura de comunicação aberta e honesta com seus profissionais e investidores.
“A promoção de saúde mental e bem-estar em uma em uma organização é parte da sua cultura e dos seus princípios, então quem constrói isso são as pessoas. Olhar um pouco para essas pessoas que estão construindo essa cultura, problematizar com elas e perguntar: ‘nós somos uma organização que promove isso, eu estou promovendo isso com a as minhas equipes?’. É preciso construir essa cultura. Não vai ser imediatamente, mas é um pouquinho a cada dia”, disse Daiany.
Por fim, ela ressaltou a necessidade de mais intencionalidade em ações e decisões, incluindo a política de remuneração, visando promover uma mudança significativa na saúde mental de quem atua nas organizações do terceiro setor. “Eu tenho absoluta certeza de que com nossas ações internas podemos ajudar a minimizar essa doença”.
Profissionais de Captação de Recursos e seus desafios específicos
O estudo identificou dois pontos específicos que geram estresse para esses profissionais: a falta de clareza sobre a profissão e a falta de integração da área de captação com as demais áreas das organizações. No que diz respeito à falta de clareza sobre a profissão, a pesquisa destaca a importância de consolidar a atividade de captação de recursos como uma profissão. Embora a criação da ABCR e a inclusão da atividade no Código Brasileiro de Ocupações indiquem o reconhecimento como profissão, ainda há desafios como a falta de recursos para remuneração.
As recomendações para os profissionais de captação de recursos incluem atuar como ponto focal na organização, buscar espaços pedagógicos relacionados à captação de recursos, observar desafios e dificuldades periodicamente, buscar aprimoramento e formação permanente, mapear possibilidades de cuidado para lidar com a pressão cotidiana e buscar apoio coletivo, mantendo diálogo com outros profissionais do campo e participando de espaços de construção sobre a profissão no Brasil e no setor social.
Fernando Nogueira enfatizou a necessidade de apoio coletivo na luta pela melhoria das condições de trabalho, salários compatíveis, transparência nas atribuições e investimento na área de captação. “Não dá para esperar que capte muito investimento pouco ou nada”, disse o diretor-executivo da ABCR, que também ressaltou a relevância de participar ativamente de redes profissionais para evitar a sensação de isolamento que alguns captadores podem experimentar dentro de suas organizações. Participar de redes, sejam elas formais ou informais, proporciona um ambiente propício para a troca de experiências, oferecendo suporte emocional e a oportunidade de discutir estratégias eficazes para enfrentar os desafios específicos do campo da captação de recursos.
Fernando também abordou a questão do erro no contexto da captação de recursos. A proposta é que, ao reconhecer e discutir abertamente os erros em vez de puni-los, seja possível identificar oportunidades de melhoria, inovação e aprendizado. Isso cria um ambiente mais propício para o desenvolvimento e aprimoramento contínuo das estratégias de captação de recursos, permitindo que a equipe envolvida aprenda com as experiências passadas e ajuste os caminhos futuros para alcançar melhores resultados.
Sobre a ABCR, Fernando mencionou que a associação está empenhada em reconhecer o tema da saúde mental dos profissionais de captação de recursos. Ele comenta sobre a realização de programa de mentoria para proporcionar suporte e troca de experiências entre os profissionais, a revisão do Código de Ética, que está em andamento para orientar o comportamento e as práticas nesse campo, e a defesa contínua do investimento em desenvolvimento institucional e captação de recursos.
Sociedade
Dentre as recomendações voltadas para a sociedade, o estudo enfatiza a necessidade de fortalecer a prática do grantmaking, valorizando a flexibilidade e apoiando as organizações com recursos livres por prazos mais extensos. “Quando estamos falando de desenvolvimento institucional, estamos falando de recursos livres, flexíveis, com visão de longo prazo, que cubram custos indiretos e também entendendo que fortalecer as pessoas captadoras de recursos é fortalecer as pessoas das OSCs. Fortalecendo as OSCs estamos fortalecendo a sociedade civil organizada e por conseguinte a sociedade civil e uma série de direitos”, comentou Cássio Aoqui durante a live.
Acesse o estudo completo
Para acessar os dados completos do estudo “Saúde Mental de Profissionais de Captação de Recursos”, clique aqui. A gravação de live de lançamento está disponível no Youtube.
Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas