Em reuniões com grandes doadores, cada minuto conta. E o que pode parecer uma apresentação convincente para quem está pedindo recursos, muitas vezes não atinge quem está prestes a doá-los. O que exatamente os grandes doadores esperam ouvir? O que diferencia uma conversa que termina com um “vamos conversar depois” daquela que realmente abre portas?
Durante o 5º Encontro de Comunicação e Captação de Recursos, promovido pela ABCR, em parceria com Instituto Filantropia e Escola Aberta do Terceiro Setor, o consultor e especialista em captação de recursos Michel Freller compartilhou uma aula prática sobre o assunto. Com mais de 20 anos de experiência em desenvolvimento institucional de organizações sociais, ele resumiu: “O doador não quer saber como você faz, nem como, nem quanto. Ele quer saber o resultado”.
Não comece com a história, comece com o impacto
Uma das principais viradas de chave apontadas por Michel é a forma como se inicia uma apresentação. Em vez de contar longamente a história da organização, ele recomenda inverter a lógica: “Eu já fui em uma apresentação em que a responsável fazia questão de dizer o nome do bispo que benzeu a pedra fundamental do hospital. É linda a história, mas o grande doador não quer ouvir o nome do bispo. Ele quer ver resultado”.
Por isso, a recomendação é abrir a conversa com um vídeo de impacto ou dados que demonstrem transformação. Resultados institucionais devem vir logo no início da apresentação, sempre de forma visual e objetiva. Segundo Michel, uma boa apresentação tem de 12 a 18 slides, com pouco texto e imagens ocupando mais da metade da tela.
Resultados qualitativos são o que mais importa
Michel diferencia metas quantitativas de metas qualitativas. A primeira mostra o que foi feito: número de atendimentos, horas de oficinas, quantidade de kits distribuídos. A segunda mostra o que mudou: melhora no boletim escolar, aumento da autoestima, desenvolvimento da autonomia. “É sair desse relatório que fala ‘X mil atendimentos em saúde de qualidade’ e passar para ‘pessoas que passaram a viver mais tempo por causa do nosso atendimento’. Essa é a diferença”, explicou. “É isto que o grande doador quer ouvir”.
Contrapartidas: mais vivência, menos visibilidade
Outro ponto-chave na fala de Michel é sobre as famosas contrapartidas. “Nós não temos como oferecer grandes visibilidades. Na maioria das vezes, estou falando para organizações pequenas e médias. Então, ofereçam experiências”. Ele mostrou exemplos reais em que os doadores foram convidados a participar de oficinas com os atendidos, construir instrumentos com as crianças ou simplesmente vivenciar o cotidiano da organização. “Isso fica gravado na mente e no coração do grande doador por muito, muito tempo”.
Logos em sites e menções em redes sociais continuam presentes, mas com menos destaque. Segundo ele, esse tipo de visibilidade é limitada para a maioria das OSCs e não é isso que move o investidor social. O diferencial está na conexão real.
Fale o valor da cota só no fim
Outra dica prática está relacionada à apresentação de cotas de patrocínio/investimento. Michel recomenda mostrar apenas uma cota ao doador, cuidadosamente selecionada para o perfil dele, e detalhar o que será feito com aquele valor. Ele exemplificou: “Para você, eu escolhi a Cota Sabedoria. Você vai poder escolher a cidade onde distribuiremos 4.762 kits educativos. Também faremos uma palestra sobre educação de impacto para seus funcionários e um workshop sobre educação socioemocional. Tudo isso por um investimento de um R$ 1 milhão”.
A recomendação é que depois de falar o valor se faça silêncio. “Vai ser o silêncio mais longo da sua vida, mas é essencial. Deixe o doador falar. Se ele disser que é muito, pergunte qual valor ele tinha em mente. Não saque logo a cota de R$ 500 mil. Negocie com base no que ele disser”, indica Michel.
Apresente pouco, mas apresente bem
Michel sugeriu um roteiro para qualquer apresentação a grandes doadores. São dez tópicos:
- Vídeo de impacto ou imagem forte.
- Dados institucionais resumidos.
- Cenário da causa.
- Metodologia de atendimento.
- Resultados institucionais (quantitativos e qualitativos).
- Diferenciais da organização.
- Parcerias já estabelecidas.
- O que será feito com os recursos.
- Cotas e contrapartidas (experiências em destaque).
- Contato direto da equipe.
Ele reforça que essa apresentação não deve ser enviada por e-mail ou WhatsApp antes do encontro. Serve como apoio visual durante a conversa e, só depois, um material mais completo pode ser encaminhado ao doador.
Storytelling com propósito
Uma dica compartilhada por Michel é usar o storytelling com estratégia. Em vez de coletâneas de depoimentos, a sugestão é investir em uma história bem contada de apenas uma pessoa, que represente o impacto do projeto.
“É o que a gente chama de storytelling com um personagem. Minha vida antes e depois. Mostre uma mãe, um jovem, um idoso. E diga: ‘igual a essa pessoa, temos muitas outras histórias”.
O que o doador não quer ouvir
Além do que dizer, Michel fez questão de pontuar o que evitar. Textos longos, histórico extenso, promessas vagas de visibilidade e excesso de números desconectados da realidade são armadilhas comuns. “Não adianta dizer que você fez mil oficinas se não consegue mostrar o que isso mudou. E não adianta encher o slide de texto com seis cotas e valores diferentes. É confuso. É perda de tempo”.
“Todos vocês conseguem fazer isso”, reforçou. “É só mudar a forma de apresentar o que já fazem. O grande doador quer clareza, impacto e conexão. Se ele entender que sua organização é capaz de transformar vidas, o cheque pode não vir hoje, mas ele vem”.
Texto publicado pela Captamos, editoria da ABCR de conteúdos aprofundados sobre mobilização de recursos para causas.