Captação de recursos não deve ser apenas uma ferramenta para manter projetos sociais funcionando. Quando pensada sob uma perspectiva de direitos humanos, ela se torna parte de um processo político de transformação das estruturas sociais. Essa foi a principal proposta apresentada por Ana Milena Gómez Rojas durante o 1º Fórum Generosidade Sem Fronteiras, promovido pelo GivingTuesday LAC com apoio da ABCR.
Cientista política, mestre em Desenvolvimento Rural e coordenadora do programa de bolsas da organização Pan para o Mundo na Colômbia, Ana defendeu que a captação não pode ser orientada apenas pela busca de sustentabilidade financeira. “Toda estratégia de mobilização de recursos não só busca a sustentabilidade financeira — que sim, é uma parte, claro — mas também o que se busca é desenhar e desfrutar de princípios, enfoques e práticas que promovam, protejam e respeitem os direitos humanos”, afirmou.
Mobilizar para transformar, não apenas arrecadar
Ana defende que captar recursos deve estar diretamente vinculado a um propósito político e ético para transformar as realidades. Esse entendimento parte de três princípios centrais: reconhecer os públicos atendidos como sujeitos de direitos e não como beneficiários passivos, atuar com corresponsabilidade na escolha de parceiros e garantir a participação ativa das comunidades nos processos de decisão. “O que queremos é tirar essa palavra ‘beneficiários’, que nos parece que pode ser vista como atores passivos a quem se leva um projeto e colocá-los como pessoas titulares de direitos. Isso já muda a perspectiva”.
Outro ponto fundamental é a coerência entre os princípios da organização e os perfis dos financiadores. “Não se busca trabalhar com atores que vão na contramão da luta e dos processos de direitos humanos”, disse Ana, ao comentar sobre parcerias com empresas ou instituições que violam direitos ou exploram territórios vulneráveis.
Um dos alertas feitos pela especialista foi sobre a dependência de uma única fonte de financiamento. Segundo ela, essa é uma fragilidade comum a muitas organizações sociais que contam exclusivamente com apoio da cooperação internacional. A saída, para ela, está em diversificar as fontes e ampliar as alianças, olhando também para o território. “Muitas vezes não vemos os atores que estão ao nosso lado, que são locais, que são do território e que podem apoiar e se tornar doadores importantes”, destacou.
Captação começa dentro da casa
A organização precisa estar preparada para mobilizar recursos. Isso significa, por exemplo, ter clareza sobre sua identidade e missão, envolver diferentes setores no planejamento da captação e garantir uma base mínima de estrutura para colocá-lo em prática. “Não é necessário ter uma equipe grande. Mas é importante identificar pessoas com iniciativa, com capacidade de inovação e empatia, e que consigam começar com o que já temos disponível”, indicou Ana, que alertou que muitas vezes os planos falham porque ficam concentrados em uma só pessoa ou departamento. “Não é tarefa de uma única pessoa. É um processo coletivo que precisa envolver todas as áreas”.
Ao compartilhar as diretrizes que orientam o planejamento da captação, Ana Milena retomou a base conceitual da Change the Game Academy com oito passos:
Descrever a organização: contar sua história, identidade e diferenciais.
Analisar o contexto: identificar oportunidades, desafios e necessidades.
Definir objetivos: estabelecer metas gerais e específicas de captação.
Nomear a necessidade: deixar claro o que se deseja transformar com os recursos.
Escolher técnicas: tradicionais ou digitais, conforme as capacidades disponíveis.
Fazer uma projeção financeira realista: incluindo custos, prazos e retorno esperado.
Planejar ações e responsabilidades: distribuir tarefas e definir cronograma.
Comunicar com estratégia: adaptar a mensagem para cada público-alvo.
Captar é transformar realidades — não implorar por ajuda
Na parte final da palestra, Ana reforçou que captar recursos não é apenas uma atividade técnica, mas um ato político de transformação. “Não estamos pedindo um favor. Estamos fazendo um processo de mudança de realidades”. A fala serviu como um lembrete de que mobilizar apoios é também afirmar o valor do trabalho realizado pelas organizações e das causas que elas defendem. Ela destacou ainda a importância de cultivar o que chamou de “sentido de possibilidade” — uma postura interna que permite enxergar caminhos mesmo diante das adversidades. “Captar é criar alianças. E ninguém quer se aliar a quem não acredita na própria causa”.