Ao participar de um evento com representantes do setor social, semanas atrás, assistimos a um painel que debatia estratégias de comunicação para captação de recursos. Nos surpreendemos bastante com a fala de um dos participantes do painel, que representava uma importante organização social brasileira: segundo ele, uma boa estratégia para a comunicação de ONGs é ir em busca de parceiros, de voluntários que topem doar seu tempo, seu conhecimento e seus equipamentos para fazer os trabalhos de comunicação gratuitamente. Imediatamente nos lembramos do célebre TED de Dan Pallotta, “A maneira como pensamos em caridade está totalmente errada”. Vale muito assistir:
https://www.ted.com/talks/dan_pallotta_the_way_we_think_about_charity_is_dead_wrong?language=pt-br
Em resumo, Pallotta defende a importância do trabalho das ONGs mas critica a forma como elas se posicionam em relação ao “mundo real” da economia, do mercado. Segundo ele, há um conjunto de crenças que limita o crescimento e, por consequência, o aumento do impacto das ONGs. “Existe um livro de regras que vale para o mercado das ONGs e outro que vale para o resto da economia mundial”, diz Dan. Este conjunto de crenças arraigado no setor social – que podemos chamar de cultura – na nossa visão pode ser um entrave para a sustentabilidade e, num segundo momento, para dar mais escala aos impactos positivos gerados pelas ONGs no Brasil e no mundo.
É claro que precisamos olhar para cada organização de maneira única. As ONGs são diferentes, tem atuações diversas, realidades administrativas e financeiras específicas. E também não queremos desmerecer o trabalho voluntário de comunicação de causas: na Social Docs, sempre fizemos este tipo de voluntariado e ainda fazemos! O trabalho voluntário pode ajudar muito! Mas acreditamos que, no Brasil, precisamos refletir, investir e trabalhar para a profissionalização do setor social. Gestão, atuação no campo, captação de recursos e, claro, comunicação. Afinal, a comunicação é um elemento fundamental para auxiliar na gestão e na captação de recursos. Sem comunicar é mais difícil gerenciar, é muito mais complicado captar.
Vivemos uma época interessantíssima, em que os métodos utilizados pelas empresas, pelo “grande capital”, estão deixando de ser “demonizados” pelos que acreditam em mais justiça social. Empresas e mercado financeiro começam a servir como exemplos de sucesso para o setor social. Cada vez mais assistimos ao crescimento dos chamados “negócios sociais”, empreendimentos que utilizam a inteligência de mercado, geram lucro mas se propõem a resolver problemas complexos. Cresce também o “investimento social”, que está conscientizando as pessoas de que fazer um mundo melhor é uma ótima forma de investir seu dinheiro.
E as ONGs nessa história? Sem dúvida todo este movimento no sentido de compreender o que o “mercado” tem de bom e de utilizar isto para resolver problemas sociais precisa ser aproveitado. Afinal, as organizações têm um papel único e muito especial neste ecossistema de solução de problemas complexos. Quanto mais as ONGs puderem profissionalizar sua gestão, sua captação de recursos e por consequência sua comunicação, mais poderão ganhar escala. Além de se tornarem mais sustentáveis, é possível, para muitas organizações, ampliar de verdade seu trabalho e melhorar a vida de muito mais gente. O Brasil precisa disso mais do que nunca.
Nesse sentido, comunicar é absolutamente fundamental. Você consegue imaginar qualquer empresa ganhando escala sem uma comunicação profissional, bem planejada? Basta olhar para as imensas empresas de refrigerante e fast-food, por exemplo. Consegue imaginar alguma delas conquistando mercados em todo o mundo com uma comunicação feita por voluntários, sem nenhum investimento? Parafraseando novamente Dan Pallotta: precisamos parar de achar “normal” que uma empresa invista bilhões em comunicação simplesmente para ganhar mais dinheiro e achar “anormal”, “errado”, que uma ONG faça o mesmo tipo de investimento para ajudar pessoas, para causar um impacto social positivo.
Por fim: não há problema nenhum com o trabalho voluntário, nem no campo, nem na administração, nem na comunicação. Ele deve continuar existindo para casos específicos. Como dissemos, cada ONG tem uma característica e uma realidade. Mas não podemos mais dizer, de modo generalizante, que o trabalho voluntário é a melhor estratégia para resolver a comunicação de uma ONG. Não é mesmo. Continuar atuando completamente fora das lógicas de mercado só vai manter as ONGs paradas no tempo. Mais do que isso: vai diminuir sua força de atuação, tão importante e cheia de potencial para fazer um mundo melhor. A grande estratégia é, sem dúvida, trabalhar para profissionalizar a comunicação das ONGS.
Marcelo Douek e Henry Grazinoli