Plenária de abertura do Esquenta Festival ABCR reúne especialistas para debater o cenário atual, tendências e estratégias de sustentabilidade para organizações da sociedade civil
O Esquenta Festival ABCR, evento on-line promovido pela ABCR nesta terça-feira (27) com apoio do Instituto Filantropia, abriu sua programação com uma plenária sobre o panorama da captação de recursos no Brasil em 2025. Com mediação de Flávia Lang, presidente do conselho da ABCR, o encontro reuniu Danilo Jungers (vice-presidente da ABCR), Carla Nóbrega (consultora e fundadora da ABCR) e Daniele Torres (líder do Grupo Temático de Cultura e Economia Criativa da ABCR) para discutir os desafios, tendências e oportunidades do setor.

Logo na abertura, Flávia destacou que o objetivo do debate era olhar para o momento atual da captação no Brasil, mas também refletir sobre os impactos internacionais e as estratégias necessárias para enfrentar as mudanças que vêm se desenhando. “Estamos em um ano desafiador. A gente pega o impacto das mudanças internacionais, o que está acontecendo, e às vezes olha e fala: ‘é só no mundo, é só lá fora’, mas não é. Tudo isso está afetando a nossa captação aqui no Brasil de uma forma que a gente não entende ainda”, afirmou.
Pressões internacionais e a necessidade de diversificação
A primeira a apresentar seu panorama foi a consultora Carla Nóbrega, que trouxe um olhar sobre o cenário global da filantropia. Ela lembrou que, ainda em fevereiro deste ano, o ex-presidente Donald Trump anunciou o fechamento da USAID, agência dos Estados Unidos que financiava projetos em diversos países, incluindo o Brasil. Segundo dados apresentados por Carla, uma pesquisa da Sitawi apontou que 34% das organizações brasileiras que recebiam apoio da USAID tiveram seus financiamentos fortemente comprometidos. Pequenas organizações relataram que mais de 50% de seus orçamentos dependiam exclusivamente dessa fonte e mais de 170 pessoas já haviam sido demitidas em decorrência da perda de apoio.
Para Carla, esses dados são um alerta sobre os riscos de dependência de uma única fonte de recursos. A recomendação é que nenhuma organização tenha mais de 30% de seu financiamento vindo de um único doador. Ela também destacou a crescente resistência, inclusive dentro do campo filantrópico, ao financiamento de causas ligadas à justiça climática, equidade racial e direitos LGBTQIA+. “Fundos estão sendo redirecionados para segurança, gastos militares, contenção migratória. A gente está num cenário bastante desafiador”.
Apesar do cenário desafiador, Carla terminou com um alento: o anúncio recente de Bill Gates, que declarou que pretende doar toda sua fortuna nos próximos 20 anos, pode inspirar uma nova onda de filantropia. “Quem sabe esse gesto inspire outros”, comentou.
Cultura: avanços em políticas públicas, mas desafios na estruturação interna
Na sequência, Daniele Torres focou no setor cultural, trazendo tanto boas notícias quanto alertas. Museóloga e especialista em captação cultural, Daniele lembrou que, apesar da histórica subvalorização da cultura nas estratégias de captação, o setor vive um momento de oportunidades, especialmente por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet). Em 2023, o mecanismo bateu recordes e deve ultrapassar novamente os R$ 3 bilhões investidos em 2024, segundo ela.
“Esse aumento de valor é um trabalho que vem sendo feito pelo Ministério da Cultura para que haja uma democratização no uso desse recurso, uma distribuição maior pelo país inteiro. É um movimento bastante interessante que eu entendo como uma oportunidade singular. Acho que a gente nunca teve esse montante dentro da área de cultura”, disse. No entanto, ela ressaltou que muitas organizações culturais ainda operam sem estruturas profissionais de captação. “É impressionante como a gente ainda se depara com instituições perenes, organizações sociais de cultura, museus, orquestras que não têm uma área de captação”.
Outro ponto crítico trazido por Daniele foi a atuação de agências terceirizadas que se colocam como captadoras de projetos incentivados, mas que, na prática, cobram indevidamente dos proponentes valores que deveriam ser arcados pelas empresas patrocinadoras. Isso configura vantagem indevida segundo a legislação. Além de bloquear o acesso direto dos captadores às empresas, esse modelo coloca os patrocinadores em risco jurídico e reputacional.
