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Organizações de comunicação popular seguem invisibilizadas pelo sistema de financiamento no Brasil, aponta estudo

Mais da metade nunca acessou recursos com frequência; pesquisa da Pacová mapeou realidades de 50 iniciativas em todas as regiões do país

Uma das práticas mais antigas e fundamentais na luta por direitos no Brasil, a comunicação popular continua sendo tratada como ferramenta e não como causa. É o que revela a pesquisa “Barreiras ao Financiamento para Organizações de Comunicação Popular”, lançada em 2025 pela Pacová – Articulação de Cooperação do Campo à Cidade. O estudo ouviu 50 iniciativas de todo o país e escancarou um paradoxo: mesmo sendo vitais para a democracia e a justiça social, as organizações de comunicação popular seguem majoritariamente sem acesso a recursos estruturantes.

Segundo os dados, apenas 54% das organizações ouvidas já acessaram algum tipo de financiamento ao longo de sua trajetória, e somente 21% conseguem acessar recursos com alguma frequência. O volume mobilizado também é baixo: entre as que já captaram, 35% receberam até R$ 50 mil em toda sua história e apenas 12% ultrapassaram R$ 100 mil.

Voluntariado como regra

Mesmo entre organizações com mais de dez integrantes, o trabalho voluntário predomina. A pesquisa mostra que metade das equipes com mais de dez pessoas atuam sem qualquer remuneração. Essa realidade se repete nas demais faixas: entre as equipes de 4 a 6 pessoas, 61% atuam 100% no voluntariado.

Além da ausência de financiamento recorrente, os obstáculos se acumulam. As principais barreiras apontadas incluem a falta de apoio técnico para captação (21%), a exigência de CNPJ (19%) e a linguagem técnica dos editais (13%), que muitas vezes não dialoga com as realidades territoriais e culturais dessas iniciativas. A rigidez na prestação de contas e a exigência de infraestrutura digital também dificultam o acesso.

Financiamento concentrado e desigual

Os dados também mostram que, mesmo quando há acesso a recursos, eles vêm majoritariamente de fundações e ONGs nacionais (52%). O poder público representa apenas 19% das fontes citadas e doações individuais mal chegam a 1%. Empresas privadas aparecem com 6% dos aportes.

A análise por regiões revela desigualdades internas: enquanto o Nordeste concentra 54% das organizações ouvidas, o Sudeste apresenta o maior volume de recursos por iniciativa, mas também um nível elevado de concentração. No Sul, todas as organizações conseguiram captar algum recurso, mas nenhuma com regularidade. No Norte e Centro-Oeste, a maioria atua com equipes pequenas e enfrenta entraves ainda mais severos, como ausência de CNPJ e falta de estrutura digital.

Fazer comunicação popular é resistir

A pesquisa também mergulha nas histórias de cinco coletivos representativos de cada região do país. Entre eles estão o Coletivo Jovens do Beiradão (AM), que atua com jovens ribeirinhos na Amazônia; o blog Flores no Ar (PE), criado há 16 anos para fortalecer a cultura e os direitos humanos; a Agência Mural (SP), referência em jornalismo das periferias; o Djagwa Etxa (RS), coletivo indígena de comunicação e agroecologia; e a produtora Paraíso (MT), que enfrenta o desafio de sobreviver entre “quases” e improvisos.

Em comum, todas relatam experiências de autogestão, forte mobilização comunitária e dificuldades em enquadrar seus projetos nos formatos exigidos por financiadores. “Ao longo da pesquisa, ouvimos repetidas vezes que ‘fazer comunicação popular é resistir’. Isso não é metáfora: é uma realidade cotidiana”, afirma o relatório.

Fortalecimento da democracia

A principal defesa do estudo é que a comunicação popular precisa ser reconhecida como causa política central, não apenas como ferramenta instrumental de projetos sociais. A publicação traz ainda recomendações para o ecossistema filantrópico e para políticas públicas. Entre elas, a criação de linhas de microfinanciamento, a oferta de apoio técnico para captação e a simplificação dos editais. Também destaca a urgência de políticas estruturadas de fomento e da inclusão da comunicação popular nos orçamentos públicos de cultura, educação e direitos humanos. A pesquisa completa está disponível no site da Pacová: www.pacova.org

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