Para Daniele, além da ampliação do acesso à Lei Rouanet, o setor cultural precisa investir mais em estratégias de captação com indivíduos, comunicar melhor seu impacto social e econômico, e se apropriar de ferramentas como os fundos patrimoniais. “A gente fala muito de quantitativo de público, mas não conta que a gente gera 3% do PIB, o quanto a gente gera de emprego, de renda, o quanto a gente afeta a economia como um todo, localmente […] É importante trazer esses dados para que a gente possa defender a cultura e a cultura possa virar uma prioridade também, para que as pessoas possam entender a importância de investir na cultura”.
Captação com pessoa física: o papel da profissionalização e do vínculo
Encerrando as falas iniciais, Danilo Jungers apresentou um panorama focado na captação com indivíduos. Vice-presidente da ABCR e com 30 anos de experiência no tema, ele trouxe dados e reflexões baseadas em sua atuação direta com diferentes organizações brasileiras.
Danilo confirmou que há uma queda perceptível na arrecadação com pessoa física em muitas organizações, mas fez uma distinção importante: aquelas que possuem uma estrutura profissional de captação, com equipe dedicada e estratégias bem definidas, estão conseguindo manter ou até ampliar seus resultados, mesmo em um cenário econômico adverso. “Algumas estão crescendo bem. Quando eu falo crescer bem, gente, não dobrar a arrecadação. […] Conseguem ter um crescimento de 20 e poucos por cento, 30 e poucos por cento, que eu considero um crescimento excelente”, disse.
Entre os principais pontos que destacou, estão:
- A importância da retenção de doadores: É mais fácil recuperar quem já doou do que conquistar um novo doador. Há organizações com 2 mil doadores ativos e 20 mil inativos — esse é um potencial imenso, que muitas vezes é negligenciado.
- A necessidade de comunicação personalizada e emocional: Doadores não doam dinheiro, doam o que a organização faz com o dinheiro deles. Por isso, o vínculo emocional é decisivo.
- O uso de novas tecnologias e inteligência artificial: A IA não substitui o captador, mas pode potencializar sua atuação.
Danilo ainda alertou para a importância de integrar diferentes estratégias de captação dentro das organizações, evitando ações isoladas. “Quando a gente faz um evento, a gente tem como trabalhar dentro do nosso evento, por exemplo, um cofrinho, um face to face, capturar esse lead para depois o telemarketing entrar em contato, agradecer a presença dessa pessoa e convidar essa pessoa a ser um doador da sua organização. […] A gente cansa de perceber que as organizações trabalham com estratégias muito isoladas. Quanto mais integradas essas estratégias, mais resultados a gente vai ter”.
Relacionamento e estratégia
Na parte final da plenária, Flávia Lang reforçou que a captação de recursos é, antes de tudo, sobre relacionamento. “Construir relacionamento, primeiro, leva tempo e dedicação, mas tem uma coisa que é principal: conhecer o outro, escutar o outro”, afirmou. Ela destacou que essa construção de vínculo não acontece por acaso e precisa ser planejada desde o início.
“Não adianta a gente trazer o doador, atrair o doador e só depois pensar como a gente vai mantê-lo. A gente tem que fazer tudo junto, porque aquele ‘muito obrigado’ tem que sair na hora. Você recebeu a doação, você tem que agradecer. E se você deixar para depois, não vai fazer do jeito certo”, explicou. Flávia também ressaltou o papel dos dados nesse processo. Quanto mais informação a organização tem sobre quem está doando — idade, onde mora, se tem filhos, o que gosta de fazer —, mais fácil é fazer a conversa acontecer.
Por fim, ela lembrou que o coração da organização são as pessoas e que o recurso irrestrito é essencial para garantir sua permanência: “Ter essa reserva viabiliza você manter a sua equipe, você não perder o que é o mais importante: as pessoas que formam a organização. Quando você perde essa história, você perde o coração. Aquelas pessoas que fazem, que cumprem a missão. Reconstruir pode levar muitos e muitos anos”.
Convite ao Festival ABCR
Antes do encerramento, os convidados compartilharam dicas para quem está iniciando na área e reforçaram a importância de eventos como o Festival ABCR. Carla Nóbrega sugeriu acompanhar tendências e investir em formação constante. Daniele Torres incentivou os participantes a aproveitarem a programação ampla do Festival, trocarem experiências e celebrarem os 25 anos da ABCR. Já Danilo Jungers convidou o público para as masterclasses, com destaque para temas como pitch, storytelling e inteligência artificial aplicada à captação.
Para garantir a sua vaga no maior evento de captação de recursos da América Latina, clique aqui.
Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas.